Descobrindo a própria luz

Capítulo 10 - Casos de família durante o apocalipse


Assim que pronunciei essas palavras o efeito sobre eles foi imediato. Um silêncio que indicava simultaneamente desconforto com a notícia e a tentativa de esconder o que eles estavam conversando antes que eu chegasse.

Annabeth possuía uma expressão triste, como se estivesse perto de não aguentar mais, mas sorriu.

Matt e Nico pareceram disputar para ver qual dos dois era o mais indecifrável com relação ao recebimento da minha decisão. Eles permaneceram calados, seus rostos não esboçavam nenhuma reação.

Quíron foi o primeiro a quebrar o silêncio

— Bem, temos um ponto a discutir sobre isso — disse, me indicando com um gesto um conjunto de cadeiras.

Caminhei lentamente para uma delas, sentando ao lado de Matt, que continuava a me olhar de uma maneira estranha, como se estivesse preocupado com algo além do que eu já sabia. Sustentei o olhar dele por alguns segundos antes de sorrir, tentando transparecer que estava bem.

— Isabelle, como deve saber, está nas regras que um líder de missão pode escolher dois acompanhantes — começou.

— Matt e Annabeth — digo sem nem ao menos piscar, interrompendo o que ele pretendia dizer.

—Esssa é a questão que discutíamos antes da sua volta — prosseguiu, mantendo o tom de voz controlado. — Eu não faço nenhuma objeção sobre o garoto, eu entendo que a missão lhe diz respeito diretamente e que vocês dois têm uma ligação importante. Minhas maiores considerações são justamente deixar que dois campistas inexperientes viagem juntos por todo o país, sem o treinamento adequado, que infelizmente não tivemos a oportunidade de ofertar. Concordo que não há alguém melhor para servir de mentor para vocês dois que Annabeth...

— Mas? — meu coração se apertando conforme a situação ia ficando mais clara para mim.

— Mas eu não posso apoiar uma saída de Annabeth do Acampamento nesse momento — admitiu, suspirando. — Agora que vemos com mais clareza os planos de Gaia, não posso autorizar que ela saia novamente, quando precisamos juntar os sete da profecia o mais rapidamente possível, não separa-los por todo o território nacional. Não quando fica cada vez mais claro que ela já está em uma missão.

Olhei na direção de Annabeth, esperando que ela dissesse alguma coisa, mas ela se manteve em silêncio, me encarando com ainda mais preocupação. Então era isso. Ela concordava com a decisão de Quíron.

—Por quê? — perguntei com certo ar de indignação, meus sentimentos falando mais alto do que qualquer racionalidade.

— Leo Valdez nos avisou que o Argos II ficará pronto em alguns dias e Annabeth precisa estar aqui para partir com eles — prosseguiu, ignorando de certa forma o meu tom. — Eu não tenho como arriscar nesse momento enviar minha principal guerreira para qualquer missão paralela, muito menos uma tão arriscada quanto a de vocês.

Fiquei atônita, olhando em todas as direções, esperando que alguém me dissesse que aquilo poderia se resolver de uma forma que não me magoasse tanto quanto estava magoando.

— Eu sinto muito, Bells — ela se pronunciou, finalmente, os olhos cinzas lacrimejando. — Eu não posso ir com você.

Não recebi nada bem a negativa, meu sangue fervendo, como acontecia na maioria das vezes que eu era severamente decepcionada.

— Essa missão diz respeito a você também Annabeth! — implorei, o medo de não ser capaz de fazer isso longe dela me consumindo. — Gaia quer barganhar justamente a sua vida. Eu sou sua irmã. Minha vida está em perigo, pior ainda, a de Matt também. Eu preciso de você mais do que nunca antes.

— Isa, me desculpe...

As lágrimas ameaçaram ser exteriorizadas, mas eu me contive e meus sentimentos foram se transformando em larva.

— Annabeth, por favor — pedi, pela última vez. — Eu não consigo imaginar o que está sendo sem o Percy pra você, mas ele não pode ser mais importante do que eu. A gente é família.

Ela engoliu em seco e disse as próximas palavras sem olhar dentro dos meus olhos.

— Eu realmente queria ir com vocês, é óbvio que eu me preocupo com você. Mas Isabelle, não seja infantil. Tudo está indicando que eu sou uma dos sete da grande profecia — afirmou, em seguida prosseguiu após uma pausa. — Isso é mais do que apenas sobre ele, é sobre o destino de tudo o que conhecemos. Mas ainda que fosse só sobre ele, eu não espero que você entenda, mas eu teria que encontrar Percy.

A sensação de abandono me preencheu imediatamente. De novo. A sensação de que não conhecia mais verdadeiramente a minha irmã, também. Algo tinha acontecido entre os dois nos últimos anos e ela estava pronta mais uma vez pra me deixar sozinha por outro propósito. Por outra pessoa.

Todos ficaram em um silêncio incômodo, o ciúmes e ódio borbulhando dentro de mim como uma panela de pressão.

