Arco: Nova Era

Ano 4841.

Castelo Darcy – Base da Tropa de Exploração

—Ela não está respirando! – O rapaz de cabelos castanhos raspados falava alto enquanto tentava reanimar a garota pálida no chão, do lado de fora das paredes grossas do castelo uma comoção se formava, os esquadrões saiam às pressas, enquanto se ouvia o relinchar árduo dos cavalos nos estábulos. Do outro lado da porta, um farfalhar alto tomava o peito dos soldados.

—Aleksey! Aleksey! – Chacoalhavam o corpo empalidecido que lutava para respirar, tentando chamá-lo de volta a vida. O médico ensurdecido pelos pedidos de ajuda tentava de tudo, mas a verdade, exposta em seus olhos caídos era dura e grosseira: dois dos cinco portadores de titãs pertencentes ao império de Eldia estavam morrendo, sem causa aparente, sem ferimento no corpo, sem motivos, eles simplesmente caíram no chão.

—Quem sabe seja a água? - Um dos soldados com a mão na cabeça murmurou atônito.

—Se fosse, estaríamos todos caídos agora. - A moça com o rosto em uma expressão contorcida respondeu ao seu lado.

—A comida? - Ele retrucou.

—Ainda não tomaram café e, ainda assim, jantamos juntos, então todos estariam envenenados.

—Se fosse veneno nós estaríamos no chão, não os portadores. - O médico abaixado no chão respondeu duramente.

O cabo que olhava estarrecido para os corpos caídos no chão, saiu abruptamente pela porta. Sob um amanhecer cinzento e o vento cortante, os soldados cavalgavam para checar os outros portadores, olhando as altas muralhas de milênios antes, jogava súplicas ao céu escuro de que os demais ainda estivessem vivos.

Arthuro Rotchs corria com o esquadrão principal, os portadores estavam no Distrito de Shinganshina, para o caso de qualquer ataque no porto sul. O vento balançava as bandeiras, embaixo das muralhas, a casa pintada de branco parecia ranger sob o clima hostil, nela 2 portadores caídos no chão. Embora os pulmões puxassem o ar com dificuldade para o peito, os semblantes eram claros e pacíficos como se a morte que os acalentasse viesse como um abraço quente.

—Cabo, sobre as muralhas, William está da mesma forma. – Rotchs atônito, piscou boquiaberto sem saber que ordens dar ou se deveria dar alguma, o comandante e o capitão em sua hierarquia direta estavam fora, numa reunião na Muralha Sina enquanto a maior proteção de Eldia estava morrendo. Como areia que cai pelos vãos dos dedos, nada pode ser feito para reparar.

—Avisem a Polícia Militar, chamem os comandantes. Eu irei até o General Klein, apenas mantenham isso quieto, não queremos assustar os civis. – Ele saiu pela porta, montando um semblante de confiança que faria a mais assustada criança se sentir segura. O cabo que subia a hierarquia em rápida ascensão montou o cavalo-branco e partiu para o interior da Muralha Maria pelas ruas de ladrilhos, enquanto os poucos carros andavam na via ao lado dele e os tilintar das patas de Tovi, o recém-chegado mas bem treinado cavalo do cabo, batiam contra o chão ritmicamente.

Se fosse em outra época, os titãs e seus portadores seriam temidos pelo povo atrás daqueles muros, mas nos tempos atuais, eram reverenciados como protetores daquele pequeno grupo da humanidade, a humanidade das muralhas, composta exclusivamente por Eldianos, enquanto às pobres almas que perdiam a humanidade e se tornavam armas irracionais, eram feitas orações que visavam a paz para aqueles que partiram. Enquanto do outro lado do oceano o mesmo povo era “cultivado” como plantas que seriam arrancadas, os Eldianos já não lutavam mais por Marley, preferiam morrer se isso significasse a derrota para o Império do continente, por isso, eram criados como gado para o abate, quando chegava a hora, Marley injetava em todos o soro da espinha de um titã original e as pessoas naqueles corpos, nem existiam mais. As habilidades de controlar a transformação dos titãs foi passada pela linhagem de titãs bestial, como um presente devido à perseverança de Zeke Jäeger, o que significava um massacre de Eldianos sendo usados como meras armas descartáveis.

