“Isso aqui não é atalho coisa nenhuma! Que palhaçada é essa?” Niko olhou em volta e se deu conta do local onde estava. Aquilo era tudo, menos uma passagem que levasse à algum lugar. Ele tentou sair dali. Mas Félix foi mais rápido, se colocando entre ele e a porta, e passou o trinco “Eu te trouxe aqui pra chorar. Pode chorar, se quiser. Ou se acalma. Mas você não vai sair assim.”

Em um rompante ele tentou se desviar de Félix e chegar até a saída, insistia para alcançar a porta “Me deixa... me deixa ir embora!”

Félix o impedia “Quer que as fofoqueiras desse hospital te vejam? Depois contam pra aquela fura-olho. Vai dar esse gostinho a ela? Alías, quer que a Amarilys te veja assim?”

“Amarilys nem tá aqui. Ela tá em casa cuidadando do bebê. Sai Félix, me deixa!”

“Ela estava lá em baixo agora há pouco. Conversei com ela, conversei até com o bebezinho...”

Foi só Félix mencionar que tinha visto a criança e Niko se aquietou. “Você viu o Fabrício? Como ele estava? Porque estava no hospital?”

Félix disse que Amarilys esteve lá mais cedo, fazendo apenas exames de rotina, e o bebê estava ótimo.

“O menino é um fofo. Difícil acreditar que é filho daqueles dois” E então voltou a insistir para que ele contasse porque chorava tanto.

“Por que voce quer saber?”

“Não quer contar? Tá bom, nem precisa. Eu aposto que você veio conversar com aquela lacraia. Nem foi na advogada como eu recomendei. E está chorando porque a máscara do Eron caiu, você finalmente viu quem ele é.”

As lágrimas voltaram a descer no rosto de Niko “Você tem razão Félix.”

“Claro que tenho, tenho sempre!” Félix riu, vangloriando-se como de hábito, embora estivesse um pouco sem jeito. Nunca soube lidar muito bem com pessoas nessas horas.

Niko continuava chorando e falou entre soluços “eu sou mesmo uma bicha burra.”

“Não... espera... não é bem assim”

“Sou sim...” .

Félix ficou sem graça e sem saber o que dizer. Lembrou-se do que aconteceu mais cedo. Das brincadeiras que fizeram com ele, de como se sentiu mal sendo humilhado por simone e do que Lutero falou sobre as palavras que machucam. Refletiu sobre tudo que disse na noite anterior para Niko, que continuava:

“Sou uma bicha burra. sim. Levei minha suposta melhor amiga pra dentro de casa e ela roubou meu companheiro.”

“Aculpa não foi sua...”

“Me enganaram por mais de nove meses, deixaram eu acreditar que o filho era meu e do Eron enquanto eles tinham transado debaixo do meu nariz”

“Isso não faz de você uma bicha burra... eles que são uns traíras”

“Sou sim, bicha burra e gorda, voce tem razão.”

Niko chorava enquanto Félix pegou no rosto dele com as duas mãos e, com os polegares, tentou secar aquelas lagrimas, que eram tantas e ele não conseguia.

“Não Niko, dessa vez não tenho... não tenho razão em te chamar assim. Alias, por muitas vezes eu não tive razão na vida... admito...“ E embora acreditasse que não tivesse capacidade de lidar com gente que chora, fez o que era mais sensato no momento: conseguiu abraçar o loirinho e tentou confortá-lo “shhh... calma, Carneirinho...”

Niko chorava tanto que Félix assustou-se. “Aconteceu algo mais, não foi? Você não esta chorando assim por causa do dinheiro da casa... não me diga que está chorando pelo Eron!?”

“Fabrício...”

“O bebê, o que tem?”

Niko contou que, na conversa que acabara de ter com Eron, o advogado lhe disse que ele devia manter distância do bebê, pois Amarilys não o queria por perto. Eron declarou que se Niko não fizesse isso, ele iria tomar medidas legais. O ameaçou com uma Ordem de Restrição, uma medida judicial que impediria Niko de chegar perto do bebê e poderia ser preso se insistisse.

“Eles não vão nem deixar eu entregar as coisinhas que comprei como presente de Natal.”

