Charlie Wayne

Estar preso por meses me fez pensar... O quanto Clarissa teria mudado desde nosso último encontro? Porque ela levou um tiro para nos salvar. A antiga Clarissa não teria feito isso.

Minha irmã apenas recarrega uma arma sua mantendo os olhos firmes por debaixo da máscara que cobre seus olhos.

— Fiquem concentrados. Charada costuma ser bem excêntrico — minha mãe diz com tranquilidade.

“Excêntrico? Vou considerar isso como um elogio, querida Mulher-Gato”.

— Vamos lá Eddie. Seus jogos estão tão velhos — a Mulher-Gato praticamente ronrona quando fala.

“Sua opinião vai mudar bastante depois disso”.

O chão estremece aos nossos pés quase caoticamente. O piso muda, revertendo-se para blocos de cor dourada que permeiam abaixo de nossos pés.

Mais um tremor, e barreiras de vidro surgem no meio de nós, separando cada um, mas possibilitando que nos vejamos e possamos nos ouvir.

“Vamos tornar o confinamento de vocês interessante!”.

Clarissa emite um grito de raiva quando garras apanham seus tornozelos e os prendem. Garras de metal descem do teto com uma coleira. Minha irmã tenta lutar, mas a coleira se prende ao pescoço dela e pisca, executando algum tipo de eletrochoque que faz Clarissa gritar.

— DEIXE-A EM PAZ! — berra Batman, irritado.

“Hora, levem na esportiva. Vamos ver se vocês merecem receber as chaves que libertam a coleira da querida Lady Assassina! Elas estão espalhadas pelos cantos deste salão. Devem seguir o painel de cores que vou colocar aqui. Se errarem, uma armadilha muito especial espera por vocês!”

— É como batalha naval — diz Clary, com um sorriso sarcástico. — Eu joguei isso minha infância inteira, querido Eddie!

“Sua arrogância é como a de seu pai!”.

Um painel com um ponto de interrogação aparece no telão, substituindo a figura do Charada. Um ponto de interrogação com um caminho de luzes desenhado. Certo. Vamos lá!

— Clarissa, você pode começar — diz minha mãe com um ar tranquilo.

Minha irmã parece pensativa por um momento.

— Batman, avance dois quadrados — Ela diz com segurança.

Meu pai o faz, atrás dele uma serra elétrica se ergue do piso e emperra no quadrado onde minha mãe está a poucos milímetros de acertá-la.

“Esqueci de dizer que existe um limite de tempo para pensarem”, debocha a voz de Charada ecoando pelo cômodo.

— Mulher-Gato, avance três quadrados para a direita — Clarissa parece um pouco mais tensa.

Minha mãe segue o comando de Clarissa.

— Espero que não esteja tentando me fatiar, Eddie. Carne de gato não é tão boa quanto parece.

“Oh minha cara, Selina. Carne de gato é extraordinária!”.

Clarissa avança um quadrado para a esquerda.

— Charlie, siga um quadrado para a esquerda.

Obedeço. A serra elétrica passa livremente pelos espaços que deixamos, emperrando do outro lado do salão. Livramo-nos desta armadilha.

“Muito bem! Mas agora vamos ser um pouco mais rápidos!”.

O painel começa a girar mais rapidamente. Clarissa respira fundo logo que um laser desce do teto do outro lado do salão, seguindo pela faixa que tanto eu quanto ela nos encontramos.

— Cuidado — alerta Batman.

Clarissa molha os lábios com a língua antes de falar.

— Charlie, avance um quadrado à sua frente.

O faço, tentando ver algo no painel. O olhar de Clarissa se torna fixo antes que ela avance dois quadrados para à frente. O laser passa por nós sem riscos.

— Batman, avance dois quadrados à sua frente.

Ele segue, parando conforme o pedido.

— Mulher-Gato, três quadrados para sua frente.

— Pode deixar — minha mãe diz altivamente, parando.

Duas serras brotam dos dois lados do salão, seguindo até nós. É possível ouvir a risada do Charada.

“Sua perspicácia não vai durar por muito tempo!”.

O painel começa a piscar repetidas vezes.

— AH PUTA QUE O PARIU! — xinga Clarissa, irritada.

— Minha vez de tentar — a Mulher-Gato semicerra os olhos. — Cores são tão legais...

— Concentre-se Selina. Mas não como um gato — avisa Batman com um suspiro.

— Certo... Amor avance quatro quadrados para a esquerda.

