Destino: Nova York

3. Amigos com toda a certeza


Juliana

2 de julho de 1978, suíte do navio

Bianca voltou para o quarto um pouco tarde na noite anterior, mas eu não liguei muito, afinal, nós já tínhamos nos acobertado várias vezes quando voltávamos tarde para a casa dos nossos pais.

Mas mudando de assunto, na manhã de dois de julho, eu fui surpreendida com uma xícara fumegante de chá, oferecida por Newt. Peguei a porcelana, perguntando-lhe porque estava fazendo aquilo.

—Achei que você sentia falta de chá inglês, como o feito em Hogwarts.

—Onde conseguiu este chá? - gesticulei a xícara que esquentava meus dedos.

—Comprei antes de partir, sabe, para não sentir saudade quando estiver nos Estados Unidos.

—Por que não guardou para si mesmo?

—Porque encontrei alguém que precisava mais – observei-o, confusa. - Veja bem, meu único problema seria sentir falta de casa, já você sente falta do seu colar e de casa. Acho que temos um vencedor.

Meneei a cabeça, dando um gole no chá, que certamente viera da Grã-Bretanha, sem sombra de dúvida. Agradeci, satisfeita por ter uma xícara de chá em um navio onde todos parecem preferir café.

—Não ligue para eles, só estão tentando se adaptar.

—Desculpe… adaptar a quê?

—À cultura, ora essa. Todos estamos indo para um lugar novo, com costumes diferentes dos nossos, beber café em vez de chá é uma forma de tentar se encaixar antes que seja tarde.

Arregalei os olhos, como ele sabia no que eu estava pensando? O que ele tinha de gentil, tinha de assustador e surpreendente. Quando terminei a xícara, ele pegou minhas mãos e fomos para a amurada, observar as ondas abaixo de nós, trocando olhares esporádicos.

—Eu acho que a gente podia sair em Nova York – falei, jogando meus cabelos em um ombro, mantendo os olhos em Newt -, procurar uma cafeteria bacana, nos acostumar com café estadunidense.

Newt assentiu, aceitando meu convite.

—Você gosta mesmo de me manter por perto, não é? - ele questionou, e eu concordei. - Por quê?

—Porque eu gosto de você. Você é meu amigo.

Amigo? Você se superou, Juliana. Francamente. Eu não estava desesperada para ter algo com Newt, mas se rolasse, eu ia gostar. Discreto, Newt me passou um guardanapo dobrado, com um sorriso tímido.

Isso e você me quer por perto tempo o bastante para acharmos seu colar – N.S

Saquei uma caneta perdida na bolsa – pegara uma mania irritante de Bianca, de sempre ter canetas por perto – e escrevi no verso:

Não precisa ser tão direto, sabia? -J.A

Ele riu, voltando os olhos para o mar.

10 de julho de 1978, cais de Nova York

Uma semana se passou e nada do colar aparecer. Cheguei muito perto de desistir, mas Bianca, Newt e Sirius me incentivavam a continuar, sempre. Até o fim. Mas a viagem terminou e desembarcamos na cidade da “Grande Maçã”, como diziam alguns passageiros.

Com notas de tristeza nos olhos, Sirius se despediu de nós, dizendo que o hotel que ele reservara ficava longe, do outro lado da cidade, e ele tinha que por-se a caminho. Bianca o abraçou, relutando em deixá-lo ir, mas se afastou quando ele lhe deu um guardanapo dobrado e um último aceno. Despedidas eram mais difíceis para ela do que para mim, e não podia-se negar que eles se tornaram grandes amigos na semana passada.

Newt e eu apenas observávamos uma das grandes ironias do século. Uma sonserina e um grifinório se despedindo amigavelmente e quase às lágrimas, quer dizer, eu estava assistindo, enquanto Newt estava distraído com seus pensamentos. Quando Sirius sumiu de nossas vistas, ele anunciou:

—Não tinha pensado nisso, mas talvez saiba onde está o colar.

—Está brincando, não está? - Bianca disse, irritada. - Passamos uma semana revirando o navio e você diz que sabe? - ela ergueu a sobrancelha, acho que toda a sua maldade Slytherin se reuniu naquele olhar.

—Eu disse que acho— ele rebateu, sem temê-la. Eu não saberia dizer se era coragem ou tolice.