“Que lacraia venenosa! Você deu uns tabefes nele? Você me disse que sabe lutar...”

Eron havia alertado a segurança do hospital quando Niko ficou nervoso. Ameaçou expulsá-lo à força se ele não fosse embora. Niko saiu antes que os seguranças chegassem. Por isso estava chorando no corredor quando Félix o encontrou.

“Tá doendo, sabe? Essa atitude do Eron, esse afastamento do bebê...”

Félix sentiu-se triste pela pessoa que estava ali em seus braços. Não era problema dele, mas mesmo assim mexeu com ele. O homem que foi capaz de abandonar uma criança em uma caçamba de lixo, sentia a dor de outro homem que chorava por terem lhe tirado o filho. Ele não sabia o que dizer, apenas deixou que seu corpo falasse por si. Continuava abraçando Niko, abraçou com mais força e o embalou por alguns minutos enquanto ele chorava.

Quando o choro diminuiu e o abraço foi partido, Félix enxugou o rosto dele com as mãos “eu sinto muito, Carneirinho, sinto mesmo. Eu imagino o quanto deve ser horrível ser abandonado...”

“Nem é isso... hoje ficou bem claro que eu já superei o Eron. O que me dói é a falta desse bebê que eu sinto como sendo meu filho... e eles tiraram de mim.”

Aquelas palavras cortaram Félix por dentro. Ele já tirou uma criança de outra pessoa, da sua própria irmã. E, ultimamente, ele andava pensando muito nisso. Naquele momento, ali com Niko, ele pode ver o quanto era grande a dor de alguém que havia sido afastado do filho.

Félix sentiu uma enorme vontade de ajudá-lo, fosse como fosse. Mas ele ainda não sabia como. A única coisa que ele imaginou, naquele momento, foi quase que instintivo. Félix o beijou.

Niko correspondeu ao beijo, e este ficava cada vez mais intenso. Não demorou muito e aquilo não era apenas um beijo, era um corpo roçando no outro e desejando o outro. Félix passou a beijá-lo no pescoço, e conforme ficava cada vez mais excitado chupou e mordeu o pescoço do loirinho, deixando ali uma marca.

De repente Niko o afastou “para Félix. para... para!”

“O que foi?”

“Não dá, não quero... depois de tudo que aconteceu ontem, depois de tudo que você falou...”

“Foi só brincadeira... não entendo porque você se chateou...”

Niko abanou a cabeça em sinal negativo e se virou na direção da porta. Porém não saiu, porque antes que pudesse destrancá-la, Félix veio por trás dele, segurou ele pelo braço gentilmente e falou junto ao seu rosto “Desculpe. Me desculpe por tudo que eu disse ontem... eu juro que não tive a intenção de magoar você.”

Niko virou-se pra encará-lo mas em silêncio.

Félix continuou falando. “Mas eu magoei... não foi?”

Niko fez que sim com a cabeça.

“Eu tenho esse jeito de dizer coisas sem pensar... de não perder a piada... Eu às vezes nem sei porque digo certas coisas... ou sei... mas digo mesmo assim... enfim.... desculpe. ”

“Você me chamou de bicha burra...”

“Não é burrice. Você é só ingênuo...” fez um carinho no rosto do loirinho.

“Me chamou de bicha gorda...”

“Você está bem nesse corpinho” aproximou-se e o abraçou pela cintura.

“Vai ver você tem razão, o Eron me deixou por isso...”

“Não diga bobagens, Niko.”

“Talvez eu precise mesmo malhar pra que alguem goste de mim.”

“Shhh” Félix tocou os lábios dele com um dedo, fazendo com que se calasse, e disse quase encostando em seu rosto “Você é gostoso. Se Félix Khoury diz que você é, você é. Pronto falei.”

Não foi preciso falar mais nada. Não demorou muito, um estava abrindo a calça do outro após trocarem um beijo longo e quente.

Félix foi mais rápido, porque Niko não usava cinto. Ajoelhou-se enquanto puxava para baixo a calça do loiro juntamente com a boxer. Mas nem teve tempo de começar o que queria fazer. Escutou um barulho no trinco da porta. Alguém lá fora tentava entrar no depósito e forçava a maçaneta.