—E é aí que entra o que estávamos discutindo. — completou Quíron, buscando desesperadamente aliviar a tensão. — Annabeth acionou diversos contatos do Acampamento e agora tem fortes indícios de que o primeiro ingrediente do antídoto está em São Francisco. Nico se disponibilizou a acompanhar vocês nessa missão, ele tem alguns assuntos a tratar com espíritos rebeldes da região.

Ela já tinha arranjado um substituto, como se tudo fosse descartável.

— Eu não posso acreditar que você está fazendo isso — explodi, não aguentando mais. — Vai por minha segurança em risco por conta de uma droga de garoto? Mesmo?

Tudo bem não era só um garoto. Era Percy Jackson. O cara que levou Annabeth para me ver no meu último aniversário em um cavalo alado. Mas ainda assim...

Annabeth me fitou sem graça, mas nitidamente perdendo a paciência por eu estar trazendo a tona o assunto Percy novamente.

Minha ira aumentou ainda mais com a ausência de respostas.

Eu me precipitei para ela e a agarrei pelos ombros, lançando um olhar carregado de ressentimentos. Pensei em sacudi-la, ou gritar, quem sabe até jogar na cara dela tudo que eu aguentei silencionasamente em casa por ela nos últimos anos.

Mas o que eu acabei fazendo, de alguma forma, foi pior que tudo isso.

— Mesmo se eu sobreviver, mesmo se algum milagre acontecer e eu e Matt nos salvarmos...Eu nunca, nunca vou te perdoar por isso.

— Como... Como pode dizer isso?

— Eu não tenho mais uma irmã. Provavelmente nunca tive.

Ao dizer isso, o mundo começou a se despedaçar para mim, só notei que nós duas estavamos com lágrimas nos olhos, a respiração ofegante.

Quíron e Nico pareciam querer interferir em algo, mas antes que eles tivessem a chance, eu puxei Matt de qualquer jeito pelo braço, e saí o mais rápido possível da varanda, sem olhar mais para trás.

— Ela precisa de um tempo, Annie. Eu sinto muito — escutei Nico atrás de mim, consolando minha irmã, o que de alguma forma me tirou ainda mais do sério.

Caminhei meio sem rumo até chegar ao lago de canoagem, os bosques agradáveis do Acampamento destoando do meu coração partido. Matt me acompanhou em silêncio, meio sem jeito, mas querendo respeitar o meu espaço.

Aos poucos, a raiva e a adrenalina foram passando e eu percebi com clareza o que tinha acabado de fazer.

Não tinha volta. A missão. Annabeth. Tudo.

Diminuí o ritmo, a falta de ar da ansiedade me consumiu e impediu que eu continuasse. Enfim, paramos no início de uma clareira. O som dos semideuses treinando no lago em segundo plano, como se eu estivesse embaixo da água.

Ignorando tudo que acontecia ao meu redor, deixei meu corpo trêmulo escorregar pelo tronco de uma árvore, até que eu estivesse jogada no chão, as mãos sendo passadas em desespero pelo meu rosto.

Meu namorado se sentou ao meu lado e me abraçou de um jeito protetor.

— Vai ficar tudo bem. — ele garantiu.

Não, não vai, pensei. Ma não disse nada.

Eu não vou chorar.

Eu não vou chorar.

Passei a dizer para mim mesma, tentando acalmar minhas ideias. Convencida de que a única coisa que poderia fazer naquele momento era me colocar de pé e lutar.

Não de novo em menos de 24 horas.

Ficamos assim, por uns 20 minuto, até que eu senti que estava um pouco melhor e controlada e me levantei. Ele me acompanhou, ainda em silêncio, até a porta do meu chalé.

Então nos abraçamos novamente.

— Nos vemos daqui a pouco, vou arrumar minhas coisas para partir — tentei dizer, com uma falsa confiança.

Não havia porque perder tempo chorando ou se lamentando quando a minha vida e a dele estavam sendo ceifadas.

Sorri fraco e fui em direção a entrada. Antes que eu entrasse, porém, me arrependi e voltei, me despedindo apropriadamente com um beijo.

Pensei, bem, pensei que essas poderiam ser as últimas chances para isso. Para momentos como aquele.

Quando eu finalmente entrei em meu chalé, esperando ficar sozinha, me sobressaltei ao notar que tinha uma visita.

Quando o susto passou, não fiquei genuinamente surpresa pela audácia de encontrar órbitas negras como a noite me encarando. Mesmo que tivesse acabado de lhe conhecer, alguma coisa já me dizia que a personalidade dele era justamente essa.

— Droga, Nico! — me recuperando ainda, até que os pensamentos se tornasse nítidos. —Você pode entrar aqui?

Ele sorriu de verdade, pela primeira vez, um pouco presunçoso. Os dentes aparecendo e tudo.

— Parece que Annabeth não te contou o suficiente a meu respeito. Eu faço as minhas próprias regras.