Passava da uma da manhã e ali estava ele, caminhando até seu apartamento em uma noite fria de São Paulo. Tinha concordado em ficar para a festa de aniversário do gerente de seu restaurante, após o expediente, mediante a insistência dos funcionários “o senhor precisa se distrair” repetiam “vai ser divertido”. Sendo assim, ele ficou até mais tarde. Ele precisava mesmo se distrair mas, agora, depois da festa e de umas tantas cervejas, estava cansado e com frio, caminhando até onde morava. “Eu devia ter chamado um taxi” arrependeu-se “mas um bom exercício vai me fazer bem” continuou caminhando convencendo-se de que era uma boa ideia. E até que era, não fosse a chuva fina que começava a cair. Ele apertou o passo, mas a chuva apertou também. Espirrou. Estava encharcado quando virou a esquina, na rua em que morava, e avistou um bar, aberto. Lá dentro parecia seco, quente e confortável. Espirrou de novo, então entrou. Ele conhecia aquela vizinhança. Afinal não estava longe do seu prédio. Embora nunca houvesse entrado naquele bar, sabia que era um bar gay. Entrou esperando encontrar diferentes homens, música, luzes... talvez fosse cantado, paquerado, quem sabe alguem o chamasse para dançar “estou tão cansado, mas até que eu dançaria com alguém que valesse a pena” entretanto, o lugar estava totalmente vazio e escuro. A música era suave e lenta, dessas de se dançar colado, ou de se curtir uma fossa, mas ninguém dançava. “Eu não queria mesmo” pensou, mas decepcionou-se mesmo assim.

Olhou ao redor e percebeu que apenas três mesas estavam ocupadas, duas por casais que se agarravam e se beijavam sem nenhum pudor e, em uma outra, no canto mais escuro, havia um homem, de cabeça baixa entre as mãos, parecia hipnotizado pelo copo de bebida vazio à sua frente.

Espirrou de novo, um espirro forte, alto, não conseguiu segurar. O homem mexeu-se e olhou em sua direção, o que o deixou sem graça, então ele foi correndo até o balcão e sentou-se. Fez um pedido ao barman, concentrou-se na própria bebida, sorvendo em pequenos goles, e ficou ali pensando na vida.

Um ano atrás ele celebrava a gravidez de sua melhor amiga, que serviria de barriga solidária para ele e seu companheiro. Hoje tudo aquilo havia ficado no passado. O sonho de ter uma familia, estava agora longe de ser realizado. O companheiro, a casa e o bebê que ele tanto esperou e amou, haviam sido tirados dele, inclusive a criança que ele tentou adotar e não conseguiu. Morava sozinho em um apartamento, após deixar a casa que dividia com o ex companheiro, e tocava os negócios do seu restaurante, vivendo concentrado no trabalho. A tristeza que o tomava, quando pensava no acontecido, era grande e, ao se dar conta de algo que acontecia naquela data não conseguiu evitar a chegada das lágrimas. “Fabrício hoje faz três meses” constatou melancólico. Espirrou mais algumas vezes e ficou ali, secando lágrimas, tomando goles da bebida, pensando no que poderia ter sido sua vida, não tivesse sua ex melhor amiga e seu ex companheiro se apaixonado um pelo outro. Espirrou novamente.

Do nada, e não mais que de repente, sentou-se ao seu lado, falando alto, o homem que estava no escuro quando ele entrou “Alguém traz uma bebida forte para esse rapaz, pelas contas do Rosário!” Abalado pelo susto, sem nada dizer ele apenas encarou o homem alto de cabelos pretos, elegantemente vestido, que continuava falando “criatura, você não para de espirrar, que aflição! Não consigo relaxar com esse atchim, atchim...”

“Desculpe se incomodo” continuou olhando o moreno com atenção. Parecia que já o havia visto antes. Mas a fraca iluminação do ambiente não ajudava. Fazia um esforço para lembrar-se de onde conhecia aquela figura esguia, um tanto petulante, porém simpático. E lindo e cheiroso, isso com certeza.

Aproximando-se mais, o homem continuava falando: “Não é que incomoda... se bem que incomoda... enfim... você precisa de algo forte, um conhaque. Isso, um conhaque. Garçom!” gritou gesticulando para o barman."Traz um conhaque pra ele!"