Os dois começaram a recolocar a roupa enquanto escutavam pessoas falando.

“Alguém tem a chave daqui?”

“Está fechado?”

“Trancado! Mas não devia.”

“Que estranho... essa porta vive aberta, doutor” Uma enfermeira aproximou-se com a chave na mão.

“Me dá isso, deixa que eu abro.”

Foi só o tempo suficiente para que se aprumassem, ajeitassem o cabelo, recolocassem a roupa e lá estava, abrindo a porta, o médico cururgião Jaques Sampaio. Atrás dele, duas enfermeiras olhavam curiosas. Imediatamente reconheceram o ex diretor do hospital surgindo lá de dentro.

“Olá Jaques, como vai? Com licença” frio como um pinguim e elegante como uma gazela, Félix deixou o depósito e caminhou pelo corredor até o elevador. Atrás dele ia Niko, envergonhado, pedindo desculpas. O elevador chegou, a porta abriu e Félix entrou puxando o loirinho pela mão.

Enquanto desciam eles se olharam e cairam na gargalhada. Relaxaram. Como há poucos dias, dentro de outro elevador, novamente para ambos a sensação era de descontração. Quando estavam assim juntos e rindo, os problemas ficavam distantes, pareciam menores.

Quando chegaram no térreo, Niko disse que voltaria para o restaurante. Félix sugeriu que ele não fosse ainda, tinha o rosto um pouco inchado e os olhos vermelhos por causa do choro “Deixa eu te oferecer um café agora?” Félix o convidou para ir até a lanchonete, conversar por um tempo, até que Niko estivesse realmente bem para retornar ao trabalho.

“Conversar sobre o que?”

“Vamos falar de Peru.”

“Tá maluco, Félix? Falar disso aqui... agora?”

“Vem, criatura! Deixa eu te contar como foi quando vi o Peru pela primeira vez.”

“Você vai me contar como perdeu a virgindade?”

“Seu bobo... falo do Peru, o país. Você cai em todas Carneirinho”.

Logo estavam animadamente conversando entre um café e alguns pães de queijo.

Félix fez o loirinho rir como nunca, contando episódios que viveu no país andino com a família, anos atrás. Algumas histórias ele até mudava um pouco, ou exagerava para que ficassem mais engraçadas. Outras eram a mais pura verdade. “Minha ex queria que eu comprasse um poncho. Pensa Niko, eu vestido com um poncho. Ia ficar parecendo um abajur!” e Niko ria descontroladamente.

Por mais de uma hora ficaram conversando. Então trocaram números de telefone e o loirinho anunciou que precisava voltar ao restaurante e fez um convite “Vem jantar comigo? Preparo um combinado enorme pra gente.”

“Não sei, Niko... creio que o Lutero vai me deixar esperando aqui até o apocalipse. Para se vingar de quando eu o deixava esperando no passado...”

“Passa lá mais tarde, então. Quando você puder... quiser...”

“Niko, você com essa cara me chamando pra jantar... você quer é terminar o que começamos lá em cima no depósito, confessa.”

Niko concordou com um sorriso tímido. Félix riu com vontade. Não perceberam que, de longe, Paloma os observava já há algum tempo. Ela ficou surpresa de ver que o irmão e o amigo se davam tão bem e pareciam íntimos. Aproximou-se deles quando Niko já ensaiava levantar para ir embora.

Cumprimentaram-se e conversaram brevemente até Paloma insinuar que havia algo além de amizade entre eles. “Somos só amigos!” os dois responderam juntos.

“Pois pra mim é uma surpresa, ver vocês dois assim. Achei que vocês só se conhecessem de vista e nem se davam” Lembrando que o amigo estava solteiro e sozinho, e sabendo que a família dele morava longe, Paloma perguntou onde Niko passaria o Natal e o convidou para que fosse ceiar na mansão dos Khoury.

Niko agradeceu mas disse que preferia ficar em sua casa mesmo, ia trabalhar até tarde.

“O restaurante vai funcionar na hora da ceia de Natal? Não acredito, Niko.”

“Vai sim...”

“Vem ceiar conosco, é muito triste passar o Natal sozinho!” Paloma insistia.

