Rio de Janeiro, 1890

Capítulo 1

Coloquei as mãos em meu rosto, ainda deitada em minha cama. Minha noite anterior não havia sido uma das melhores. Meu aniversário de 16 anos estava chegando e meus pais me aguardavam para uma conversa. Eu já sabia exatamente o assunto que iríamos tratar: meu casamento. Eu não me sentia preparada, mas segundo eles, eu estava na idade perfeita. Minha família e eu estávamos em crise, o café adquiriu uma praga e a produção estava muito baixa. Meu pai teve de vender algumas terras, mas infelizmente nosso dinheiro ainda era insuficiente, pois além da alimentação, tínhamos de pagar aos criados – a escravidão havia sido abolida há exatos dois anos -, e ainda tentar investir em negócios. Meus pais acreditavam que se eu me casasse com o filho do Conde, estaríamos salvos, tendo em vista que o Conde possuía um engenho de cana-de-açúcar, que era exportado para a Europa, além das suas propriedades de terra, certamente. Só havia um problema. Eu nunca havia visto o tal filho do Conde. Minha melhor amiga também era a minha criada, Alice. Alice cresceu dentro da casa grande. Sua mãe Josefa sempre foi a cozinheira da casa. Meu pai era abolicionista. Desde muito antes da Lei Áurea, meu pai já pagava aos nossos criados, nunca os maltratou, e por ser radical, mantínhamos nossas ideias abolicionistas em segredo, para que não fôssemos mal vistos por aqueles que eram a favor da escravidão. Ele nunca havia atrasado um pagamento sequer, até agora. Levantei-me e abri as cortinas. O sol brilhou sob a minha cama com bastante intensidade. Escutei os passos de Alice pelo corredor, e em seguida sua batida em minha porta, que eram sempre 3 toques. Toc, toc, toc.

— Pode entrar. – eu disse.

— Katharina, trouxe o seu café da manhã. – Disse Alice.

— Obrigada Alice. – minha tristeza era notável.

— Tenta se animar minha amiga. – ela segurou minhas mãos – Eu sei o quanto deve ser difícil pra vós-me-cê, mas vós-me-cê deve cumprir o seu destino. Salvar a sua família, mudar de vida. O filho do Conde certamente há de te fazer muito feliz.

— Alice eu mal sei o nome dele ainda, e tenho certeza que meus pais querem marcar meu noivado com ele ainda hoje. Eu não estou pronta pra isso. Eu nunca nem beijei ninguém em toda a minha vida. Eu não sei como funciona. – Soltei as mãos de Alice e fui até a janela novamente.

— Tenta comer um pouco. Vai te dar forças pra enfrentar o dia. Eu estou com você minha amiga, irei te apoiar, mas dê uma oportunidade ao tal moço. Vem minha mãe fez seus biscoitos favoritos.

— Alice eu me sinto vendida. Mas não vou contrariar meus pais. Não posso. – Eu a abracei.

— Vai ficar tudo bem. Minha mãe e eu vamos rezar muito por vós-me-cê. Agora abra seu sorriso lindo, tome seu café, que eu vou preparar seu banho e seu vestido. Tá bom?

— Tá bom. Obrigada Alice. Se não fosse você pra me ouvir, nem sei o que seria de mim.

— Não tem o que agradecer. Faço tudo de coração. Não me importo com o pagamento.

— Você vale todo o ouro do mundo Alice.

Ela saiu do quarto. Sentei-me na cama e comecei a tomar meu café. Meus cabelos longos e escuros caíam sobre as minhas costas. Quando terminei de comer, enrolei-os para poder tomar o banho. Tirei a roupa e entrei na banheira bem no meio do quarto. Queria poder ficar o dia inteiro ali. Eu precisava me livrar um pouco da tensão. Tive uma ideia.

— Alice poderia por favor trazer-me uma das garrafas de vinho do meu pai?

— Vós-me-cê quer beber vinho? – Alice riu – Deus me livre, se alguém me pegar?

— Ah não custa nada. Faça isso por mim, por favor, eu imploro. Eu preciso me acalmar.

— Tá bom, mas se alguém me pegar o que digo? – perguntou Alice franzindo a testa e cruzando os braços logo em seguida.

— Diga que fui eu que pedi ora essa. – eu respondi encarando-a esperançosa.

— Tá bom Katharina. Volto logo. Com licença. – Alice se retirou do quarto, deixando-me sozinha novamente.