Quando Rotchs chegou até a segunda base do reconhecimento, alocada no distrito pequeno no meio da Muralha Maria, o sol já caia no horizonte. Ele entrou apressado, batendo a porta de entrada contra a parede e fazendo os militares levantarem o olhar para ver o rapaz parado a frente da porta.

—Os portadores… morreram. – As palavras entrecortadas foram suficientes para gerar tumulto.

—Tem certeza? - Um dos rapazes segurou o cabo pelos ombros.

Rotchs apenas assentiu e assistiu enquanto papéis caiam no chão e os soldados corriam para a sala do fundo, entraram ignorando as regras hierárquicas. O general Klein que fumava calmamente olhando através das janelas, se assustou com o barulho das portas e as vozes altas, os 20 soldados alocados naquele ponto estavam em suas salas com expressões contorcidas.

—Eles morreram senhor, todos eles. – Uma soldado novata de cabelos curtos murmurou de leve entre o silêncio que cobria a sala.

—Como é possível? Um ataque inesperado? – Rotchs, vendo a expressão do general se contorcer deu um passo à frente.

—Simplesmente deixaram de respirar, todos eles, nem o médico sabe a causa, não é a água e nem a comida, senão todos estaríamos mortos, eles estavam em lugares diferentes e não havia nenhum traço aparente de envenenamento, machucados ou qualquer outra coisa. Eles simplesmente caíram no chão e pararam de respirar, sem sofrer, sem sangrar, só morreram, ali mesmo.

—Isso não é sensato... Como poderiam morrer assim? Já sofreram danos no corpo muito maiores, não chegaram aos 13 anos… – Klein falava alto, quase gritando, assustando os aturdidos soldados a sua frente, que recuavam um pouco. – Ele os matou, aquele demônio está lá, na coordenada, foi ele!

—Senhor, isso é só uma lenda. Eren Jäeger morreu há 2 mil anos, o titã fundador sumiu 500 anos depois, antes disso todos diziam que Ymir ainda estava lá. Não há provas de que ele está na coordenada. Eles simplesmente se foram. – Então um estalar luminoso tomou a cabeça do jovem cabo. – E se a maldição acabou? E se a capacidade dos Eldianos de virar titãs acabou aqui?

Um brilho sombrio iluminou aquelas faces, se fosse verdade, se a maldição dos súditos de Ymir acabou os sofrimentos e o aprisionamento acabavam ali.

—Rotchs, pegue seu cavalo. Vamos informar aos outros.

A notícia se espalhou como fogo em mata seca, o que quer que acontecera com os portadores gerava comoção, a polícia militar fazia planos de evacuação, as minas e pastos fora das muralhas estavam sendo abandonados, os gados deixados sozinhos, enquanto levavam a população de volta para a segurança das muralhas. A guarnição inquieta mantinha os canhões carregados, sem a proteção dos titãs o império se tornava vulnerável.

No principal distrito da Muralha Sina, na residência afastada pertencente à família real, o caos corria solto.

—Senhor, o que faremos?

—Se Marley ainda tiver os titãs seremos destroçados por qualquer ataque!

—Os médicos já deram o veredicto da morte?

—Há algum espião infiltrado que poderia matá-los?

Os militares despejavam perguntas, preces e pessimismo em voz alta.

Um homem, idoso, um tanto magrelo atravessava com dificuldade o corredor principal do escritório, Rei Thorsten e o atual Príncipe Ehrlich, tentavam dar conta dos militares atordoados e amedrontados que estavam nos corredores, enquanto a Rainha Odessa e as damas de honra acalmavam o povo nos portões.

—Mandem desligar as caldeiras! Mandem um contingente para proteger os abrigos. Coloquem os melhores hidroaviões e o mais rápido de nossos dirigíveis no céu, preparem os canhões dos navios. Recuem os civis das cidades externas. Até sabermos o que está acontecendo a proteção da população é o mais importante. – Frente a uma sala cheia de militares, o homem velho com a voz rouca falava alto. – Comecem agora! – Os Reiss eram conhecidos como uma linhagem de governo bondosa e gentil, claro, com suas exceções. Frente as piores situações, sempre buscavam proteger os civis e crianças. Enquanto os soldados, tinham plena consciência de que não eram humanos. Eram soldados do Império de Eldia, algo mais que humanos, visto que tinham a responsabilidade de proteger o próprio povo, matando aqueles que perderam a humanidade.