“Melhor ele não ir mesmo, Papi ia fazer picadinho de Carneirinho com o Niko”

“Que exagero Félix, nosso pai jamais trataria mal um convidado.”

Félix revirou os olhos, ele tinha certeza que Paloma estava errada.

Niko agradeceu mais uma vez e tornou a recusar o convite “vou passar horas ligando pros meus pais e irmãs... nem vou sentir falta de ceia...”

Então depediram-se. Niko se foi, caminhando em direção à saída. Foi observado por Félix, que era observado por Paloma. Ela tinha certeza que nunca viu o irmão olhar assim para ninguém.

Logo Félix percebeu que era alvo das atenções da irmã. Disfarçou, mas antes que ele conseguisse mudar de assunto, ela opinou “Eu acho que vocês fariam um belo casal”.

“Minha irmãzinha, você perdeu alguma coisa? Não. Pois então não ache.”

Paloma insistiu e perguntou porque o irmão estava solteiro e sozinho. Ela lembrou que Félix não tinha mais que se preocupar com a opinião do pai, já que ele agora tinha feito a própria vida independente da família.

“Porque não dar uma chance ao amor, meu irmão?”

“Amor? Criatura eu tenho coisas muito mais importantes com o que lidar agora na minha vida!”

Após insistir por mil vezes que ele e Niko eram apenas amigos, que ele não queria compromisso com ninguém e que estava muito bem sozinho, Félix conseguiu mudar de assunto “Desde que cheguei todos falam que Papi não está no hospital hoje. Não que me interessa saber... mas...”

“Ele foi a um congresso, no Guarujá.”

“Congresso? Tá bom... se bem que não me interessa... mas enfim.”

“Papai trabalha muito e ainda arranja tempo pra esses compromissos. Semana passada foi até um seminário em Campinas. Ficou dois dias fora. Quando voltou estava cheio de consultas atrasadas.”

“Aposto que chega tarde em casa e Mamy fica lá... esperando por ele... triste... sozinha... Bem faço eu que não espero por ninguém.”

Depois de conversar mais um pouco com o irmão, Paloma finalmente decidiu voltar ao trabalho, deixando-o na lanchonete. Sozinho, os minutos e as horas demoravam a passar. Sem nada o que fazer, não tinha paciência nenhuma. Até a conversa com Paloma lhe pareceu mais interessante do que ficar à toa.

Em determinado momento, já cansado de ficar ali, entre a lanchonete e o saguão, ele foi caminhar na parte externa. Ficou um bom tempo observando o hospital que foi parte da sua vida desde que ele era criança até um ano atrás “San Magno... eu quis tanto ter você só pra mim... e agora... agora tenho aquela papelada lá, esperando o Lutero para analisar. Por falar nisso, porque aquele ancião ainda não me chamou?” Félix se deu conta que a noite já caía. Ele estava esperando por horas. Pegou o celular para ver se havia alguma ligação perdida e nada. Ninguém o havia chamado até então.

Ele desistiu de esperar de novo e foi por sua conta até a sala de Lutero. Descobriu que o médico lá estava e sem nenhum paciente para atender. A secretária o deixou entrar.

“Lutero! Essa é a prova que faltava de que você está mesmo gagá. Esqueceu de mim!?”

“Félix, eu disse que ia te ajudar em nome da amizade que tive com seu avô, mas se for pra falar desse jeito comigo, pode pegar tudo que você trouxe e ir embora.”

“Desculpe... desculpe Lutero, mas é que estou esperando há muito tempo!”

“Eu sei. Eu quis te deixar esperando de propósito.”

Félix não disse nada, abaixou a cabeça e perguntou se podia sentar. Ele entendeu que, se quisesse obter um favor de alguem, precisava ser mais gentil e menos sarcástico.

Lutero mandou que ele sentasse, não sem antes dizer que brincava “É brincadeirinha Félix, como você mesmo diz. Na verdade eu estive muito ocupado até agora há pouco. Seu pai foi ver um amigo, que está internado num hospital lá perto de onde vocês tem uma casa na praia, e só volta amanhã”

“Ver um amigo internado? Ele não foi até um congresso?”