Não demorou muito até que ela chegasse com uma garrafa. Derramou em uma taça e me entregou. Tomei um gole. Estava forte. Preocupada ela disse:

— Katharina, devagar. A senhorita não poderá encontrar seus pais se ficar bêbada.

— Não se preocupa. Eu estava precisando disso. Obrigada por se arriscar por mim minha amiga.

— Eu faço tudo que puder por vós-me-cê. Mas tenha cuidado. Trouxe também uma garapa para a senhorita beber para tirar o cheiro.

— Garapa doce? De onde veio? – perguntei erguendo as sobrancelhas enquanto tomei outro gole do vinho.

— Eu creio que foi feita com o açúcar do engenho do seu futuro noivo. – ela sorriu.

— Não quero então. – tomei o vinho todo de uma vez só – Não estou interessada no açúcar desse tal moço. – Alice me olhou estranho – Mas darei uma chance a ele, mas que fique bem claro que é pelo bem de todos.

Alice gentilmente ajudou-me a vestir minhas roupas. Depois de alguns minutos penteando meus cabelos, consegui fazer um penteado sem a ajuda dela. Inspirei fundo olhando para o espelho. Passei meu perfume. Levantei o queixo e pensei “Você está crescida. Está na hora de fazer aquilo que é certo”. Saindo do quarto deparei-me no corredor com meu irmão mais velho Patrick.

— Minha irmã, nossos pais estão ansiosos para vê-la. Aguardam-na no escritório. Creio que já deve saber do que se trata.

— Já sim Patrick. – baixei o olhar e ele segurou meu braço enquanto andávamos até o escritório.

— Katharina você está linda. Seu futuro noivo ficará encantado com sua beleza. – disse Patrick muito sorridente.

— Obrigada irmão. Não sei o que esperar de tudo isso. – agarrei seu braço com mais força.

— Espere sempre o melhor. Eu acredito que tudo vai dar certo. Nossa família fará negócios, estaremos salvos, e eu sei que será feliz. Eu sinto minha irmã. – Patrick sorriu sem mostrar os dentes e fechou os olhos. Eu automaticamente repeti o gesto.

Batendo a porta do escritório, minha mãe veio de encontro a mim.

— Bom dia querida, quero apresentá-la a uma pessoa. – Ela esticou o braço para que eu entrasse ainda mais na sala.

Na grande sala estavam meus pais, uma criada servindo o café e um senhor que eu nunca havia visto. Meu pai alegremente disse:

— Katharina filha quero apresentar-lhe ao Conde Antônio, o pai do seu futuro noivo.

Fiquei um pouco sem graça. Não esperava encontrar o Conde esta manhã. Achei que seria uma conversa de família. O conde gentilmente segurou a minha mão e beijou-a dizendo:

— Encantado senhorita Katharina.

Tentei sorrir o máximo possível, mas eu já estava começando a suar.

— É um prazer conhecê-lo senhor Conde. – respondi.

O Conde imediatamente virou-se para meu pai e disse:

— Senhor Eduardo, estamos acertados. Trarei meu filho em sua casa hoje mesmo.

— Conde Antônio, costumamos tomar chá as 4 da tarde. – interrompeu a minha mãe – Faria a gentileza de trazer seu filho para tomar chá conosco?

— Certamente Senhora Elizabeth. – respondeu o Conde – Matheus está ansioso para conhecer a futura noiva. Ficará tão encantado quanto eu.

Matheus. Ao menos agora eu sabia o nome do meu futuro noivo. Eu não queria criar expectativas. Eu tinha plena consciência de que meu casamento estava sendo forçado. E não me restavam outras opções. Eu tinha que aceitar.

— Matheus é um excelente pianista. Com certeza estará preparando uma canção para a senhorita Katharina. – disse o Conde.

— Verdade? – eu sorri – Sinto-me honrada Senhor Conde.

Após ter dito isso, eu já não escutava mais nada. Sabia que continuavam conversando e rindo, e eu tentando repetir os gestos para que não percebessem que eu estava ali, mas meu pensamento estava completamente fora da sala. Tentei acompanhar e gesticular, acho que consegui enganar todos. Menos a ela. Minha mãe. Após o Conde se retirar e garantir que compareceria ao chá da tarde, meu pai disse:

— Elizabeth, deixarei vocês duas a sós, creio que precisam ter um conversa de mãe para filha. Vou até o estábulo com o Patrick para ver como estão os cavalos.

