Desejos

Capítulo 25 - Exagerado


– Essa canção eu quero dedicar pro amor da minha vida. A única dona do meu coração. Eu quero me casar com você, e só aceito um SIM como resposta! Porque eu vou esperar até esse dia chegar.

– Quem é ela? – começaram a perguntar

– Ela é... – pausou. Ficou olhando pra Julie sem piscar. – a garota mais incrível que eu já conheci. – continuou olhando pra ela como se não tivesse mais ninguém ali. – mais intrigante e tem um olhar no qual eu me perderia facilmente.

As pessoas começaram a olhar pra trás.

Julie estava paralisada de medo de que ele falasse seu nome. E também espantada por ele assumir tudo assim publicamente, sem pensar nas conseqüências.

– Fala Daniel!! Vamos!!

– Ela... sabem quem é. - disse, deixando as pessoas ainda mais curiosas - É isso que importa agora.

Sua hipnose acabou com um sacolejo que Anne lhe deu. Ela tomou o microfone da mão dele.

– Gente! Eu pedi pro Daniel anunciar a próxima canção, que eu vou cantar pra vocês agora. Ele se empolgou, não é Dani? – deu um sorriso amarelo - Sempre exagerado esse meu amigo. Quase convenceu vocês hein! Palmas pra ele e sua atuação! – ela puxou as palmas, mas não conseguiu convencer Félix, Bia e principalmente Juliana.

Anne continuou:

– Essa canção fala exatamente sobre amor, pra vocês, Love of My Life.

“Love of my life you’ve hurt me

You’ve broken my heart

And now you leave me...”

Sua voz era a mais incrível que as amigas já tinham ouvido em toda vida. Era simplesmente perfeita.

– É melhor do que Adele!

– É melhor do que qualquer voz que eu já ouvi até hoje!

– Ela é demais! – Félix sorria, absorvido.

Daniel tocava violão, e olhava o tempo todo pra Julie, que retribuía, mas também tentava disfarçar. Principalmente porque Álvaro, que estava perto dela, era amigo de Nicolas.

No final da música, Anne declara:

– Eu ainda espero por você, Johnny. – e fechou os olhos.

Foi muito aplaudida. Alguns até choravam. Pra não caírem na fossa total, o músico principal, voltou para seu lugar, porque aquela canção de Anne nem estava no script. Tinha sido improvisada, pra tirar o amigo daquela “viagem”.

– Daniel! O que foi que combinamos! – ela chamou sua atenção. – “Ignore”!

– Não sei, Anne. Eu não pude evitar. Quando vi ela dançando com aquele hóspede! – fechou a cara.

– Mas agora, comporte-se! Ou vai por tudo a perder.

Começou mais uma música lenta. Todos seguiram pra área maior, onde podiam enfim, dançar.

– Ai Ju! Mais uma daquelas músicas de dor-de-cotovelo.

– Não gosta, Srta. Beatriz. Eu ia te chamar pra dançar comigo. – Félix surgiu do seu lado, com um brilho no olhar, por trás dos óculos.

– Ah! Claro! Era isso que eu ia dizer! Adoro essas músicas! – Bia disfarçou a tempo.

Um cara bonito, provavelmente inglês, chamou Julie pra dançar.

Ela achou aquilo meio sem-noção, mas pensou “Não faz mal, é só uma dança!”

Anne dançava com Daniel, que não tirava os olhos daquele casal, o único casal que ele enxergava.

“I’m all out of hope, one more bad break, could bring a fall

when I’m far from home,

don’t call me on the phone to tell me you’re alone

it’s easy to deceive, it’s easy to tease,

but hard to get released.

Les yeux sans visage… eyes without a face…”

Anne viu Félix e Bia dançando, e imediatamente perguntou pro Daniel o que estava rolando.

– Eu acho que o Félix tá meio perdido. Ele não é muito bom com essa coisa de chegar nas garotas.

– Hum. Estou até me surpresa de ver o Félix dançando! Quantas amigas minhas eu já apresentei pra ele, e era só virar as costas, ele sumia!

– É. Somos dois idiotas!

– Não. Isso não é verdade! Vocês são adoráveis.

– Obrigado! Realmente tenho que concordar com você!

Ela sorriu. Adorava aquele jeito do amigo.

Ela pediu pra trocar de par com Bia. Félix não gostou muito, mas concordou, só porque era Anne, a sua melhor amiga.

Nesse segundo de distração, Daniel falou alguma coisa com o garçom em inglês. Depois virou-se pra Bia, e deu o braço pra ela.

– É um prazer dançar com a melhor amiga da Juliana.

– O prazer é meu. Ouvi falar muito bem de você.

Daniel se sentiu o máximo.

– Obrigado. Eu sei que é verdade, mas não quero parecer convencido. – sorriu torto e piscou pra ela.

Bia começou a entender por que a amiga estava encantada com o charme dele. “esse deve ter pegada!” – pensou.

– Vocês sabiam que viriam pra cá? – Daniel começou a especular.