Espero que minha mãe tenha se concentrado nas cores e não pensado em como pegá-las. Batman avança como o pedido de Selina, e para sem nenhum ferimento. Que bom!

— Charlie, avance três quadrados para a direita — minha mãe diz atenta ao painel.

Obedeço, observando que faltam três fileiras para alcançar o final do jogo. Mas meu pai está bem mais perto.

— Clarissa, avance dois quadrados para a esquerda.

Clarissa avança, estando uma fileira atrás de mim. A Mulher-Gato avança também.

— Certo. Todos bem... — Selina diz.

As serras se chocam no meio do salão, sem retirar sangue de nenhum de nós. Elas somem de vista, afundando no piso e dando lugar aos quadrados de outrora.

“Estão bem perto de conseguir a primeira chave. Mas tomem cuidado com a esperança!”.

Um barulho mais alto e intenso de serras vem às nossas costas. Serras avançam, com um vão no meio, no entanto prontas para fatiar quem estiver nos cantos do piso. Ou seja: meu pai e eu.

— Selina, mais rápido! — Batman diz, os olhos fixando-se em mim por um momento.

— Okay! Amor, avance dois quadrados para a frente.

O Batman segue.

— Charlie, dois quadrados para a esquerda.

Obedeço, ouvindo o barulho de serras atrás de mim. Não ouso olhar para ver o quão próximas estão.

— Batman, termine o jogo. Avance um quadrado para a frente.

Meu pai o faz e um brilho no chão mostra que ele terminou.

— Charlie, termine o jogo também. Avance um quadrado para frente — minha mãe diz.

Obedeço, e um brilho ocorre no quadrado aos meus pés.

“Muito bem! Vocês dois merecem uma recompensa”.

A nossa frente, dois potes cheios de chaves aparecem, cada uma mais idêntica à outra.

“Vocês tem vinte segundos para encontrarem a chave da querida Clarissa! Mulher-Gato e a Lady Assassina estão presas no meio do jogo. E as serras se tornam mais estreitas!”, o prazer na voz do Charada é evidente.

São duas chaves. Ou mais?

— Você não vai dar nem uma dica, Eddie? São quantas chaves, meu queridinho? — minha mãe utiliza um tom manso, tentando tirar informações.

“Um número entre 0 e um milhão!”.

— Agradecemos pela sua resposta — ironiza Clary. — Quando eu tirar essa coleira, vou enfiá-la no seu...

— Clarissa! — Batman alerta.

Vejo minha irmã bufar. Começo a revirar o pote de chaves. O pior é que não posso simplesmente quebrá-lo. Então me lembro de algo que tenho no meu uniforme, muito útil.

“O tempo está se esgotando!”.

Visão noturna. Mexo na máscara que cobre meus olhos e olho as chaves novamente. Todas são idênticas conforme mexo com minha mão enluvada... Até avistar uma no fundo do pote. Estico meus dedos e consigo apanhá-la.

As serras estão cada vez mais próximas das duas mulheres. Jogo a chave para Clarissa, que a apanha habilidosamente e coloca na coleira. Felizmente gira.

— Devem faltar mais algumas — Ela diz, com impaciência. — É melhor serem rápidos! Não estou a fim de morrer fatiada!

Bufo, observando meu pai pegar uma chave em seu pote e lançar para Clarissa. A garota a apanha e destrava a coleira.

— Finalmente! — Ela sorri com superioridade.

“E a Família Batman não desaponta! Mas, vocês tem apenas seis minutos para saírem da nave! E tenho um monte de monstrinhos prontos para vocês!”.

Dos quadrados que formavam o piso surgiram robôs cheios de um líquido colorido dentro de si.

— Você está tão fora de moda, Charada — reclama minha mãe, dando um salto perfeito e pousando os saltos de suas botas em um dos monstros que vibra antes de ser desativado.

Meu pai derruba vários facilmente, lançando-os contra a parede com força suficiente para que detonem sozinhos.

Clarissa atira em vários, executando manobras com seu próprio corpo para desviar de ataques e executar golpes perfeitos contra os oponentes.

Deslizo pelo piso fugindo dos ataques dos meus inimigos, em seguida atingindo dois com socos e chutes. Dou um giro de cento e oitenta graus acertando vários robôs com chutes, saltando e arrastando mais dois robôs para se chocarem contra a parede.

— Vai irmãozinho! — Clarissa me lança um dos monstros, e destruo com um golpe de punho pousando-o no chão. Ele vibra antes de detonar.

