O nome do jovem humano apareceu no caderno da Morte no dia em que ele nasceu. Ao nascer, seu nome imediatamente aparece no livro da Vida, e isso também acontece no livro da Morte. O seu tempo de vida já estava estipulado e, a não ser que alguma fatalidade ocorresse, morreria no dia marcado. A Morte cuidava do seu livro, ele era o seu bem mais precioso e sua única companhia

Se havia algo que deixava a Morte irritada era quando algo não ia de acordo com o que estava escrito. Ela já havia vivido por muitos anos, alguns diziam que era mais antiga que a própria Vida, mas isso não fez dela menos irritadiça. Ah, como a Morte podia se estressar, e nos dias atuais isso acontecia com ainda mais frequência. Os humanos eram seres tão frágeis e fúteis, chegava a ser maçante ter que recolher todas aquelas almas sem valor. E ela ainda tinha que aguentar aquela disputa ridícula entre o céu e o inferno, que corriam para conseguir mais almas e cada vez mais atrapalhavam o seu serviço, mudando a vida das pessoas. Realmente, ela estava cercada por seres odiáveis e entediantes.

Nasceu no dia 18 de Julho de 1993 uma alma com um tempo particularmente curto de vida. Não que a Morte se interessasse por isso, a Vida é quem deveria tomar conta desse ser infeliz até que chegasse a hora.. Mas naquele dia ela estava com raiva. Um demônio havia mexido com uma alma, negociando o tempo de vida dela, e com isso alterando os planos previamente escritos em seu caderno. A Morte odiava demônios e qualquer outro ser infernal que se achasse mais do que deveria, odiava qualquer um que achasse que podia interferir em seu trabalho. Odiava os seres do Inferno assim como odiava os seres do Céu, ambos os lugares estavam cheios de criaturas com o ego maior do que o real valor. Por isso, quando aquele nome apareceu, ela resolveu ver a pobre alma que receberia a sua visita mais cedo do que o de costume.

Ela entrou no hospital sem ser notada. Ninguém podia ver a Morte, mas mesmo assim, por onde quer que ela passasse, as pessoas sentiam um calafrio lhe percorrer a espinha. Ela podia perceber a presença de muitas almas que teria que recolher em breve, mas elas não eram o foco da sua busca naquele momento. Sem pestanejar, a Morte que se apresentava na figura de um homem alto e de expressão séria, se dirigiu para a área da maternidade. Aquele era sem duvidas um dos locais mais calmos de todo o hospital - pelo menos para ela. As almas ali eram jovens, tinham muito tempo de vida e não teriam a visita dela tão cedo. Bem, menos uma.

O homem alto se dirigiu para a criança recém-nascida que tivera o nome acrescentado recentemente ao seu livro. Observou as feições daquele ser tão pequeno. Tinha os cabelos incrivelmente negros que lhe cobriam parcialmente a testa, o nariz se destacava levemente e os lábios poderiam ser considerados grossos para uma criança. Era de algum modo bonito.

A Morte permaneceu observando aquela criança que tinha tão pouco tempo de vida. Nem os pais ou os médicos sabiam ainda, mas aquele pequeno e frágil ser estava doente, e em pouco tempo receberia mais uma visita dela.

”Lee Taemin, nos veremos em breve.” Ele disse baixo para a criança que estava dormindo. Antes de virar-se para ir embora, porém, deparou-se com um velho conhecido

”Por que está aqui? Ainda não está na hora de ele ir.” Vida sempre era muito protetora com os seres humanos. E Só por isso Morte perdoou o tom rude de Vida..

”Ainda não está na hora dele, mas também não irá demorar, e você sabe disso Jonghyun.” Vida estreitou os olhos. Morte era o único que o chamava por aquele nome, e ele odiava isso. Principalmente pelo tom de desprezo adicionado.

”Você nunca sabe, as pessoas são mais fortes do que você imagina.” Vida se aproximou, parando ao lado da criança. ”Ele pode lutar por sua vida, e eu posso ajudá-lo a ganhar mais tempo. Tudo o que está escrito pode ser mudado, e você sabe disso Minho.”

”Não me chame assim, esse nome é tão… Tão humano.” Minho olhou para o homem a sua frente, ele era pequeno, porém não era frágil, parecia como alguém que batalhava para sobreviver; tinha um sorriso fácil, e mesmo naquele momento, enquanto falavam daquela alma infeliz, ele sorria doce ao olhar para a criança fadada a sofrer. Jonghyun gostava dos humanos, tinha um carinho maior por eles do que para com os outros seres vivos. Era tão diferente de Minho, a Morte.

”Você deve superar essa sua aversão aos humanos, estamos há tanto tempo com eles.” A voz da Vida, naquele momento era calma, mas mesmo assim calorosa.

”Passar tanto tempo com eles só fez essa minha aversão aumentar. Eu tenho trabalho a fazer, tente não se meter nas minhas coisas, o fim da vida dele já está marcado.” Ele olhou uma última vez para a criança e deparou-se, dessa vez, com os pequenos olhos abertos, olhando em sua direção. E apesar de saber que não podia ser visto, a Morte sentiu um leve arrepio passar por seu corpo. Era quase como se o humano estivesse reconhecendo-o.