“Não... Ele mesmo me disse que ia ver um amigo, a família confia muito no seu pai como médico.”

Félix achou aquilo estranho. Paloma lhe havia contado outra história. Mas antes que tentasse entender melhor sobre a ida do pai até outra cidade, Lutero perguntou o que ele queria. Naquele momento ele tinha algo mais importante em que colocar sua atenção.

“Já viu o que tem naqueles envelopes?”

“Não. Estava esperando você.”

“Lutero, antes de mais nada, eu quero pedir que isso fique aqui entre nós. Me prometa que não vai falar nada com ninguém, principalmente com meu pai.”

“Eu prometo, Félix. Como eu já disse, decidi te ouvir e ajudar se puder, e farei isso não somente pelo seu avô, que foi um grande amigo, quase sócio, tenho 5% das ações desse hospital. Mas vou fazer isso também pela sua avó”

“Vovó? O que ela tem com isso?”

“Digamos que eu e ela estamos namorando” sorriu com satisfação.

“O que? Mas... mas como? Como que... na idade de vocês... Lutero, você e minha avó fazem o que, jogam bingo, comem mingau e dormem?” riu pela primeira vez desde que entrou naquela sala.

Mas Lutero não achou graça nenhuma. Lembrou a Félix que o estava ajudando, então não queria ouvir gracinhas.

Félix desculpou-se de novo, jurou que não diria mais nem uma piada sequer e prosseguiu, abrindo um por um dos envelopes que havia trazido consigo, espalhando uma quantidade consideravel de papel pela mesa.

Ele deixou o médico saber de todos os detalhes, o que ele mesmo sabia e o que não sabia sobre aquilo e, o mais importante, o que queria e precisava saber. Lutero fez muitas perguntas, Félix foi sincero e deu todas as respostas que podia.

A conversa durou horas. Já passava das nove da noite quando finalmente encerrou. Os dois ainda permaneceram em silêncio por um tempo, cada qual com seus pensamentos sobre o que acabaram de conversar, até Lutero concluir levantando-se.

“Então é isso, Félix. Agora creio que você entendeu tudo.”

“Eu já havia entendido, eu só queria acreditar.”

“Eu sinto muito.”

Félix permaneceu em silêncio, olhando para o nada.

Lutero ofereceu mais ajuda “Vou investigar melhor sobre o assunto. Me procure de novo, na semana que vem, após o Natal. Quem sabe eu tenha alguma novidade.” Lutero pediu que fosse deixado com ele todo aquele material.

Félix concordou e insistiu, mais uma vez, que Lutero não mostrasse nem comentasse com ninguém. Ele agradeceu e se despediu. Já estava no corredor mas retornou.

“Lutero.”

“Sim, Félix.”

“Trate bem a minha avó!” forçou um sorriso.

Lutero abanou a cabeça em sinal afirmativo, sorrindo também, mas com ar de preocupação.

Félix se foi.

Caminhando lentamente, ele fez o percurso até o elevador, desceu e atravessou o saguão em direção à saída. Quando passou pela recepção, nem ouviu o “boa noite doutor Félix!” que as recepcionistas disseram em coro. Lá ia ele desabotoando o colarinho, com o olhar perdido, ombros curvados como se carregasse um enorme peso sobre si. Não exibia nenhuma reação à nada e caminhava alheio ao que se passava em volta.

Ao atingir a rua, parou. Respirou fundo e só aí pareceu se dar conta de onde estava. “Pra onde vou agora?” A primeira coisa que lhe veio à cabeça foi o shopping, que fica ali perto. Endereço da boutique da ex mulher e do restaurante do seu mais recente, e único, amigo. Ele foi até lá, caminhando da mesma maneira. Era quase como se fosse levado, pois tinha a sensação, às vezes, de que não sentia as próprias pernas.

Finalmente chegou na frente do restaurante japonês, onde permaneceu do lado de fora, observando o interior. Lá estava o loirinho trabalhando, como sempre, com um sorriso faceiro no rosto e olhos iluminados. “Nem parece que está triste”, Félix lembrou-se quando, mais cedo, dentro daquele depósito, sentiu a dor de Niko por ter sido afastado da criança que tinha como filho. Pensou na irmã, que certamente havia sofrido da mesma maneira por ele ter feito o que fez com a sobrinha. “Eu devo ser mesmo um monstro. E isso explicaria porque meu pai nunca gostou de mim.”