“Eu já pedi minha bebida, aliás já terminei. Obrigado, não precisa se preocupar.” Finalmente um nome veio à sua lembrança. Achou que o tivesse reconhecido. Não tinha certeza, afinal só o havia visto uma vez sendo que, por alguma razão, ainda lembrava-se bem de quando o conheceu. Mas, pelo que soube, o ex diretor do Hospital San Magno havia mudado para o Rio de Janeiro após uma briga com a família. Seria ele? E, se fosse, o que fazia ali? Uma coisa era certa, o moreno esguio puxava assunto.

“Terminou? Então toma outra. Deixa eu te oferecer uma bebida?” sorriu. Maliciosamente, talvez. Com ar sedutor, com certeza.

Ao invés de aceitar o drink, ele decidiu arriscar. Não havia mal nenhum em perguntar. “Você tem uma irmã chamada Paloma?” mas a simples pergunta pareceu ter caído como uma bomba sobre o estranho. Em uma fração de segundo, o sorriso, antes farto e sincero, esvaiu-se da cara do moreno. Suas feições tornaram-se sombrias, graves. Ele disse, tristemente: “Hoje não é mesmo meu dia de sorte” e moveu-se, levantando dali.

Mas foi impedido. Foi seguro pelo braço. “Você é o Félix, não é? Eu sou o Niko, não lembra de mim? Fomos apresentados...” foi interrompido.

“É... Fomos apresentados sim... pelo Eron. Como eu disse, não é meu dia de sorte.”

“Por que você diz isso? Por um acaso não queria ser reconhecido?”

“Porque eu estava tentando te passar uma cantada. Mas, sendo você quem é... desculpe, não te reconheci no escuro.” Passou o dedo na sobrancelha, olhando-o melhor “você está um pouco diferente”, ajeitou o paletó e concluiu “enfim... melhor eu voltar pro meu canto.” Virou-se e se foi, após gritar em direção ao barman: “Suspende o conhaque e me leva um whisky na mesa.”

Félix retornou até onde sentava previamente, voltando à mesma posição de antes: sentado com a cabeça baixa, segurando-a entre as mãos, olhar perdido.

Sua vida não estava sendo fácil. Ele havia retornado à São Paulo naquele dia, após passar quase um ano no Rio de Janeiro, onde foi morar e trabalhar desde que fora demitido do hospital e expulso de casa pelo pai, o Doutor Cesar. Quando Pilar perdoou o marido, mesmo após flagra-lo com a secretária, seus pais voltaram às boas. Ele nunca se esqueceu do dia em que ouviu a mãe dizer que, entre o filho e seu casamento, não queria perder seu marido. Félix ficou sem o emprego no hospital e o lugar onde morava. Mesmo com a ajuda financeira oferecida pela mãe, Félix se sentiu humilhado. Fora abatido pelo cansaço de tentar e nunca conseguir a aprovação do pai. O casamento com a mulher era uma mentira, sua vida toda uma mentira. A irmã era a preferida do pai, suas tentativas de mudar isso haviam todas sido em vão. Ficou financeiramente arrasado com isso. Não aceitou quando a ex mulher ofereceu dinheiro, preferiu mudar de cidade e viver a vida ao seu jeito. Afastou-se de todos e foi viver uma vida nova longe dali.

A partir do momento que havia desistido de conquistar qualquer coisa do Doutor Khoury, inclusive dinheiro, Félix sentiu-se livre e decidiu viver o que nunca havia vivido, inclusive em relação à sexualidade. E foi o que fez na Cidade Maravilhosa.

Passado pouco menos de um ano, ele retornava à São Paulo. Ainda não sabia quando procuraria a familia e como ia dar a notícia do porque estava voltando. Uma vez que o Natal estava se aproximando, ele achou oportuna a ocasião. E ali estava.

Naquele momento, de volta à mesa, após a tentativa frustrada de conseguir companhia para a noite, ainda de cabeça baixa e pensando na vida, ouviu:

“Psiu! Posso sentar?” Era Niko que trazia o whisky que ele havia pedido em uma das mãos e, na outra, um copo com conhaque.

Félix balançou a cabeça sinalizando que sim. Niko sentou-se, colocou as bebidas na mesa,

“Eu não estou mais com o Eron.” quebrou o gelo. Ele não sabia exatamente porque foi até lá sentar-se com Félix. Provavelmente porque era o irmão da Paloma, sua amiga. Talvez porque fazia tempo não conversava com niguém sobre sua vida e achou que aquela era a oportunidade, aquele não era um total estranho, ao mesmo tempo não era um amigo que conhecia seus problemas. Quem sabe ele queria apenas companhia naquela noite fria e chuvosa, naquele bar vazio onde músicas românticas, porém tristes, não paravam de tocar.

