Desejo e Reparação

III - Capítulo 14: A Marca da Morte


Parte III

{Uma valsa que resultou em uma queda}

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Capítulo 14: A Marca da Morte

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Era o dia da final do Torneiro Mundial de Quadribol.

Draco estava inquieto, não necessariamente ansioso, remexendo na borda da costura do paletó preto perfeitamente alinhado às suas formas. Esperou cinco longos minutos, antes de o seu pai descer as escadas e juntar-se a ele em frente à lareira da sala de visitas. Pode parecer insignificante enfatizar esse detalhe, mas é uma verdade universal conhecida que Lucius Malfoy não se atrasa aos seus compromissos.

O pai bateu o cajado negro com detalhes em prata no chão e indicou que deveriam partir.

– A sua mãe não está se sentindo disposta – disse Lucius, pressentido a pergunta do filho.

– Ela está doente? – perguntou o garoto, seguindo o pai à porta a qual foi aberta por um elfo cinzento materializado no ar. Nem o Malfoy adulto nem o Malfoy jovem aparentaram processar a sua existência.

– Ela encontrará a razão, em breve – foi esta a exata resposta de Lucius.

Draco não compreendeu o que o pai quis dizer e preferiu manter-se assim. O pai tinha tendência a ficar bravio toda vez que era questionado, e Draco, como toda boa criança que almeja seguir os passos de seu grandioso pai, tinha a necessidade de provar-se ser o filho perfeito, digno de orgulho.

No entanto, não se esforçou para reter a memória que lhe invadiu o corpo e a mente. Ao primeiro, causou desconforto acentuado no peito; ao segundo, trouxe a imagem da porta de madeira escura da sala, um fio de luz sorrateiro escorregando para o corredor, e das vozes sussurradas de seus pais. Não conseguira descobrir o tema do assunto; mas, pela forma como a voz de Narcisa ascendia e afinava-se, ela parecia estar discutindo com Lucius.

“Você está retornando a ele”, dissera a mãe, mais alto do que deveria. “Depois de tudo o que aconteceu, Lucius, eu pensei que você tivesse aprendido algo!”. Silêncio. Um murmúrio longo, quase um rosnado. “Pense sobre o que isso significará ao seu filho!”. Outro som que parecia não ser formado por palavras, mas por feras enraivecidas com seus dentes afiados e reluzentes. “Você fará escolhas por ele, agora?!”.

Então, o impossível aconteceu: O sempre controlado e gélido Lucius Malfoy gritou.

“Ele escolherá o lado certo, porque ele sabe o que significa ser um Malfoy”.

Passos duros aproximaram-se da porta. Draco subira correndo a escada e entrara no seu quarto, certificando-se de que a porta estava trancada. Não que isso fosse capaz de deter a fúria do seu pai...

Naquela noite, deitara-se na cama e decorara as formas do seu quarto, enquanto se revirava de um lado ao outro, incapaz de encontrar onde o seu sono se escondera.

Não entendia o que havia escutado, porém estava convicto de que algo estava acontecendo, algo que mudaria, definitivamente, a sua vida.

E Lucius tinha razão: Draco nunca teria uma escolha. Ele seguiria seu sangue, sua família, até o abismo.

– Nós dividiremos o camarote com Cylia Zabini – falou Lucius, despertando a atenção do garoto. – Duvido que Blaise esteja presente, mas, se este for o caso, quero que se comporte e que se mantenha distante dele.

Draco não esboçou reação. Eles seguiram a trilha para fora da propriedade, onde Lucius aparataria com o filho.

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Harry, Rony, Hermione e Gina ficaram encantados com o acampamento montado por centenas de bruxos de todos os lugares do mundo, nas proximidades do estádio. Eles estavam ansiosos e não perdiam a oportunidade de proclamar para qual time torciam e o motivo de ele ser melhor do que o adversário.

Estavam tão felizes, que jamais poderiam prever o caos em que o evento se transformaria.

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Mais tarde nessa mesma noite, o inferno subiu à Terra. Chamas e gritos e corpos chocando-se contra outros corpos.

