Dentro do Espelho

A garota no espelho.


– Quem... é essa garota?
A pequena garota dos cabelos tão negros quanto os olhos se indagava ao olhar o espelho de seu quarto.

Aos poucos, Irene ia aproximando a mão cada vez mais do espelho, a mão dela e daquela garota estranha se tocaram, era gelado.

– Q-quem... é... você?

Irene perguntou hesitante, vendo a boca da garota pronunciar palavras e não emitindo som algum. Por algum motivo aquela garota estava usando o mesmo vestido branco e floral que ela, também possuía olhos e cabelos pretos e era tão baixa quanto ela. Mas quem era?

Um ranger de portas. Um calafrio desceu sua espinha, enquanto virava para trás e via um gato adentrando o quarto pela porta que acabar de abrir. E após tampar a boca para não gritar, cai no chão assim como a garota no espelho.

– Puska!! Você me assustou!

O gato indiferente a reclamação da garota, estava fitando o espelho, vendo aqueles olhos amarelos refletirem e a cauda balançando. Seguindo o olhar do gato, Irene novamente olhou para o espelho vendo aquela figura estranha e viu um gato do lado dela também.

– Por que? Por que está imitando o que eu faço? É alguma brincadeira?

Um momento de alívio. Desde que vira aquilo, se assustava, mas não passava de outra criança que a imitava, até trouxe um gato para brincar com o dela.

– Qual o nome do seu gato? Ele é muito fofinho, deixa eu brincar com ele? Ai podemos colocar ele e Puska para brincar.

Apesar da garota mover os lábios, a única voz que se ouviu foi a da própria Irina.

– Fala alguma coisa!

Indignada, com as mãos na cintura como se fosse uma adulta repreendendo uma criança, ela encarou. Puska, assim como o gato do espelho, encarou cada um sua dona, meio sem entender o motivo daquilo tudo. Cansado saiu novamente pela porta do quarto.

– Ah... esses gatos não é mesmo?

Antes que ele pudesse sair, puxou ele de novo, o deitou no chão e começou a fazer carinho no gato que relutantemente lutava para sair das mãos da garota.

– Puska é um gato que adora que a gente pega ele e começa a esfregar e fazer carinho.

Olhando novamente para o espelho, ela viu que a garota de lá também havia pegado o gato e estava com ele no colo. Novamente, um ranger de portas. Ao levar as mãos na boca e olhar para trás, Puska correu como se fosse a última coisa que poderia fazer na vida, passando de baixo de longas pernas.

– Papai! Quem é aquela garota ali? A gente fez amizade e eu tava mostrando o Puska pra ela, ela também tem um gato e é bem parecida comigo!

O homem, já de certa idade, olhou para a garota, era a primeira vez que ela o chamava de papai. Ele então olhou para o que ela estava apontando e viu a porta do closet fechada.

– Tem alguém ai dentro, filha? Quem é?

– Não sei papai. Ela parece comigo, tem um gato e parecia imitar tudo o que eu fazia.

O homem abriu a porta do closet a procura de um espelho. Mas não havia nada lá, somente uma porta de madeira, e várias e várias roupas novas penduradas nos cabides ou dobradas nas prateleiras. A imaginação das crianças pode voar não é mesmo?

– Ah, e vocês se divertiram bastante filha?

– Muito! No começo eu não sabia quem era ela, mas ela sorriu e fez carinho no miau dela, você disse que quem gosta de miaus não é gente malvada, então ela deve ser legal, mas ela não fala... eu tentei falar com ela... ela não falou nada comigo papai.

Ao virar novamente o rosto para frente, ela viu a garota olhando pra ela e um par de pernas atrás, vestindo uma calça jeans azul igual ao do pai dela.

– Esse é o seu papai?

Perguntou Irene, apontando para as pernas do homem que via.

– Esse aqui é o meu papai. Ele cuida muito bem de mim, e eu amo o papai.

E então abraça o pai, que meio confuso por aquela cena, também a abraça.

– Então, filha quando acabar de brincar com a sua amiguinha, desça, o jantar estar pronto e sua mãe me mandou vir lhe chamar.

– Tudo bem! Vou ficar só mais um pouco.

*Crack*

Ao virar o rosto, Irene viu uma rachadura se fazer na garota.

*Crack*

E ia aumentando... parecia estar abrindo o corpo dela. Brilhava vermelho.

*Crack*

– Ei! Que tá acontecendo?

*Crack*

A garota ia se deformando, um liquido vermelho começou a escorrer da garota e Irene não sabia o que fazer, ia chamar o papai é claro.

*Crack*

– Pa...

Um dedo, tampou a boca de Irene, tinha um gosto estranho e um cheiro estranho também, era molhado.

– Batom? Eu não posso usar... Mamãe disse que eu sou muito nova.

Ao olhar para quem estava colocando o dedo na sua boca, viu que era a garota de cabelos pretos, não parecia estar machucada, e nem deformada ou estranha como via antes, apesar de estar com algo vermelho escorrendo pelo braço.

*Crack*

– Toma cuidado! Mamãe vai ficar uma fera, você tá molhando todo o tapete do quarto!

– Ôooo Mã....

Novamente um dedo impede de Irene de falar. E ela olha para aqueles olhos pretos e rosto infantil.

– Quem é você?

Sem responder a garota pega nas mãos dela, e a puxa pelo vão que agora é a porta do closet, o estranho era que não dava pra ver pelo buraco, ao invés do chão e das prateleiras, somente escuro.

– Nossa! É assim que o closet é quando a porta tá fechada? Que legal! Você quer que eu veja?

A garota que a puxava de leve, a levando para o vão na porta do closet assentiu com a cabeça e sorriu para Irene. Com a outra mão que também pingava vermelho, a chamou. Ela reparava agora que havia alguns cortes no braço, na mão, e no rosto da garota, de onde o vermelho caia e escorria.

– O que aconteceu com você?

Sem resposta, ela apenas sorriu novamente e continuou a puxar Irene pelo vão que ia de boa vontade.

– Tá... tá... eu vou...

Os cacos de vidro no chão não pareciam importar a garota que também possuía cortes nos pés, mas Irene foi bem cuidadosa para não pisar em nenhum deles antes de entrar no buraco.

*Crack*

Apesar de não ver nada, e limpar aquela coisa vermelha no vestido, tateou o closet a procura do interruptor, mas nem na parede conseguiu tocar. A única luz vinha do quarto e por algum motivo estava escurecendo.

*Crack*

Ao olhar para trás, ela viu que os pedaços de vidro pareciam estar voando e se organizando na porta.

– Ei não faz isso! Eu tenho medo do escuro.

Mas a garota que a levou Irena até ali, não estava mais visível, e ao ponto de tudo ficar quase tudo escuro, um sorriso branco se fez e uma risada infantil ecoou.

*Crack*

E então tudo escureceu, em meio aos gritos e choros de uma garota que logo, caiu com os olhos fechados.