Desejos

Capítulo 23 - kisses through the night


Enquanto isso rolava a festa no Salão dos Ossos. Era mal iluminado. As pessoas desapareciam no meio da fumaça, que vinha de uma dessas máquinas que se usam em boates.

Momentos antes, Mano entra mais pálido do que uma lagartixa albina. Ele parece um pouco assustado e nervoso.

Passa perto do balcão de bebidas e pede pra um dos estranhíssimos barmen uma dose dupla de whisky. Tomou numa golada só. Deu alguns passos e ficou procurando Talita no salão. Ela estava de frente pra um espelho arrumando os cabelos. Foi na sua direção imediatamente.

Talita levou um susto ao olhar pra ele.

– Credo! Pensei que fosse uma alma penada atrás de mim! E cadê as chaves?

– Toma! Estão aqui!

– Voltou rápido hein!

– Acho que encontrei mais do que eu procurava. – ele estava diferente. Um pouco aéreo. – Ainda não assimilei muito bem o que aconteceu.

– É mesmo? – curiosa como ela só, ficou interessada em saber o que ele viu. – Acho que, como eu te ajudei a pegar essas chaves, eu mereço saber dos detalhes!

– Então, logo depois de você pegar as chaves daquele cara do hotel, eu saí, atravessei o corredor, subi as escadas e parei em frente ao portão onde estava o tal do Guardião. Peguei as chaves e testei no cadeado e, de repente, abriu.

Talita ficou horrorizada, arregalou os olhos e quase fez um escândalo.

– Seu idiota! Se eu soubesse que você ia fazer isso não tinha te dado chave nenhuma! E se aquela história ridícula for verdade! Aquela coisa vai matar todo mundo!

– É... mas o pior é o que aconteceu depois!

– Viu! Sabia!

– Eu ia deixar o portão aberto e voltar pra cá. E quando eu olhei pra trás de novo, ele não estava mais lá! Voltei e ouvi um barulho vindo do final do corredor. Vi um vulto que parecia ser ele. Depois um grito de mulher. E de repente, ouvi um barulho de alguém dando um golpe forte nele, e o capacete rolou pelo corredor. Depois outro golpe, que eu não vi direito de onde vinha, acabou de despedaçar a armadura. Fiquei parado e como nada mais aconteceu, fui lá, peguei os pedaços da armadura, joguei dentro da cela e tranquei.

– Avá! Você hoje com certeza deve ter fumado uma erva. Cada idéia! E eu aqui acreditando que você ia falar alguma coisa que presta!

Ele não prestava atenção no comentário dela. Estava tão admirado com o que viu que continuou falando. – E eu não ouvi mais nada. Fui até o final do corredor e não vi ninguém.

– Olha só! Não acredito em uma só palavra que você falou. E sabe o que mais, a sua ajuda não adiantou nada. O Nicolas evaporou nesse salão. Teve uma hora que jogaram muita fumaça e perdi ele de vista.

– Ah! Você tem que desencanar dele. Não tem um voto a seu favor.

– Ei! Só porque te ajudei em troca de um favorzinho não venha achando que pode me dar conselhos.

– Eu que sei! Quase levei um soco dele por causa de um beijo qualquer.

– Mas que ousadia! Beijo qualquer!? Beijo qualquer é o seu! Já lavei a boca várias vezes.

– Eu te fiz foi um favor. Você que beija muito mal! Nunca beijei ninguém pior na minha vida!

– Insuportável! Sai daqui! Cafajeste!

– Se quiser eu te dou umas aulas! BV!

– Ei! Eu não sou nem BVL, muito menos BV!

– Adeus! Não estou com tempo pra zoar você agora, dá licença, vou procurar algo mais interessante pra fazer, como contar os tijolos da parede, por exemplo.

– Idiota, imbecil. – Talita ficou espraguejando. – Até parece! “Nunca beijei ninguém pior!”

Voltou a ajeitar o cabelo, quando viu outro vulto se aproximando. Dessa vez sentiu um frio na espinha.