– Harry, Harry! – Hermione gritava, os olhos cheios de lágrimas, a voz desesperada. Tentava sair da multidão e correr na direção do amigo, mas o máximo que conseguia era aprofundar-se mais nela e ser arrastada no sentido contrário. É impossível lutar contra a corrente quando já se está perdido no oceano.

A noite parecia dia, o céu brilhava em cores fortes de laranja e de vermelho, com cinzas flutuando em redemoinhos, arrastadas pelo vento. A fumaça, também, rodopiava, era uma nuvem de escuridão densa expandindo-se para engolir o céu e deixar todas as criaturas debaixo dele numa eterna noite sem luar nem estrelas para iluminar o caminho.

– Harry! – chorou.

Sentiu-se ser agarrada e levada por outra direção, onde o fluxo de pessoas era menos intenso. Ali, a fumaça era mais pesada, as barracas arrastavam-se dolorosamente pela terra, sendo consumidas pelo fogo.

– Acalme-se, você não pode ter um ataque de pânico numa situação dessas!

Hermione piscou e tossiu e piscou outra vez, não mais por causa das partículas escuras que caiam sobre os seus olhos.

– Zabini?! – Hermione arfou. Blaise parecia ser sempre capaz de deixá-la sem fala.

– Ande, Hermione. Não podemos ficar aqui por muito tempo, ainda não é seguro. – Ele tomou a mão dela na sua e a guiou para fora do caos.

– Nós precisamos voltar! Harry...

– Ele encontrará uma forma de se manter vivo. Ele não sobreviveu à Maldição da Morte para ser assado vivo como um churrasco!

Se ele estava tentando fazê-la rir, não funcionou.

Ela o seguiu, relutante, olhando constantemente para trás e para os lados, na esperança de ver formas conhecidas. Essa era uma esperança tola, porque, com toda a fumaça e com o brilho intenso do fogo, era impossível diferenciar um pedaço de pano flutuante de um ser humano com braços e com pernas.

Subitamente, Blaise a empurrou para o chão, fazendo-a entrar por baixo do pano de uma das barracas que ainda não foram atingidas pelo fogo. Hermione ficou indignada por ter sido jogada na terra sem o menor aviso prévio e estava preparada para verbalizar sua raiva, quando ele apontou à frente, um ponto não muito longe de onde estavam. Ela virou a cabeça e apertou os olhos para conseguir distinguir formas das sombras. Viu uma figura negra com uma máscara que reluzia as cores das chamas e um longo e pontudo capuz sobre a sua cabeça – ou seria um chapéu? Ela não poderia afirmar com certeza.

– O que é isso? – sussurrou ela, enquanto empurrava-se para se esconder atrás do pano, ao lado de Blaise.

– Comensal da Morte.

Hermione engoliu em seco e prendeu a respiração.

– Harry – murmurou ela, depois de um segundo, ao pensar o motivo de eles estarem naquele lugar, naquele momento, depois de tantos anos passarem-se sem que fossem vistos em ação.

– Ele ficará bem – assegurou-a Blaise, apertando a mão dela para confortá-la. – Eles não irão matá-lo.

Hermione abriu a boca para falar, mas Blaise indicou que deveriam permanecer quietos. Ele levantou-se, vagarosamente, e observou as proximidades. Quando não encontrou algo suspeito, indicou que Hermione deveria erguer-se e segui-lo. E assim ela o fez, sem pensar sobre o motivo pelo qual ele estaria ajudando-a nem pelo qual ela estava confiando nele, novamente.

Draco só conseguiu respirar quando chegou na borda da floresta, onde dezenas de pessoas aglomeravam-se esperando por familiares e amigos que ainda estavam perdidos no mar de fogo.

Cylia Zabini estava ao seu lado, parecendo incrivelmente irritada por suas vestes caras estarem sujas e rasgadas nos extremos das mangas e da saia. Ela percorreu as mãos pelo longo cabelo negro, tentando torná-lo apresentável outra vez, e puxou um espelho da sua bolsa de couro, analisando com desgosto as marcas de fuligem no seu belo rosto moreno. Ela fechou o espelho com força e o jogou na bolsa.