Ele continuava observando Niko e pensava em como aquele rapaz era bom, doce e gentil. “Eu podia ser assim... talvez. Talvez eu pudesse não ter feito tanta coisa errada...” mas a questão é que ele fez e ultimamente ele pensava muito nisso. Daí um outro pensamento lhe ocorreu “talvez eu mereça tudo pelo que estou passando” sentiu uma forte angústia, abaixou a cabeça, lembrou-se do passado, agoniou-se com o presente, imaginou um terrível futuro e já nem lembrava mais onde estava ou o que estava fazendo ali. Não percebeu que Niko já havia notado a sua presença e ia em sua direção.

“Oi, Félix! Vem, entra logo!” Niko o segurou pelo braço, puxando-o para dentro do restaurante, e o conduziu até o interior de um pequeno cômodo, que servia como depósito, vestiário e escritório daquele estabelecimento. O loirinho trancou a porta atras deles, depois que entraram, e anunciou: “Eu vou preparar um jantar maravilhoso pra nós, mas antes te trouxe aqui... pra você conhecer” tímido mas cheio de segundas intenções, o loirinho enrubesceu “não vai pensando que sou um tarado...” soltou uma risada tímida “é só pra você ver que aqui também tem um depósito, olha só...”

Félix o interrompeu “Me beija...” puxou ele pela camisa até que ficassem com os corpos colados “...me beija, Carneirinho, me morde, me chupa... faz qualquer coisa comigo!”

Niko poderia até ter sido pego de surpresa, não fosse o fato de que ele já esperava que Félix tivesse ido ali para terminar o que começaram no hospital naquela tarde. O loirinho não escondeu que ansiava por isso, então o beijou na boca de maneira ardente e, sem que Félix dissesse mais nada, o beijou no pescoço, no peito, pois abriu alguns botões da blusa dele, ajoelhou-se e abriu-lhe o cinto, a calça, até que, lá de baixo, olhou para Félix, esperando encontrar um sorriso malicioso, um olhar lascivo...

Entretanto, o que ele viu lhe causou enorme surpresa.

“Félix... o que... o que foi? Você está chorando!?”

Com as duas mãos, Félix forçou a cabeça do loirinho para baixo, evitando que ele olhasse em seu rosto, pois sim, ele chorava embora negasse “Não... não estou. Não para, Niko... vai, continua...”

Niko desvencilhou-se daquelas mãos, ficou de pé e o encarou “Você está chorando sim” tentou pegar o rosto dele com as mãos “Félix...”
O moreno não deixou, afastou-se e rapidamente começou a fechar a roupa.

Niko percebeu que ele não estava bem “o que aconteceu?”

“Preciso ir.”

“Eu fiz algo errado?”

“Você não fez nada...” procurou rapidamente pela porta girou o trinco, segurou a maçaneta mas Niko não deixou que ele saísse.

“Espera, Félix! O que foi? Não sai assim... me conta, aconteceu alguma coisa no hospital?”

As lágrimas rolavam pelo rosto de Félix e ele começava a ficar nervoso “Me deixa ir embora.”

“Conversa comigo...”

“Eu preciso ir, estou bem, tá?”

“Claro que não está! Por favor, Félix, deixa eu te ajudar, sou seu amigo e...”

Félix não conseguia ouvir mais nada, puxou a maçaneta com força “Niko solta essa porta!”

Niko não tentou mais mantê-lo ali. Afastou-se, a porta se abriu e ele se foi.

Num piscar de olhos, Félix já estava lá fora do restaurante e desapareceu, deixando para trás um Carneirinho angustiado e preocupado.

Félix saiu do shopping, ganhou a rua e começou a caminhar, respirando fundo. Tentava pegar um táxi mas não conseguia. Dali até o hotel não era longe, mas a chuva fina que caía o incomodava. Como não havia o que fazer, continuou andando, e ia concentrado no caminho, na calçada molhada, evitando as poças de água que começavam a se formar, desviando das pessoas, do lixo... assim não pensava em muita coisa. Dessa forma acalmou-se e já não chorava mais. Quando deu por si, estava próximo ao bar onde reencontrou Niko dias atras. Ele tinha a roupa e os cabelos um pouco molhados por causa da garoa, então entrou.