– Olha só... a gatamansa está aqui sozinha. – era Martin e ela engoliu em seco. – Acho que você está com uma coisa que me pertence.

Pensou rápido numa desculpa, mas a voz entregava seu nervosismo.

– Ah.. . você está falando da chave? Bom, é... eu encontrei caída no chão! É! Estava caída no chão e então eu vi, e...

– Espero que você não escolha ser atriz, seria uma péssima idéia.

– Ih! Já vi que hoje é meu dia de azar! Que é hein? Eu achei sua chave jogada e já ia te entregar. Estava fazendo uma coisa mais importante agora. Mas tudo bem, toma aqui a sua chave.

– Aliás, você deve ter pegado a chave na hora que me apertou “naquele lugar”!

Talita ficou muda. Era exatamente o que ela tinha feito. Chegou perto do loiro e usou uma arma infalível: o apertão, sem querer, no bumbum do rapaz. Distraindo-o facilmente.

Martin pegou a chave e saiu de perto.

Talita começou a lembrar do seu plano falido. Parecia tão fácil. Mano tinha percebido que ela estava louca de ciúmes da Débora com o Nicolas. Chegou perto dela e se ofereceu pra ajudar. Mas queria algo em troca. Queria a chave que estava no bolso de Martin.

Mano disse que ia parecer que estava dando em cima dela. Ia chamá-la para dançar perto de Nicolas e então ele ficaria com ciúmes e pronto.

~flashback

Talita estava num lugar estratégico pra Nicolas vê-la. Mano chegou perto dela conforme combinado. Nesse exato momento, Nicolas fixou seus olhos na irmã. Tudo ia muito bem, até demais, pois Nicolas sabia que ela não suportava o cara. Começou a tocar uma música do Nickelback – Someday. Mano nem pediu pra dançar, só deu um puxão na sua cintura e começou a dançar bem perto. Nicolas estava igual um gato armando uma emboscada. Qualquer movimento a mais do maluco e ele chegaria lá.

Talita sentiu algo estranho quando Mano a abraçou. Ficou um pouco incomodada. Ele estava interpretando, mas, alguma coisa diferente aconteceu. Como se tivesse surgido um clima entre os dois.

“Ele está acariciando minhas costas ou eu estou ficando doida?”- sentiu um calor subir até a sua nuca. Levantou os olhos e o encarou. E percebeu que os olhos dele eram hipnotizantes. Nunca tinha reparado que seus olhos eram tão bonitos. Talvez por causa do seu cabelo que caía nos olhos, meio arrepiados, meio lisos. E tinha uma boca bonita também. “É... até que ele seria bonitinho se não fosse tão doido e mal-educado.”

Ela se pegou olhando pra ele. E ele percebeu. Parecia estar se divertindo com um sorriso no canto da boca.

Nicolas já estava mirando os dois desde o início da música. Ficou enciumado ao ver a irmã dançando com aquele cara. Sua irmã era tudo pra ele, não ia deixar qualquer um se aproveitar dela.

De repente, Mano fez algo que estava fora do script. Foi chegando cada vez mais perto, e arriscou lhe dar um beijo. Só beijou de leve. Talita foi pega de surpresa e sem saber por que, acabou retribuindo o beijo. Um calafrio imediatamente percorreu seu estômago. Quando percebeu foi virando um beijaço.

– Talita! – ela ouviu uma voz familiar chamando-a para a Terra. Ainda um pouco passada. E o pior pra ela foi perceber que tinha gostado de beijar aquele abominável e irritante ser.

Era Nicolas com a cara muito fechada. Puxou a irmã e encarou o rapaz.

– Ficou louco? Quer dizer, ficou mais louco? Sabe quem é ela? É a minha irmã!

Mano continuou do mesmo jeito. Não estava nem aí pro chilique do playboyzinho.

– Desculpa. Eu acho que exagerei.

– Sai daqui de perto se não quiser levar um soco bem no meio da sua cara! – Nicolas parecia um pouco descontrolado. O olhar era ameaçador.