O loiro estava admirado com a frieza da mulher num momento tão delicado quanto aquele. Até mesmo ele, um legítimo Malfoy, foi capaz de ficar apavorando e, em seguida, aliviado ao encontrar uma rota que o tirasse do caos. Sentiu-se ainda mais seguro quando os primeiros aurores apareceram, lembrando as pessoas de que deveriam manter a calma e explicarem o que viram, devagar.

A mulher ao seu lado estava completamente apática aos acontecimentos. Ela sequer soltou um som de surpresa quando uma luz esverdeada tingiu o céu e formou a temida Marca da Morte – uma cobra saindo pela boca escancarada de uma caveira translúcida gigantesca.

Nesse momento, todos os que ainda não haviam aparatado ou encontrado um portal para desaparecer para bem longe dali, pularam ou deram um longo passo para trás e levaram as mãos às bocas, lágrimas de puro pavor enchendo seus olhos.

Por todos os lados, podia-se escutar pessoas murmurando – “Não pode ser possível! Ele está morto!”.

Draco engoliu em seco e esperou pelo pai, que se perdera dele durante o tumulto. As suas mãos ainda tremiam e o suor derramava-se por sua face e por suas costas. A noite estava quente e sombria.

Blaise surgiu minutos depois, correndo através do espaço que acomodara as últimas tendas do perímetro. O seu braço esquerdo estava erguido e, da extremidade dele, projetava-se outro braço cuja pele era tons mais claros que o seu. A cabeleira rebelde de Hermione foi a primeira coisa a aparecer na zona de visão do loiro, em seguida, ele conseguiu avistar o seu rosto e o movimento frenético de seus pulmões, o qual fazia com que o corpo inteiro dela parecesse convulsionar.

Ergueu-se da pedra em que estava sentado, tenso e supresso.

Eles pararam a alguns metros de onde o loiro e Cylia estavam. Hermione tossia forte e Blaise tinha uma mão deslizando pelo braço dela, como se para confortá-la. Eles trocaram algumas palavras e ergueram os olhos para o céu. Blaise a abraçou, repentinamente. E ela não o afastou, muito pelo contrário, ela acolheu-o em seus braços e descansou a cabeça no seu ombro.

Afastaram-se, desconcertados. Murmuraram mais algumas palavras e despediram-se. Hermione caminhou na direção oposta a ele, possivelmente à procura dos seus amigos.

Blaise suspirou e a observou se afastar. Somente quando a figura dela desapareceu, ele virou-se e subiu o pequeno morro. Draco não desviara o olhar nem por um segundo deles.

– Vocês estão bem? – disse ele.

Draco assentiu.

– Isso não foi exatamente inesperado – respondeu Cylia. Ela virou-se na direção de Draco e disse, na sua melhor voz açucarada e, obviamente, dissimulada. – Você gostaria de ir conosco, agora?

– Esperarei o meu pai.

Ela sorriu de lado, enquanto o olhava como se achasse que toda a situação acabara de se tornar mais divertida.

– Querido, ele não aparecerá. Venha comigo, terá mais chances de encontrá-lo se estiver em frente à uma lareira, sentado num confortável sofá, comendo algumas bolachas, do que aqui, em meio a toda essa sujeira.

– Mas...

– O primeiro lugar em que ele o procurará será lá – disse ela, firmemente.

O loiro mordeu o lábio e observou os últimos focos de incêndio serem apagados, ao longe. Ele não sabia o que fazer nem como deveria se comportar. A mulher, no entanto, parecia ter todo o controle da situação. Por isso, ele a seguiu.

Blaise foi o último a mover-se, caminhando atrás de Draco. As suas roupas estavam destruídas, como se tivesse as esfregado e rolando por cima delas no chão, várias vezes. Porém, não foi isso o que fez Draco acelerar o passo e manter uma distância segura do garoto.