Desinformação Funcional – Minissérie

Hora da morte:

22:47

Depois que a princesa de Mewni saltou e tirou Marco Diaz do caminho do carro, o impacto dela com o automóvel foi avassalador.

Em seguida, o motorista bêbado perdeu o controle e capotou.

Ele morreu na mesma hora, sem sentir qualquer dor. É muito mais do que pode se dizer da moça, naquele instante.

....

Star estava numa poça do próprio sangue real.

Havia um corte imenso na cabeça e suas pernas estavam dobradas num ângulo em que pernas humanas jamais deveriam dobrar.

Seu namorado correu em disparada, amparando a moça no colo.

Fofuxo guinchava desesperadamente com o cheiro de cobre no ar.

Até os animais reconhecem o cheiro inesquecível de sangue.

A jovem acordou com as lágrimas do rapaz escorrendo em seu rosto.

— Hekapoo.... Por favor, fica acordada....

Hekapoo, por favor....

— .... Hekapoo?....

Tenta de novo, bonitão....

Em meio a tanta dor e mesmo assim, aquele traço de humor era inconfundível.

— Star.... É você?!?!

Você pulou na frente do carro?!

— Claro que pulei....

Tinha que.... Te salvar.... Você é o meu namorado....

Em seguida, ela tossiu ainda mais e começou a desmaiar.

— Eu.... Espero não ter que morrer ruiva....

Com um sorriso no rosto, Star imergiu em trevas profundas.

A última coisa que pode ouvi foram os gritos de Marco.

Não queria deixa-lo, mas estava se sentindo tão cansada.

No fim, acabou se deixando levar.

....

Um mês depois

Ala Real do Castelo de Mewni

Hemorragia cerebral grave.

Duas pernas quebradas, quatro costelas trincadas.

Uma pessoa humana levaria um ano para se recuperar, talvez mais.

Um mewniano, seis meses.

Star Buterfly?

Quase de pé, passadas três semanas.

Nem os médicos mais condecorados podiam explicar.

Atribuíam a muita força de vontade, teimosia e visitas constantes do namorado.

A princesa se recusava a comer sem que o namorado lhe desse na boca – o que não era exatamente necessário, já que ela não tinha fraturado as mãos.

Como já se tornara rotina, Marco sempre aparecia nos cafés, almoço e jantar.

Por isso, foi fácil que a rainha Full Moon o localizasse.

Quando ela atravessou a porta do leito da filha, o rapaz a estava alimentado com sopa de ervilha e alguns pedaços de pão fresco e suco de jasmim.

— Como está se sentindo hoje, amor? – Perguntou a rainha.

— Com vontade de socar uns pôneis! – Respondeu a princesa, completamente cheia de ânimo.

— Nem pensar! – Cortou Marco – Você ouviu o doutor.

Socar animais mágicos, só daqui em duas semanas. Até lá, pode abrir a boquinha....

Servindo a ela uma nova colherada, ele piscou para a namorada.

Ela retribuiu a piscadela encostando sua mão na dele.

Considerando as pernas quebradas, ela parecia mais feliz do que nunca.

— Podemos conversar por um momento, meu rapaz? – Indagou Moon – Tenho algo que preciso tratar com você.

Star e Marco se entreolharam, mas ele atendeu o pedido da rainha e saíram do quarto para conversarem no corredor.

A princesa aproveitou a oportunidade para atacar o pudim, mesmo sem terminar a sopa.

— Os médicos disseram que ela está melhorando rápido.

Rápido até demais. E acho que tenho que lhe agradecer por isso.

— Não é necessário, rainha. A culpa foi minha. Eu sei que....

— Bobagem – Ela interrompeu – Não havia como ter controle da situação.

Ela te protegeu. E agora, você a protege.

Sabe, você foi a melhor coisa que podia ter acontecido para a Star, desde que ela foi para a Terra.

Tenho orgulho de vocês dois.

Ele sorriu e abraçou Moon. Ao seu ver, a mulher era realmente alguém especial e doce.

Uma rainha digna, uma excelente mãe e uma sogra espetacular.

— E é por isso que eu quero que você termine com ela da pior forma possível, pegue suas coisas e vá embora de Mewni. De preferência, essa tarde.

Ficou claro?

....

Estavam esperando o que?

Era óbvio que isso aconteceria.

Cedo ou tarde.

Já te disse milhares de vezes.

Para não se surpreender, pare, sente-se e enxergue o quadro geral.

Prontos?

....

— Desde que ela te conheceu, está feliz.

Mas não melhorou do distúrbio de personalidades.

Pelo contrário, só piorou.

— Mas eu....

— Mesmo depois de eu ter te instruído claramente para que não contasse a ela sobre as personalidades, você me ouviu?

NÃO!

Agora são cinco delas! Quem sabe quantas serão, daqui a um ano?!

Marco sentiu que ia desmoronar.

Durante todo esse tempo, imaginava que, para amar Star, deveria conhecer e aceitar todas as suas personalidades alternativas.

Mas e se tivesse errado?

E se, lá no fundo, estivesse só piorando as coisas?

E se tivesse tornando Star ainda mais doente?

Ainda mais louca?

Embora não tivesse respondido, a mãe da princesa notou o olhar aflito do rapaz, mirando no nada. Ele finalmente havia entendido o que ela estava tentando dizer.

— Quando minha filha te salvou, a personalidade dela verdadeira surgiu, não foi?

E desde então, nenhuma das outras se manifestou.

E isso era verdade.