– Nicolas! Dá um jeito de me tirar daqui! Eu não quero ficar mais 1 minuto aqui!

– Pára de ficar dando confiança pra qualquer um!

– Mas você me deixou sozinha! Tá vendo só!

– Ah Tatá, vamos ficar só mais um pouquinho. Eu estou gostando. Relaxa vai.

Talita revira os olhos. – Bem fez a sua “NOIVA” que pulou fora daqui a tempo.

– Tem certeza que foi ela que pulou fora?

Ela não respondeu, não ia adiantar dizer que não foi ela que escolheu as festas. E ainda teve que beijar logo aquele cara! E se lembrou do que tinha acabado de fazer.

~flashback off

Talita voltou do seu transe. – “Não acredito que não consigo parar de pensar naquele beijo.”

........................................

Julie abriu os olhos. – Onde estou?

– Estamos dentro de um barco. – Daniel falou tranquilamente, enquanto acendia velas e colocava num suporte flutuante, dentro d’água.

– Ai minha cabeça! Tá doendo! O que aconteceu?

– Não se lembra?

– Não. Tudo ficou escuro e...

– Não se lembra nem quando eu disse “Não é bom ficar andando sozinha pelo hotel!” ?

– O que você fez!?

–Eu fiz? Eu te salvei!!!... DE NADA!

Como num flashback um filme rodou na sua cabeça.

– Ei! Eu me lembro! O que era aquilo? Um homem vestindo uma armadura!

– Não era um homem e sim o Guardião do Castelo. Um fantasma que assombra esses corredores. Alguém deve ter aberto a cela onde a armadura fica presa!

– Não! – ela riu. – Isso é ridículo!

Ele a encarou com uma cara horrível.

– Espera, mas eu vi! Não dá pra acreditar nessa história de fantasma. Seja lá o que for era real! – quando percebeu que ele havia ficado sério, resolveu pedir desculpa.

Ela estendeu suas mãos pra frente, pra ele segurar. E apertou com força, agradecendo.

– Me desculpe, e obrigada! Eu tive medo.

Daniel parou de remar. Parou o barco. Olhou pra ela Ficou pensando “Eu tenho que falar com ela definitivamente sobre o questionário, porque ela parece tão verdadeira quando fala que está com medo.”

– Juliana, você...

– Não vou conseguir voltar pra lá! Eu estou com muito medo. – e começou a chorar.

– Você quer que eu te leve pra festa? – ele levou uma das mãos até o rosto dela e limpou suas lágrimas.

– Eu quero ficar com a Bia!

– Eu vou te levar então.

Ela pôs a mão sobre a dele. – Obrigada, Daniel!

– Mas tem uma condição!

– Não brinca, Daniel! Eu quero sair daqui!

– Você só vai sair daqui se me responder uma coisa!

– Ei! Isso é chantagem! Eu não vou responder nada! Vou gritar!

– Pra quem? – ele sorriu cinicamente. – Quem vai te salvar nesse lugar? Seu noivo? Sua amiga? Sou eu, Juliana! Só eu posso te ajudar! – jogou o remo pra longe.

– SEU LOUCO! – ela gritou.

– É pro seu bem!

Ela foi pra cima dele pra dar um soco, mas o barco balançou forte.

Daniel deu uma gargalhada. – Tá vendo, é melhor você confiar em mim. – Daniel estava sem casaco, só de camisa branca e calça preta. Ele mordeu os lábios, sorrindo. Se divertia com a cara zangada dela.

– Pois nós vamos morrer aqui! – ela disse irritada.

Daniel dava o sorriso mais sacana de todos. – Isso definitivamente não está nos meus planos!

– ALGUÉM ME AJUDA!!!! – gritou o mais alto que pôde, mas a música já rolava alta no barco. Ninguém ouviu.

E Daniel disparou os fogos de artifício do lago. As pessoas aplaudiam e vibravam.