Minha mãe assentiu. Eles se retiraram imediatamente. Mãe encarou-me disse:

— Katharina seja sincera. Como se sente?

— Me sinto péssima mãe. – eu respondi – Eu estou sendo obrigada a me casar com alguém que não amo, que nunca nem vi em toda a minha vida, para que nossa família e os criados não morram de fome.

— Filha não veja as coisas por esse lado. Matheus é um rapaz maravilhoso, repleto de qualidades e tão jovem quanto você. Você vai gostar dele. Eu posso lhe assegurar.

— Mas eu não o amo mãe. – eu respondi e não consegui segurar as lágrimas.

— Não chore querida. – ela disse limpando meu rosto – Não demonstre fraqueza. Sabe eu também não amava o seu pai quando nos casamos.

— O quê? – eu arregalei meus olhos – Como você conseguiu amá-lo?

— O amor nem sempre é a primeira vista querida. Nem a segunda, nem a terceira. O que eu sinto pelo seu pai veio com a convivência. Eu passei a conhecer melhor o seu pai, vi que era um homem bondoso, simplesmente aconteceu. Mas é necessário paciência.

— Ainda não me sinto à vontade com tudo isso. – eu disse.

— Tudo vai melhorar no chá desta tarde, você verá. – ela sorriu – Bem, agora, poderia gentilmente me acompanhar até a cidade? Temos que tirar suas medidas para Madame Louise costurar o vestido. Você será a noiva mais deslumbrante do Rio de Janeiro.

— Posso sim mamãe.

Seguimos para a frente da casa grande onde uma carruagem esperava por nós. Calcei minhas luvas, prendi um chapéu ao meu penteado. Alice entrou na carruagem para ir conosco, e demos início a nossa pequena viagem. Pela janela eu desfrutava de uma linda paisagem verde, com flores coloridas que brotavam do chão e um céu azul sem nuvens. Em contrapartida, via toda a nossa lavoura de café morrendo e cheia de criados tristes e sem esperança de melhorias, com medo de perder o emprego. Baixei o olhar e senti Alice segurando minha mão e sorrindo para mim. Seus olhos quase falavam “vai ficar tudo bem. ” E eu naturalmente sorri de volta, apertando sua mão, grata pela força que ela estava me dando. Aproximadamente meia hora se passou e estávamos chegando a cidade.

— Chegamos senhoritas! – Disse o senhor da carruagem que gentilmente nos ajudou a descer.

Observei o comércio. Fazia tempo que eu não ia a cidade. Minha mãe pegou meu braço e rapidamente me levou até a loja de Madame Louise. Ao chegarmos toquei o sininho.

— Estou indo! – Ouvimos.

Fiquei observando as roupas, e os tecidos absurdamente lindos e delicados. Alice olhava maravilhada.

— Bom dia senhoritas! Senhora Elizabeth, a que devo a honra!

— Bom dia Madame Louise, estamos à procura de algo especial.

— Vamos ver. – disse a Madame – Qual a ocasião?

— Na verdade estamos procurando um vestido de noiva. – Mãe respondeu.

Madame Louise arregalou os olhos, olhou-me e minhas bochechas coraram. Ela era a primeira a saber além da minha família e da família de Matheus.

— Que maravilhoso! Tenho novidades que vieram de Paris. Gostaria de dar uma olhada Senhorita Katharina? Creio que irá agradar-se e muito dos modelos novos.

— Gostaria. – Tentei parecer animada com a ideia, mas no fundo eu estava apavorada, e sem mais alternativas.

Após horas vendo desenhos, Madame Louise tirou todas as minhas medidas para dar início a confecção do vestido. Provei alguns modelos e escolhi tecidos e acessórios. Alice e minha mãe aprovaram tudo. Eu me olhava no espelho, e tentava me convencer ao máximo de que eu estava feliz com tudo que estava acontecendo. Sorri tanto que estava parecendo mais real. Voltando para casa, demos início a refeição. Sentei à mesa e meu pai encheu uma taça de vinho e disse:

— Gostaria de propor um brinde. – Todos se levantaram, inclusive eu. – Um brinde a felicidade da minha filha, e aos negócios.

— A felicidade de minha adorada irmã. – Disse Patrick e brindamos. Eles com vinho, e eu com água. Alice sorria olhando para mim com cara de “Eles nem sonham que a senhorita bebeu quase uma garrafa toda hoje pela manhã”. Sorri ironicamente para ela erguendo a taça e tomei um gole de água.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.