Newt colocou sua mala no chão e a destrancou, levantando a tampa em seguida. Lá haviam roupas douradas e vermelhas, entre outros pertences tipicamente grifinórios, e ele torceu o nariz. Com certeza, essa não era a sua bagagem.

—Ótimo – ele reclamou, batendo as mãos nas coxas. - Antes tínhamos apenas um colar para encontrar, agora preciso achar a minha mala – seu tom era desesperado.

—Vamos encontrar – garanti, em voz baixa.

—Isso é do Sirius – disse minha irmã, abaixando-se para pegar o casaco com Black bordado nas costas.

—Precisamos ir até ele – falou Newt, aflito, olhando na direção onde o táxi de Sirius seguira. - Se estou com a dele, ele deve estar com a minha.

—Provavelmente. Ele te deu o endereço do hotel? - perguntei para Bianca, e ela desdobrou o guardanapo que ele lhe dera momentos antes.

A caligrafia era caprichada: World Hotel, Bowery, 101. Apontei um táxi há alguns metros de onde estávamos. Corremos para pegá-lo e demos ao motorista o endereço. Newt estava tão mal que só faltava abrir o berreiro, o que me fez pensar o que havia de tão importante naquela mala que lhe fizesse tanta falta.

Chegamos ao hotel, um lugar pequeno e meio escondido entre os prédios vizinhos. Por um momento, achei que Sirius sendo um Black, não se hospedaria em um buraco como aquele, mas então me recordei que Sirius era o Black menos Black que eu conhecia.

Dividimos a conta e Bianca passou à frente, deixando-me para trás, com a tarefa de acalmar Newt. O recepcionista quase se negou a nos dizer qual era a suíte que Sirius estava ocupando, mas Bianca olhou-o nos olhos fixamente e disse, com muita calma:

—-Você vai me dizer em que quarto ele está. Agora.

O homem não retrucou, hesitou ou sequer piscou ao dar a informação que ela “pediu”. Baixei a cabeça, um pouco incomodada com o “método alternativo para conseguir colaboração”, como ela costumava chamar. Para mim, isso era muito próximo da Maldição Imperius, mas Bianca garantia que não usava Maldições Imperdoáveis, e que isso era coisa que os futuros Comensais da Morte faziam.

Não sei como ela não usou isso em Sirius para que ele ajudasse a procurar o colar em vez de trocar o favor por um jantar. Sorrindo com um traço de maldade, ela indicou o caminho para o elevador. Newt e eu continuávamos alguns passos atrás, e eu sentia que ele estava assustado. E como não estaria, sendo que foi a primeira vez em que viu Bianca fazer isso? Por mais macabro que fosse, eu já tinha me acostumado.

Esfreguei o braço dele de leve enquanto subíamos em direção ao andar da suíte de Sirius. Bianca bateu à porta do quarto com urgência, talvez ela não estivesse interessada só em destrocar as bagagens dos meninos.

Sirius

10 de julho de 1978, World Hotel

Abri a porta, reclamando comigo mesmo. Não pedira serviço de quarto ainda, o que poderia ser? Não contive o sorriso ao ver Bianca, Newt e Juliana acenando para mim. Abracei Bianca tão forte que quase a tirei do chão.

—Hey, nem parece que se viram há quarenta minutos – Newt se pronunciou – e nós também estamos aqui, parceiro.

Fiz um high five com ele e beijei o rosto de Juliana. Convidei-os para entrar e perguntei o que os trazia ao meu humilde esconderijo. Com expressão cansada, Newt pediu para ver minha bagagem.

—É claro – passei-lhe minha mala. - Qual é a emergência agora? O que perdi? Acharam o colar?

—Nem sinal dele – disse Juliana, sentando-se na cama.

Newt destrancou o malão e se espantou com o conteúdo.

—NÃO ESTÁ AQUI! - exclamou.

Juliana e Bianca se espantaram.

—O que quer dizer com isso? - questionei. - O que deveria estar ali?

—A sua mala é esta – ele empurrou a mala que carregava para mim -, e se você não está com a minha, ela está por ai. E eu preciso dela de volta.

—Um problema, presumo – ele assentiu, com medo. - O que há lá?

—Vocês não acreditariam – sua voz estava embargada.

—Cara, nós somos bruxos. Usamos vassouras voadoras em um esporte e varinhas na aula – disse Bianca, afagando-lhe as costas. - Seja um bom amigo e nos deixe ajudar.