Entrou também pensando no que encontraria ali. Foi direto ao bar, pediu uma dose de whisky e logo sentiu o celular vibrando. Olhou o aparelho e viu que era Niko que chamava, mas ele não atendeu. Imaginou que Niko ia novamente perguntar o que ele tinha, porque chorava e saiu daquela maneira. Não saberia o que dizer, não queria conversar. Na sua cabeça ninguém estava disposto a ouvir seus problemas, nem aturar seu mal humor, então enfiou o celular no bolso e foi circular por entre os homens que já lotavam o local. Achou uma mesa vazia e sentou-se.

Não demorou muito, um rapaz, que não devia ter mais de 25 anos, aproximou-se. Era moreno claro, tinha barba e cabelos bem cortados. Usava uma calça jeans e camiseta de malha branca justa evidenciando o peitoral bem trabalhado. A manga curta deixava os braços musculosos à mostra. Além de tudo isso, era também dono de uma voz grossa e máscula.

“Quer companhia?”

Félix o observou de cima a baixo e concordou, acenando com a cabeça.

O rapaz sentou-se e, em menos de um minuto, se apresentou, disse de onde era, no que trabalhava, em que bairro morava... até ser interrompido.

“Você veio aqui para conversar, criatura?” Félix o encarou sério.

“Eu? Bem... pode ser...” o rapaz percebeu que o moreno sisudo não estava a fim de conversa então foi direto ao ponto “na verdade vim pra outra coisa.”

Nesse exato momento, o celular de Félix vibrou. Ele fez sinal para que o rapaz esperasse ele atender. Era Niko que enviava uma mensagem de texto.

— Se quiser conversar, estou aqui. Se não quiser eu entendo. Só quero saber se você está bem.

Enquanto Félix olhava fixo o celular, o rapaz, que não estava com muita vontade de esperar, arriscou “Quer ir lá pra trás?”.

Lá pra trás, ele disse. À primeira vista, aquele era um bar com uma pequena pista de dança. Mas após cruzar um corredor na direção dos fundos, chegava-se em um outro ambiente, conhecido por alguns como “quarto escuro”, outros chamavam de “matadouro”. Era uma espécie de sala com quase nenhuma luz, de onde se ouvia abafado o mesmo som que tocava no bar e onde não havia mesas mas sim alguns sofás. Ninguém ia até lá para dançar e muito menos para conversar. Ia-se lá para fazer outras coisas, inclusive sexo.

Félix não pensou duas vezes. Naquele momento, com a cabeça cheia de problemas, entre lidar com algo que o amedrontava e uma coisa que lhe proporcionaria um prazer sem compromissos, ele agiu por impulso. Respondeu a mensagem de texto do Carneirinho:

— Estou ótimo!

E desligou o celular.

Então levantou-se da mesa e sinalizou para rapaz acompanha-lo.

Félix começou a caminhar em direção ao Dark Room. O rapaz o seguia. No caminho, um outro colocou-se em sua frente e perguntou se podia se juntar à eles. Os dois concordaram. Foram os três.

Quando chegaram, os rapazes procuraram um local nos sofás. Estavam todos cheios. Félix não esperou. Pegou um deles pela camisa, empurrou contra a parede e começou a beija-lo. O outro acompanhou, se metendo no meio dos dois, e os três, em pé, trocavam beijos quentes e exploravam tudo que podiam, no corpo do outro, com mãos atrevidas.

Um deles agachou-se para acariciar Félix abaixo da cintura. O que ficou de pé o beijava no pescoço e acariciava seu peito. Um terceiro homem surgiu, pegou a mão direita de Félix e conduziu até o interior do seu jeans. Eram quatro homens trocando carícias, beijos, lambidas e toques.

Quando o rapaz que estava agachado abriu seu zíper, Félix fechou os olhos e entregou-se. Se deixou levar pelo prazer acreditando que aquele seria o melhor remédio para amenizar seus males e angústias.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.