— Irmãozinho? — debocho, e Clary sorri com cinismo.

Batman e Mulher-Gato nos alcançam após destruírem todas as armadilhas do Charada.

— Podemos tomar um café no Starbucks depois. Que tal? Estou com saudade do Starbucks — minha mãe diz caminhando até a saída do salão que se encontra aberta para nós.

— Depois que salvarmos Gotham de uma destruição em massa — Batman corta completamente os desejos da esposa, que faz uma careta.

— Sempre chato Bruce...

A parede à nossa frente detona, lançando-nos para o chão. Um robô maior que todos os outros surge sendo comandado por Charada, que exibe um sorriso lunático. Os braços de sua imensa armadura capturam minha mãe enquanto seus pés tentam nos pisotear. Desvio habilidosamente, observando-o passar até o meio do salão.

— Trapaceiros! — Charada exclama, lançando com força a Mulher-Gato contra meu pai, que a apanha sem esforço. — Hora do verdadeiro show!

Uma série de monstros surge do piso, tão coloridos quanto antes. Merda!

— Se vocês não sabem valorizar um grande gênio eu tenho de me rebaixar ao nível de vocês para que compreendam quem é o vencedor!

Salto para o alto, caindo sobre dezenas de monstros e derrubando-os. Chuto dois de uma vez, e golpeio com os punhos diversos outros. Estes caem pateticamente explodindo.

— Vou segurá-los aqui o máximo possível até que tudo vá pelos ares!

— Mas que porra! — Clarissa pega suas pistolas e atira em vários rapidamente, seus dedos pressionando os gatilhos agilmente. — Você não se cansa de ser idiota?

— Ora pirralha! Vou te mostrar quem é o idiota quando estiver ressuscitando dos mortos e poder cuspir nos seus restos mortais!

— CUIDADO! — Batman voa sobre minha irmã, derrubando-a no piso logo que o Charada lança uma rajada de energia de sua armadura contra ela.

— Temos que arranjar um jeito de sair, filho — minha mãe diz com suas costas contra as minhas, usufruindo de suas garras para acabar com inúmeros monstros.

Clarissa limpa o lábio ensanguentado, pisando em um inimigo e chutando-o com raiva para longe.

— Eu não pretendo morrer aqui — Ela diz amargamente, tirando do cinto um cilindro de metal. — Acho que essa é uma boa hora para usar.

Ela destrava o pino e meu pai nos cobre com a capa logo que Clary lança o objeto contra Charada. Seu lançamento é perfeito, e o cilindro cai diretamente dentro das ferragens da armadura.

— VAMOS!

Saímos do salão e o estrondo ecoa chacoalhando a estrutura.

— Porra! Aquilo era uma bomba nuclear? — questiono quando meu ouvido retine.

— Não. Mas o que está vindo até nós é quase isso — Clarissa avança correndo.

Passamos por dezenas de cadáveres de alguma espécie de zumbi ou sei lá o quê e avistamos a saída para o subterrâneo. Mais duzentos metros e estaremos fora daqui.

— Dez segundos! — Batman olha o relógio enquanto corre.

Merda, merda, merda.

As rajadas de energia praticamente nos queimam durante o trajeto, e sinto uma em específica atravessar o couro da minha roupa.

— MALDIÇÃO! O Zack esqueceu de desligar essa droga!

Clarissa ergue sua pistola e atira no painel de controle acabando com a energia principal e fazendo tudo apagar de uma só vez. Uma passagem na parede exala ar frio...

É então que o maior estrondo que já ouvi ecoa por todos os lados. A estrutura vacila, e o Batman agarra Clarissa e eu nos jogando sobre seus ombros como se fossemos sacos de areia enquanto a Mulher-Gato salta como um felino pela passagem, escapando.

Em um salto, meu pai alcança o lado de fora, e atrás de nós tudo desaba. Rolo pelo chão em uma mistura de poeira e fumaça, assim que a nave começa a incendiar e parte dela desaba.

Continuamos nos afastando, exauridos. Clarissa cambaleia antes de cair no chão. Batman respira fundo. A Mulher-Gato recupera o fôlego, observando partes de sua roupa destruídas pela energia que a atravessou.

Uma mistura de contentamento, incredulidade e tontura se misturam em meu consciente. Coloco as mãos nos joelhos, tossindo.

— Conseguimos — murmura Clary, ainda no chão.

Vejo o grupo de heróis à distância, são e salvos, e é impossível não sorrir.