*

Pouco tempo se passou até que um dia a Morte voltou a ver o nome de Taemin. Bem, pouco tempo para a Morte, porque, para o garoto, muito tempo havia se passado; mais tempo do que ele tinha determinado ao nascer.

O tempo passava de forma diferente para os humanos, mas não era como se a Morte vivesse em outra realidade, apenas já havia vivido muito e não se importava mais com o tempo; Não percebia ele passar. Para ela, todos os dias eram iguais, tudo era muito entediante. E, talvez, fosse por isso que ela não percebeu que o dia de recolher havia se passado. Porém, o nome de Taemin voltara a aparecer, fazendo com que se lembrasse, agora com outra data marcada. E, dessa vez, dizia que o menino morreria na semana seguinte.

Curiosa e levemente irritada com a mudança, novamente foi visitar o menino. Não foi uma surpresa encontrá-lo novamente em um hospital.

Taemin estava deitado em um quarto. O lugar estava silencioso. Sua mãe estava deitada em um sofá perto de sua cama e ambos estavam dormindo. Era de madrugada e o hospital estava com pouco movimento.

Minho permaneceu nas sombras, apenas olhando para o menino que parecia ser mais jovem do que a sua real idade, enquanto a Vida permanecia sentada em sua cama, acariciando levemente o seu cabelo.

”Ele é especial.” Jonghyun foi o primeiro a falar. ”Antes que você brigue comigo, quero deixar claro que eu não fiz nada. Ele conseguiu mais tempo de vida por conta própria, lutou tanto por isso.” Ele tinha a voz levemente embargada e sorria enquanto continuava a olhar para a criança que respirava com certa dificuldade em seu sono. Seu rosto mostrava marcas de dor, como as que se pode encontrar em uma mão quando ela perde o filho. Ele tratava o menino como se ele fosse seu filho. Seus olhos não se afastavam da face do garoto, como se quisesse registrar todos os detalhes.

Minho se aproximou e parou ao seu lado e observou aquele ser que ele não via fazia cinco anos. Ele estava magro e tinha círculos escuros em baixo dos olhos, a boca estava branca e rachada. Ele parecia tão frágil e ao mesmo tempo tão forte, já havia sofrido mais do que qualquer criança deveria sofrer. Jonghyun afastou as mãos do cabelo de Taemin, elas tremiam enquanto ele lutava para controlar as suas emoções que tomavam todo o quarto, quase sufocando Minho com a sua intensidade.

”Não leve-o de mim, por favor.” A vida chorava, a voz quebrando em meio ao pedido. ”Ele quer tanto viver e eu quero continuar com ele. Taemin é uma criança tão especial, eu quero passar mais tempo com ele.” Minho colocou uma mão no ombro de Jonghyun, tentando acalmá-lo. Nunca era fácil levar uma alma embora, ainda mais quando Jonghyun se apegava a ela.

”Ele devia ter ido comigo há cinco anos, e você sabe disso. Se o que você diz é verdade, esse menino conseguiu me passar para trás sem a ajuda de ninguém. Ele certamente é especial.” A Morte não gostava de ter os seus planos modificados, mas ela sabia reconhecer quando alguém fazia isso direito.

”Por que você sempre tem que me fazer sofrer? Por que você sempre leva as pessoas de mim? Eu tenho acompanhado esse menino há cinco anos, e no fim você vai apenas levá-lo de mim como faz com todas as minhas almas.” Jonghyun dessa vez olhava para ele, as lágrimas escorrendo por seu rosto enquanto ele buscava a resposta que ambos sabiam não possuir. ”Durante todos esses anos, tudo o que você fez foi me causar dor.”

Minho afastou o olhar daquela visão. Ele era a Morte, ele buscava as almas e tirava-as dos cuidados de Jonghyun sem pensar duas vezes, mas isso não queria dizer que ele era insensível. A Morte e a Vida já estavam há muito tempo juntas para serem indiferentes uma a outra, mas não havia nada que a Morte pudesse fazer para mudar aquela situação. O trabalho era recolher as almas que a Vida cuidava com tanto amor.

”Desculpe-me. ” Ele suspirou. ”Eu devo buscá-lo em uma semana.” E, com isso, Minho partiu, tentando ignorar o fato de que ele também não queria acabar com a vida daquele garoto.

*

A Morte seguiu fazendo o seu trabalho, recolhendo as almas que estavam com o nome em seu caderno, e em nenhuma dessas ocasiões ela se encontrara com a Vida. Parecia que estava sendo evitada. Não era a primeira vez que a Vida se ressentia com o seu trabalho, nem seria a última.