Aquela fora uma das piores noites para o Império, Thorsten Reiss, cercado por diplomatas que preparavam discursos e negociações esperando o pior cenário, os generais que tentavam em vão manter suas composturas e comandantes de todos os regimentos que tentavam alinhar os números e capacidades do exército enquanto aguardavam um ataque. Consideravam mandar a população para as cidades inferiores, as capitais abandonadas que se estendiam da Muralha Rose a Muralha Sina pareciam ser o melhor refúgio para o povo agora. Mas outras preocupações pesavam sob os ombros velhos e curvos, recuando o povo que trabalhava fora das muralhas, perderiam plantações, gados e minas de exploração, como alimentariam o povo assim.

Frente ao ataque iminente saído do continente as medidas do Rei eram as melhores possíveis.

Na sala ampla do necrotério do principal hospital de Sina, o 2º General, Kazimierz Deilr olhava os corpos daqueles que carregaram os titãs por apenas 6 anos.

—Então? - Ele olhou para médica parada em frente as macas. Ela suspirou, colocando novas luvas.

—Mesmo após investigação, as causas das mortes continuam sendo naturais, nada de veneno, nenhum machucado interno ou externo, é como se tivessem tido uma parada cardiorrespiratória e morrido, como pessoas comuns.

—Andrea… está me dizendo que um homem que teve um braço e parte do tronco destruídos com um tiro de canhão e andou horas depois como se nada tivesse acontecido, simplesmente, caiu no chão e morreu sem conseguir respirar? - Kazimierz segurava entre as mãos, o rosto de Aleksey, o antigo titã de ataque, o rapaz de cabelos castanhos curtos e raspados atrás e nas laterais parecia dormir serenamente, como num dia de treinamento.

—Sinto muito, senhor. Mas foi exatamente isso, já revisei todas as informações. Todos os interrogatórios, não tem outra resposta. Talvez fosse o destino.

—Nós construímos nosso destino Andrea, por meio de escolhas, acho que nenhum deles escolheu isso. - Ele deu um longo suspiro. - Obrigado pelo seu trabalho. Vou informar a tropa de exploração e a polícia militar, daremos seguimento aos velórios, a população quer se despedir e precisamos dar um desfecho as famílias.

Alguns dias depois cinco corpos foram velados sob fotos em tons de velho âmbar, flores, cartas, homenagens e velas espalhados por vários metros em torno dos túmulos. Os epitáfios em honra aqueles que partiram.

No grande salão de reuniões, porém, a discussão era outra. Sentados nas cadeiras da frente, o 1º general Marslow, o 2º Kazimierz e o 3º Klein ouviam as estratégias dos repartimentos para as próximas semanas, nas cadeiras laterais, o rei e a rainha acompanhados de diplomatas ouviam e anotavam tudo, dando as devidas considerações.

—A artilharia anti titã já está pronta para subir para o alto das muralhas, vamos precisar de 2 dias para que tudo esteja completo, mas são fáceis de mirar e nem mesmo Hamlet resistia a elas. - A comandante Hains da Divisão de pesquisa anunciava cautelosamente, entregando aos generais os documentos com as especificações de instalação e uso das armas.

—São armas pesadas, não podem ser movidas correto? - Marslow perguntou intrigado.

—Não senhor, só podem ser movimentadas lateralmente em um ângulo de 180° graus, estão em fase de desenvolvimento. São mais potentes dos que as do porto, mas ainda restritivas.

—Seria possível colocá-las nos zepelins? - Marslow questionou enquanto ainda fitava as páginas

—Kashima? - Hains se virou para garota de cabelos vermelhos atrás de si.

—Creio que com ajustes podemos colocar, mas haverá perda de alguns ângulos na mira.

—Podem fazer isso! - Klein anunciou suavemente.