– Olha, pra ser sincera, não sei de onde saiu essa idéia do Nicolas de vir pra cá. Ele diz que é pra comemorar – olhou pro Daniel e viu que estava falando demais. – éer, quer dizer, não sabíamos. Foi um presente surpresa. Ele queria que a Julie trouxesse alguma amiga, daí eu vim parar aqui.

– É estranho ver um grupo como o de vocês vir pra cá. Não combina com o estilo de vocês. São corajosas!

– O quê! Corajosas onde, quando? Estou detestando isso aqui! Desculpe a sinceridade.

– Ah! Mas aposto que sua amiga está adorando!

– Hum! Pode ser que por “outros” motivos. – falou maliciosamente.

– É mesmo? – um sorriso se abriu automaticamente. – Que bom que ela esteja gostando.

– Mas por outro lado, acho que ela ainda não entendeu o que veio fazer aqui.

– Talvez porque ela não tem medo de nada...

– Claro que tem! Se a gente soubesse nem teria vindo pra cá! Nós gostamos no máximo de um filminho de terror. Mas pelo menos a gente desliga a TV e não corre o risco de acordar com aranhas subindo pela cama!

– Ah! Claro! Aquele acidente com as aranhas não vai se repetir.

– Espero que não!

– Eu achava que ela queria fazer os programas mais radicais que nós temos. Afinal, pelo questionário que ela preencheu, é isso que vai acontecer.

– Sério? Você diz aquele questionário que a gente responde antes de vir?

– Exatamente! Aquele que ela disse que não tem medo de nada!

Bia rebateu: - Aquele questionário não foi ela que respondeu! Foi a miserável da irmã do Nicolas! Ela não presta! Odeia a Julie!

– C-como assim? – Daniel foi pego de surpresa.

– Ahhh você não viu nada. A Talita apronta todo tipo de trapaças pra cima da Julie. Ela sempre quis separar os dois. Aí ela simplesmente respondeu o questionário escondido. Deve ter escolhido as piores opções que tinha. Por favor, dê um jeito nisso!

– Claro! – agora tudo estava claro pra ele. E julgou a garota o tempo todo, sem acreditar nela. Tinha sido um otário por isso, várias vezes. – Eu vou fazer o que puder pra corrigir esse engano.

Ficou aflito, como pôde duvidar da sua intuição. Ela parecia ser sincera. E era.

De repente um barulho muito alto chamou a atenção de todos. O garçom tinha entornado uma jarra inteira de vinho tinto em um convidado. Por coincidência, ou não, era o mesmo que dançava com Julie. Bia foi imediatamente tentar ajudar, arrastando Daniel com ela.

Daniel deu uma bronca no garçom. E pediu pro mesmo levar o rapaz pra se limpar. Ele se voltou pro lado das garotas e Bia viu que estava sobrando.

– Com licença, eu mesma vou pegar um drink pra mim com algum outro garçom menos desastrado.

Ela saiu rápido, deixando os dois sozinhos. Daniel estava eufórico com sua descoberta. E ainda mais apaixonado se sentia. Era uma vontade de sair gritando pela festa. Mas apenas esticou sua mão e pediu pra dançar com ela, sem tirar os olhos dela por um segundo.

Julie estava um pouco assustada com essa obsessão do rapaz. Tudo bem que existia algo entre eles, mas mesmo assim, ele estava muito exagerado.

– O que deu em você? – sussurou, sem olhar diretamente pra ele.

– Estou feliz! FELIZ!

– Pára! Você vai chamar a atenção de todos aqui!

– Faço o que você quiser, minha princesa!

– Pra quem você ia fazer aquela declaração?

– Pra quem mais você acha? – puxou forte sua cintura. Seus olhos brilhavam como fogo.

“Now I close my eyes
And I wonder why
I don't despise
Now all I can do
Is love what was once
So alive and new
But it's gone from your eyes
I'd better realize"

Aquele olhar fazia tudo revirar por dentro.

– É sério? É mesmo tão forte assim?

– Demais! Não consigo controlar... – disse com a voz um pouco falha.

– Então precisa esperar eu resolver as coisas. Tenha paciência. Não pode sair gritando por aí, não por enquanto. – disse séria, esperando que ele entendesse. Ela não imaginava qual seria a reação do Nicolas.

– Você não deu falta de alguma coisa?

De repente ela olhou pra sua mão e percebeu que estava sem seu anel de noivado. Arregalou os olhos e começou a ficar nervosa.

– M-meu anel! Sumiu! – soltou Daniel e começou a procurar pelo chão.

– Ei! Psiu! – Daniel chamou sua atenção. – Acho que posso te ajudar.

– Então me ajuda a encontrar, olha daí que eu olho daqui.

– Não! Não é assim! Olha aqui! – tirou o anel do bolso da calça.

Ela olhou sem acreditar naquilo. Ele estava com o anel dela. Mas como?

– Como você conseguiu?

– Segredo de estado!