Minho tentou de todas as formas não pensar no jovem humano, mas conforme o dia de ceifar a alma dele chegava, mais difícil essa tarefa se tornava. Ele não conseguia entender o porquê de estar pensando tanto naquela criança, afinal, ele era apenas mais um humano, e, embora ainda jovem, era inútil como todos os outros. Com certeza tornaria-se tão desprezível quanto seus semelhantes. Pelo menos era isso o que ele se obrigava a pensar. Não aceitaria nunca a ideia de que ele, que existia há tantos anos e que já vira coisas inimagináveis, que ceifara os mais famosos e odiosos e puros, que um dia ceifaria a própria Vida, estava interessada em um humano tão insignificante.

Dois dias antes da data marcada foi ao quarto no hospital. Jonghyun não estava lá. Provavelmente sentira a sua presença e decidira evitar mais um confronto. Ele era muito emocional e nunca aprendia que não devia se apegar aos humanos.

Minho passou horas em pé, escondido nas sombras no canto do quarto, observando a criança que respirava com dificuldade na cama de hospital. A mãe estava sentada em uma cadeira e com a cabeça deitada na cama, enquanto a sua mão segurava a de seu filho.

Por mais que não quisesse, podia notar como a alma do menino era pura. Isso não era estranho para uma criança, elas geralmente permaneciam assim por alguns anos após o nascimento, até começarem a serem corrompidas pelo mundo em que viviam. Mas a alma de Taemin era totalmente imaculada, não havia nem mesmo um pingo de ressentimento para com a triste situação que ele vivia para manchar aquela perfeição branca. Há quanto tempo a Morte não via alguém assim? Era incrível como essas pessoas sempre viviam pouco, era como se elas viessem para a Terra apenas para espalhar um pouco da sua pureza para os outros, mas não podiam ficar para que suas almas não fossem corrompidas.

Minho suspirou e passou as mãos pelos cabelos. Por que estava ali? Aquela atitude não tinha explicação, ele deveria ir embora e só voltar novamente para buscar a alma dele. Sim, era isso o que ele iria fazer. Mas antes de ir embora, notou uma pequena mudança na respiração da criança. E, mais uma vez, deparou-se com aqueles olhos.

Sua respiração parou por um segundo, ele não sabia como, mas tinha certeza de que a criança podia vê-lo. Taemin estava olhando diretamente para ele sem nem ao menos piscar.

Minho deu um passo para a frente e seu movimento foi seguido pelos olhos do pequeno. Taemin abriu a boca como se fosse falar algo, mas Minho levou o indicador aos lábios, pedindo para que ele se mantivesse em silêncio. Lentamente se aproximou da cama e se ajoelhou, olhou-o nos olhos e viu; seu reflexo nas íris iluminadas pela luz da lua à janela. Franziu o cenho enquanto analisava o seu rosto. Apesar de Taemin aparentar ser muito frágil, o olhar dele mostrava a quantidade de dor que já havia aguentado. O menino era mais forte que a maioria dos adultos.

Taemin realmente era especial, Jonghyun estava certo.

”Volte a dormir.” Minho sussurrou. ”Eu voltarei para te levar comigo depois de amanhã.” O menino permaneceu com os olhos arregalados mesmo depois de Minho ter se retirado do quarto. Ele sentia em seu íntimo que deveria temer aquele homem, porém, por alguma razão inexplicável, ele não conseguia fazer isso.

Na noite seguinte Minho voltou ao quarto de Taemin. Ficou pouco tempo ali, pois tinha medo de que a criança acordasse e o visse novamente. Apenas queria ver o rosto dele uma última vez antes de ter que levá-lo embora.

*

”Ele me viu.” Minho disse enquanto mantinha os olhos voltados para o mar a sua frente. O sol estava nascendo, lançando os seus raios suaves contra a água, iluminando as ondas como se eles fossem velhos amantes.

”Eu disse que ele era especial.” Jonghyun estava deitado contra a areia e tinha os olhos fechados, sua voz estava incrivelmente triste. Ele sentia que o tempo de Taemin estava acabando.

”Há quanto tempo você sabe disso?”

”Desde que nasceu, Taemin mostrou-se mais… Sensível para as coisas ao seu redor, era quase como se ele pudesse me sentir. ”

”Sentir? Isso significa que Taemin nunca conseguiu te ver?”

”Não, ele só aparenta saber quando eu estou por perto, fica mais calmo… ”

”Mas então… Como ele consegue me enxergar?” Perguntou, surpreso “Você é quem passou todos esses anos com ele! Minha única função é retirar ele do mundo dos vivos, enquanto você é quem dá a vida e o protege!” A Morte estava confusa e nunca se sentira assim antes. O que aquele menino tinha de tão especial para enxergar a Morte?

”Talvez… Talvez Taemin esteja mais próximo de você do que de mim, afinal, ele já te enfrentou antes. E ganhou.” Minho nunca ouvira a voz de Jonghyun tão triste, sem o calor que costumava transmitir

Minho pegou a mão de Jonghyun e apertou-a levemente. Quando ele falou, sua voz foi tão suave quanto a brisa que lhes bagunçava o cabelo. ”Ele ainda é seu.”

Então foi embora.