—Esperem, vamos colocar armas de grosso calibre num zepelim? Como vocês esperam que expliquemos isso aos nossos parceiros comerciais? - Lady Mira perguntou de um dos acentos dos diplomatas, a responsável pelas relações com o oriente não gostou nenhum pouco de saber que os zepelins que iam buscar seda e arroz em outra nação estariam carregados com armas gigantes.

—Os hidroaviões claramente não vão aguentar o peso sem serem prejudicados. Os zepelins são a melhor opção. - Klein completou passando a mão pela nuca.

—Podem manter pelo menos um deles sem isso? - Lorde Cristof perguntou ainda apreensivo, ele era responsável pelo comércio de minérios de Eldia no sul. - Estamos negociando minérios com um país que está tentando evitar uma guerra com Marley, como vou passar com um canhão anti titã quando somos os principais fornecedores de armas do continente. Podemos envolver a eles e a nós mesmo em uma guerra.

—Os diplomatas estão certos, mantenham um zepelim para o comércio. Isso vai gerar atrasos em entregas, mas podemos negociar. - A rainha Odessa tomou a palavra.

A conversava divagava com as apresentações das estratégias, logo tudo estava pronto, as cidades iscas, pareciam fantasmas a sombra da muralha e lá no alto, os militares se mantinham atentos no horizonte.

Depois de semanas a situação era igual, nenhum ataque viera. No porto as margens sudoeste da Ilha, atracava o couraçado, com um grande V pintado em Prata do lado. O País de Valirion, um dos maiores parceiros econômicos de Eldia, estavam tentando negociar com Marley para evitar uma guerra havia meses. Daquele navio, uma mulher de cabelos platinados, descia apressada, cercada de soldados, era a Lady Arminia, a responsável pelos contratos entre Paradis e Valirion, pelas linhas do trem ela foi rapidamente até as muralhas e frente aos 3 generais e o conselho de relações exteriores ela abriu os finos lábios apenas para decretar com um sorriso.

—Os portadores de Marley estão todos mortos, eles cessaram os ataques sobre o continente. – Ela suspirava aliviada. Odessa que a olhava, sentada na principal cadeira do conselho, arregalou os olhos. Os cabelos longos e brancos da rainha estavam presos num alto coque e quando ela se levantou devagar, com lágrimas nos olhos, recitou profundamente.

—Hamlet, Kohaku, Marcos, William e Aleksey faleceram há semanas. Sem explicação ou ferimentos, eles simplesmente partiram. – Lady Arminia, caiu de joelhos, a chance que ela via para que o Império de Eldia libertasse os povos do continente estava perdida. – Isso significa que o quer que tenha sido, afetou todos os portadores. Isso nos tranquiliza bastante, significa que Marley vai deixar o mundo em paz por ora.

A notícia da morte dos portadores tomou o mundo, junto as revoltas, Marley precisou voltar suas forças para o continente, segurando e mantendo sob botas de aço os impérios que dominava e ainda, perdendo muito de seu poder sobre os países que coagia com tratados comerciais. A força do Império sob o continente caiu durante os anos seguintes, dando a alguns povos a chance de se reerguer, enquanto Eldia acendia as caldeiras da forjaria de novo e entregava armas para o mundo lutar, sem se envolver diretamente. As pistolas, metralhadoras, balas, proteções e rifles com a inscrição “Paradis Army Ind.” aumentavam nos campos de batalhas, enquanto o império, por segurança, mantinha o armamento contra titãs sob sigilo. Marley continuava transformando Eldianos em irracionais e usando isso ao seu favor nos campos, mas seu estoque de fluído acabaria em breve.

Nos anos seguintes o barulho da guerra do continente continuava a gritar e ensurdecer o mundo, enquanto sob as muralhas um novo rei era coroado Ehrlich Reiss, se casara com Georgiana, uma Comandante da Polícia Militar, a rainha Odessa faleceu de causas naturais, enquanto o rei permaneceu de luto anos após sua partida. Dois dos três generais de Eldia desistiram de seus postos enquanto comandantes e capitães mantiveram e subiram os seus, sobre Paradis as pessoas ainda podiam prosperar, criando caminhos seguros para fora das muralhas o povo tentava seguir sem a proteção dos Titãs que cuidaram deles durante dois milênios, até aquele dia.