– Daniel! Não brinca com isso! Me devolve!

Ele chega perto da borda do barco e joga o anel, dentro do pequeno barco em que vieram.

Ela correu até a beira do barco e olhou perplexa.

– Está no barco! Eu não joguei no lago. Vem comigo, a gente sai daqui, pega seu anel e vai pra algum lugar fora dessa confusão. Mas eu preciso falar com você hoje, preciso agora!”

– Você está louco, Daniel! Louco.

– Eu sei! – pegou seu rosto com as duas mãos e beijou-a com vontade. Um beijo cinematográfico.

A sorte é que estavam num canto perto só dos amigos. Félix, Bia, Anne e Álvaro. Mas o amigo de Nicolas ficou sem palavras.

Julie se soltou e deu um tapão no rosto de Daniel, que soou longe.

Ele levou a mão até o rosto e parecia acordar de algum transe. Seu rosto ardia, e aquilo arrasou seu coração. O tapa tinha doído mais por dentro do que por fora. Ele olhou pra baixo, depois levantou os olhos pra ela, que estava agitada.

Daniel tira o anel do bolso. Ele tinha jogado outra coisa.

– Eu não joguei o seu anel. Está aqui. – devolveu pra ela. - Eu só queria saber o que ele representa pra você. Ou melhor, o que eu represento. E acho que essa foi a resposta.

Ele virou-se, sem chão. Tinha lágrimas quase transbordando nos olhos. Mas não ia chorar. Seu orgulho não permitia isso. Ele foi direto, mais uma vez, pro lado dos instrumentos. Agora, o vocalista principal já até imaginava que ele ia tomar o microfone, e já foi logo entregando.

Todos se entreolhavam. E Anne fechou a cara pra Julie, depois foi atrás do amigo.

– Essa música é de uma banda que eu gosto muito, o Pearl Jam. E o nome dela não podia ser mais apropriado. Ela representa o que eu sinto nesse momento, na minha vida e na verdade, em tudo o que vejo ao meu redor. Black.

“Sheets of empty canvas

Untouched sheets of Clay

Were spread up before me

As your body once did…”

Ele colocou sua alma naquela voz e espalhou um clima de tristeza que incomodou muita gente. Inclusive Julie. Ela se sentiu estúpida pelo que fez e estranha ao colocar o anel de volta no dedo.

Félix olhava chateado pelo amigo. Olhou pra Bia, que entendeu sua preocupação.

Álvaro estava estarrecido, pensando na maneira mais rápida de contar pro amigo o que tinha acabado de ver.

Alguns hóspedes não entenderam nada, continuaram dançando como se nada tivesse acontecido. Tirando Bia, Julie e Álvaro, os demais convidados ou eram ingleses, ou eram japoneses.

Anne cercou o amigo assim que ele terminou. E saíram em direção a onde tudo começou. Perto de onde Julie estava, e perto do barco.

Daniel passou por ela como um fantasma, sem olhar no seu rosto. Isso causou um sentimento estranho em Julie. Era estranho ver que ele não a enxergava.

Ele desceu pro barco e foi embora.

Julie correu pro banheiro, onde conseguiu chegar a tempo de algumas lágrimas tentarem cair. Era mal iluminado, como todo o resto. Apenas algumas velas, já pela metade, deixavam aquele lugar ainda mais deprimente. Tentava controlar sua fúria. Abriu a torneira para lavar o rosto, no momento em que olhou pra frente levou um susto. Anne havia entrado e ela viu no reflexo do espelho.

– Não se vire! – Anne falou friamente. - O Daniel é meu amigo. Meu melhor amigo. E ele me falou de você, assim que cheguei.

Julie estava ainda meio passada com aquela aparição repentina. Sentiu algo pontiagudo fincar em suas costelas.

– Até hoje eu nunca vi o Daniel dizer que estava amando alguém. Nunca o vi se envolvendo. Ele sai muito raramente com alguma garota, mas ele nunca se envolveu. Não disse que gostava, muito menos que amava. E ele sabe que é só estalar os dedos, e um monte de garotas se jogarão em cima.

Mas, você deve saber que esse exagero dele é porque pela primeira vez ele está amando, e não sabe lidar com isso.

E você? Acha que vai pisar nos sentimentos dele assim?

– Escuta. Eu não te conheço. Você não me conhece. E existem muitas coisas que você não sabe. Então não fale do que não conhece!

– Não acabei. Falta eu dizer uma coisa. Se você fizer o meu amigo sofrer, se tentar enganá-lo, eu vou descobrir. E a próxima conversa não vai acabar feliz assim. Isso é só um aviso. Não me siga.

Anne fincou mais forte aquela ponta afiada, até tirou um pouco de sangue dela. Soprou todas as velas e deixou Julie na escuridão. Saiu batendo a porta num solavanco.

Julie estava tremendo. Queria sair dali. Queria se encolher num canto e acordar em sua casa, em seu quarto. Queria abrir os olhos e descobrir que tudo era só um sonho.