Desde que Hekapoo dera lugar a Star no acidente, não houveram manifestação de mais nenhuma.

Nenhum ato heroico de Jackie, risada eufórica de Starfan ou mesmo alguma brincadeira maliciosa de Janna.

Só Star.

— Tá querendo me dizer o que?

Que a pancada no cérebro curou o distúrbio de múltiplas personalidades?!

— Pode descrever assim – Disse a rainha – Ou pode chamar de milagre.

Mas o fato é que ela está melhor. De verdade.

Só que ela piora quando está com você. Talvez devamos aproveitar essa oportunidade.

— Quer que eu vá embora para que ela não tenha uma recaída?!

— Exato. Mas não pode voltar.

Não pode deixar que ela te convença do contrário. Seja bruto, se precisar.

Ela tem que encarar a realidade e seguir em frente. Assim como você.

— Não pode me pedir isso, rainha.

Não tem esse direito!

Ela sorriu e colocou as mãos no rosto de até então, genro.

— Não preciso te pedir mais nada.

Posso ver no seu olhar, Marco Diaz.

Você me entendeu. E já decidiu o que fazer, não é?

Ele queria responder o contrário.

Queria. Poderia. Deveria.

Mas não o fez. Porque as palavras de Full Moon eram verdadeiras.

....

Quando a hora do jantar começou no castelo, Star notou o olhar vazio do namorado assim que ele atravessou a porta.

Estava devastado com a ideia fixa e martelante de que talvez fosse tóxico para a princesa.

— O que minha mãe te disse?

— Ela não quer que eu te conte.

— Mas vai me dizer?

— Vou, sim.

Após breves minutos, Marco explicou tudo o que discutira com a rainha.

Vamos pular parte da reação da Star, mas pode ser descrito que ela esbravejou com a opinião da mãe, urrou de raiva e xingou em mais de quatro dialetos diferentes – dois dos quais já estão mortos, inclusive.

— Assim que eu fiar de pé, ela vai ver só!

— Star....

— Eu vou.... Explodir alguma coisa!

— Star....

— Eu acabei de voltar a ser loira, mas vou tingir o cabelo de azul só de raiva!

— Star, para!

Primeiro, você ficaria linda de cabelo azul.... Ela não se irritaria.

E segundo, pode ser que ela tenha razão.

A princesa encarou o namorado e atirou-lhe uma das colheres.

— Melhor retirar o que disse! Vou te amar mesmo que isso te mate!

Lembra o que combinamos.

Sem fugir, sem mentiras, segredos ou camisinhas!

....

Transem sempre de camisinha.

A piada foi mais forte que eu.

....

Marco ignorou a colherada e abraçou Star.

Tentou esconder o rosto nos cabelos loiros dela, mas ela conseguiu sentir a tristeza, as lágrimas e uma pitada de raiva.

— Você devia....

Você devia ter deixado o carro me matar....

Quase que num impulso automático, Star o golpeou no rosto, com força.

Mas ele não reagiu. Continuou esboçando o mesmo olhar perdido.

— Vou pegar minhas coisas e ir embora.

Só se cuida e.... Vê se coça a barriga do fofuxo de vez em quando.

A princesa não respondeu. Só o abraçou com mais força e tentou fazer com que ele não se levantasse. No entanto, o rapaz a forçou de volta para cama.

Desvencilhando-se dela, Marco partiu em direção da porta.

— Para, por favor!

Não me deixa sozinha, aqui!

Você me prometeu!

Para!!!!

— Todo esse tempo.... Eu estava te fazendo mal.

Desculpa, Star. Desculpa.

— NÃO! NÃO SE ATREVA!!!

Contra todas as possibilidades possíveis, ela se jogou da cama e tentou se arrastar até ele.

As bandagens na cabeça começaram a sangrar e parte do gesso das pernas se rachou.

Star podia sentir as costelas trincarem e, mesmo assim, continuou.

O coração de Marco foi na boca e voltou.

Ela estava se matando, só com uma esperança singela de que ele não a abandonasse.

Contudo, o momento foi rapidamente interrompido.

Os enfermeiros estraram efusivos e prontos para recolocarem a princesa de volta na cama.

Enfurecida, ela gritava e tentava se soltar, mas os enfermeiros não permitiram.

Assistindo a tudo, Marco só pensava que um dia – e esperava que fosse em breve – ela o esqueceria.

Deprimido, destruído por dentro e sentindo um lixo humano.

Foi assim que ele partiu. Com raiva de si mesmo, tentava se segurar para não voltar, agarrar a princesa em seus braços e implorar por perdão.

Mas não o fez.

Apenas saiu de Mewni e não voltou.

....

Naquela noite, bem como nas seguintes, ela comeu sozinha seu jantar.

Sem Marco, sem as meninas.

Sem ninguém.

Queria ir até ele. Entretanto, sabia o que ouviria. Apenas uma mensagem disturbada que Full Moon plantara em sua cabeça.

Com a permissão de um dos enfermeiros, fora permitido que Star tivesse a visita de Fofuxo.

O pequeno filhote de cão mutante sentia falta do dono.

— Eu sei, amor – Ela disse enquanto abraçava o cão –Também sinto.

E sempre vou sentir....

Abraçados, eles dormiram juntos, um embalado no choro do outro.

No dia seguinte, repetiu o processo.

E no outro, depois desse.

Seu primeiro pensamento da manhã era o último pensamento da noite.

Não mereço ser infeliz.

Não mereço ser infeliz.

Não mereço....

Mereço?