“Nós nos separamos. Ele está com a Amarilys. Eles tiveram um filho... meu filho... digo, filho deles.”

“Isso explica porque você veio até um bar gay à essa hora da noite” Félix sorriu, mas logo enterneceu-se pelo loirinho que sorriu de volta, mas exibindo uma tristeza enorme.

Niko contou como havia ido parar ali e fez um breve resumo de sua vida até aquele dia, desde que foram apresentados por Eron no restaurante. Félix fez o mesmo, explicando as razões que o levaram a passar quase um ano no Rio e omitindo o porque havia voltado.

Uma hora de conversa depois, ouviram trovoadas. A chuva lá fora continuava.

“Será que eu salguei a Santa Ceia para ter que pegar essa chuva toda? Meu hotel é aqui perto, mas mesmo correndo vou chegar la ensopado.”

Depois de perguntar à Félix o nome do hotel onde ele se hospedava, Niko fez um convite: “Olha, o meu apartamento fica no caminho até seu hotel. Não quer ir pra lá? Eu faço um café, a gente conversa mais e quem sabe a chuva passa?”

Félix aceitou sem pestanejar. Os dois correram sob a chuva. Niko até correria mais rápido, não fosse Félix falar o tempo todo que estava morrendo ou com as canelas em chamas. Eles corriam e riam. Na portaria do prédio, se tinha alguma parte seca deles dois terminou de molhar-se. Niko demorou a achar a chave.

“Moro aqui há pouco tempo... não estou acostumado...”

“Sei, Niko... sei...”

Finalmente entraram. No elevador formou-se uma poça de água. Eles apenas riam, como crianças. Aquela aventura havia servido para que se distraíssem dos problemas. Estavam relaxados, felizes até, como não se sentiam há meses.

No corredor outra poça se formou. Pingavam água por toda parte. Niko abriu a porta, fez sinal para Félix entrar, entrou em seguida e virou-se para trancar a porta atrás deles. Não conseguiu nem articular uma frase inteira “Vou pegar uma toa...” foi interrompido quando Félix o puxou pelo braço, o empurrou em direção à parede, forçou seu corpo contra o dele, segurou seu rosto com as duas mãos e colou suas bocas bejando-o voluptuosamente.

Niko quase perdia o fôlego quando o beijo parou. Disse ofegante:

“Félix... o que... o que é isso?”

“É um beijo, por enquanto é só beijo.”

E tornou a beijá-lo empurrando-o contra a parede, pressionando o pênis dele com o seu. O beijou pelo rosto até o ouvido para dizer:

“Você não me chamou aqui pra um café, confessa.”

“Sim... te convidei pra um café sim...” tentou empurrar Félix, que resistiu e moveu sua cintura roçando um mebro no outro.

“Do jeito que seu pau tá duro, você me convidou pro café da manhã” sorriu da maneira mais safada que Niko já havia visto alguém sorrir na vida.

Mas, ainda assim, ele o afastou com os braços. “Você não quer mesmo um café?”

Félix foi sincero:

“Eu quero transar. Você quer?”

Niko parecia reticente. Ali estava ele com o irmão da Paloma, aquele que, um ano antes, havia dado em cima de seu companheiro, assim ele achava. Não gostava de encontros eventuais, não era dado a ficadas nem transas na primeira noite. Entretanto ele havia feito o convite, chamou um homem para seu apartamento no meio da madrugada. Foi quase que instintivo. E agora estava imóvel, sem conseguir ceder ao que seu corpo denunciava.

Diante do silêncio do loirinho, Félix decidiu dar um rumo definitivo no que ia ou não acontecer naquela noite. Ele deixou claro que queria mas, se tivesse interpretado mal as intençoes de Niko, então era melhor ir embora

“Você não quer? Me fala que não, eu vou pro meu hotel e...”

E daí foi Félix o interrompido dessa vez. Niko voou para cima dele. Estava há meses sem sexo, estava excitado, não hava sido beijado daquela maneira fazia muito tempo, inclusive desde quando ainda vivia com o ex companheiro. Então empurrou Félix na parede contrária e o beijou enquanto tirou o paletó e a blusa dele. Sorriu enquanto desafivelou o cinto e abriu a calça do moreno, ajoelhou-se e engoliu aquele sexo duro e pulsante ali mesmo.