– Está gostando? – perguntou pra ela. Era pura provocação.

– DANIEEEL!!! – Grrr.... ela estava irada. Enfiou as duas mãos na água gelada e jogou nele.

Na hora ele se esquivou, mas caiu um pouco d’água em sua roupa. Daniel mudou de humor na mesma hora. Os dois estavam com raiva. Ele abaixou e agarrou-a pelo braço.

– Escuta aqui, JULIANA SPINELLI DE ALMEIDA! Você tem sorte que eu não descobri quem você era antes de ...

Ele estava tão perto. – Eu queria dizer... antes de...

Se encararam por uns instantes. - me apaixonar por você.

Aquela raiva era puro disfarce. Eles estavam loucos um pelo outro. Os dois se deram conta do quanto estavam próximos e atraídos. Houve uma troca de olhares, olhos nos olhos, dos olhos pra boca e de novo para os olhos.

E os lábios quase se tocavam. Dava pra sentir a tensão no ar. Julie instintivamente levantou uma das mãos e começou a mexer nos cachos dele. Ele segurou seu rosto com delicadeza e passou uma de suas mãos por trás de sua nuca. E aproximou-a, acabando com o espaço entre eles.

O primeiro beijo foi tenso, lento, torturante. O coração estava numa batida descontrolada. Julie se abraçou a ele e ficaram tão juntos que pareciam estarem presos. Ela encostou seu nariz gelado no dele e se olharam de perto.

Julie respirou fundo e colocou as mãos no peito dele. Queria se afastar. Devia empurrá-lo. Não, não queria se afastar.

Seus lábios diziam tudo. De olhos fechados viajavam em um novo beijo apaixonado e urgente.

Era muito diferente de beijar o Nicolas. Havia um sentimento totalmente novo pra ela.

Suspiravam, envolvidos pela fragrância doce de seu perfume e envoltos pela névoa que se espalhava sobre o lago.

Começou a tocar uma música. Julie logo reconheceu. “Não pode ser! Adoro essa música!”

“When I look into your eyes, I can see a Love restrained...

Darling, when I hold you, don’t you know I feel the same…”

Sim, era do Guns’n’Roses. Música que ela sempre ouvia quando estava em casa, sozinha, pensando na vida.

Daniel continuou a letra. – “Nothing last forever, and we both know hearts can change...”

“Que voz doce!” – Julie pensou.

Ficaram em silêncio, sentindo aquele momento incrível. Enquanto a música continuava, Daniel a abraçou.

“Do you need some time, on your own... do you need some time, all alone…”

– Julie…

– Hum… - ela tinha encostado a cabeça em seu ombro, e continuava a ouvir a música.

– Eu tenho certeza que encontrei a única pessoa com quem eu poderia ficar pra sempre. Você!

– Eu acho que também me sinto assim...

E se abraçaram mais apertado.

No final da música o barco já tinha se afastado da festa, porque a brisa deixava o lago um pouco agitado.

– Por que você vive aqui?

Daniel ficou calado. Depois mudou de assunto.

– Antes que a gente volte a brigar de novo. – obviamente ele estava brincando. – me deixa falar mais uma coisa.

– Pode falar. – ela sorriu.

– Preste atenção. Aconteça o que acontecer, eu quero que você jamais se esqueça desse momento.

O lago estava cheio de pontinhos iluminados. Eram as velas. Outra música linda tinha começado.

– “In the dark of night, those small hours, uncertain and anxious I need to call you...”

– E, mesmo que você vá embora, eu vou te encontrar um dia.

Beijou-a com um selinho.

Julie estava encantada, de onde tinha surgido aquele anjo? Como foi que ela entrou naquela montanha russa de emoções em apenas 24 horas? Estava ali e nada importava no momento. Tinha saído da sua nuvem de problemas e entrado num sonho. Só podia ser. Mas era real, e ela sentia que uma coisa dentro de si queria falar, queria gritar. Ela sentia que pertencia àquele lugar. Que era o seu lugar.