Félix costumava dizer que virilidade tem cheiro e Niko confirmava isso agora, estava inebriado com o gosto e o aroma do que tinha em sua boca. Ele abriu a propria calça com uma das mãos e começou a tocar a si mesmo enquanto devorava o sexo do outro.

Depois de um tempo, Félix o fez levantar-se trazendo-o até sua boca para beijja-lo de novo, enquanto tirava a roupa dele.

“Onde é seu quarto? Vamos pra cama.” Implorou com urgência.

Niko o guiou até lá. Atiraram ao chão o que ainda havia das roupas. Agarrados e, aos beijos, aproximaram-se da cama.

“Fica de quatro” Félix pediu. Ele obedeceu prontamente. Preparou-se para ser penetrado mas, para sua surpresa uma língua quente e úmida o invadiu, foi impossível não gemer. Ele era lambido, invadido por aquela língua, quase que literalmente comido. Entregou-se ao que sentia, sem pensar em mais nada. Aquilo era bom demais e ele só queria que não parasse nunca. Em certa altura, o prazer que tomava conta dele o deixou mole, com as pernas bambas, foi impossível manter-se naquela posição. Ele deixou o corpo cair no colchão, colchão que ele já nem sentia mais que havia ali, em sua cabeça aquilo era uma nuvem. Félix o acompanhou, caindo sobre ele, beijando e mordendo suas costas e pescoço. Falava em seu ouvido “Voce gosta assim, não gosta?” Niko apenas concordava. “Você me quer, hein? Fala que me quer, criatura. Fala que me quer dentro de você.” Niko dizia sim pra tudo. Nem percebeu que Félix já tinha colocado um preservativo, só sentiu quando ele começou a penetra-lo devagar. Não demorou muito e Félix fazia isso em ritmo mais rápido. Parando às vezes para aproximar-se do rosto de dele, beija-lo, dizer coisas em seu ouvido que o excitava ainda mais. Félix esbanjava energia, não combinava nada com alguém que, há poucos minutos, reclamava se dizendo morto de cansaço por estar correndo na rua.

Niko estava em êxtase, quase sem ar. Trocaram de posição algumas vezes, continuavam molhados mas agora não mais de chuva, e sim de suor.

Quando Félix o tinha de lado, penetrando-o com rapidez enquanto sugava-lhe o mamilo e masturbava seu sexo, Niko não resistiu mais e gozou gemendo alto. Era como se liberasse uma tensão contida há meses. A traição, a rejeição, o abandono, o golpe e a perda que o magoaram tanto, naquele momento não existiam. Ele teve um orgasmo longo e intenso, seu corpo todo tremia.

Enquanto isso, a seu lado na cama, Félix, que já havia se retirado dele, se masturbava rapidamente até levar à si mesmo ao clímax, contorcendo-se. Em poucos segundos estavam os dois, um de cada lado, buscando o ar, recobrando o fôlego.

Niko demorou mais para voltar à realidade, se pudesse continuaria naquele mundo ao qual foi arremessado por mais tempo. Mas eventualmente abriu os olhos e deu de cara com aquele homem do seu lado, virado na direção dele, observando o seu corpo nu em silêncio por um bom tempo.

“O que foi?” estava curioso com o jeito que Félix olhava pra ele.

“Você parece um Carneirinho” riu.

“Eu?”

“É. Com esse cabelo enrolado... mas também por causa desse seu sorriso, sorriso de quem é muito ingênuo... puro. Eu diria até tonto de tão bobo.” Gargalhou.

“Para... não diz isso... eu não sou assim, não...” corou

Félix o olhou com ternura, esticou o braço em sua direção.

“Vem cá” o puxou de encontrou ao seu peito.

Niko ali repousou. Antes de fechar os olhos, viu o porta retratos na mesinha de cabeceira, onde tinha a foto de Fabrício. Pensou que já era tempo de retirar dali aquela lembrança, de um menino que ele sonhou que pudesse ser seu filho, mas não era. Sentiu vontade de chorar. Abraçou Félix com força.

Félix surpreendeu-se, mas o abraçou de volta.

Ficaram assim alguns minutos.

Quando pareciam adormecidos, Félix começou a rir.

“Do que você tá rindo?” Niko queria saber.

“Estou aqui pensando, como o mundo dá voltas”

“É verdade.”

“Quem diria que eu ia, finalmente, comer o companheiro daquela lacraia.”

“Oi?”