Delírios de um Louco

Capítulo Único - Delírios de um Louco


O Chapeleiro era capaz de lembrar a última vez que esteve assim. Fora a anos atrás. Quando a Rainha Vermelha havia destruído todo seu mundo. Roubado a coroa da irmã. Queimado a vila onde ele vivia feliz. A pequena Alice havia voltado para sua vida e sua vila queimada... Ele lembrava de como se sentira, exatamente como agora.

Por alguns segundos, depois de Alice partir graças ao sangue de Jaguadarte, todos ficaram olhando para o lugar onde antes ela estivera. A Rainha Branca suspirou e bateu palminhas alegres, pedindo que retomassem a celebração. Todos tornaram a lentamente comemorar e dançar entorno da Rainha.

O chapeleiro não foi capaz de tal coisa. Apenas abriu um sorriso forçado. Agradeceu aos elogios a sua dança com um aceno de cabeça e em passos elegantes partiu. Foi andando lentamente, se arrastando pelo País das Maravilhas. Ele havia sentido aquilo antes, depois da destruição. O vazio.

Não sentia o chapéu sobre a cabeça. Não sentia a muiteza do que havia acontecido. Não sentia absolutamente nada. Apenas o vazio. Não tinha mais vontade de dançar o passo maluco. Não sentia vontade de nada. E tudo que menos queria saber qual era a semelhança de um corvo e uma escrivaninha. Deveria ocupar seu tempo melhor do que com adivinhações sem sentido. Era o que ela havia dito.

A mesa do chá estava posta, como sempre estivera durante anos. Sentou-se a cadeira mais emproada, a da cabeceira. Alisou a toalha de linho branco posta sobre a mesa e serviu-se de chá. Mal viu quando o gato de Cheshire sentou-se com ele a mesa. De início ele não falou nada, apenas serviu-se de chá e pediu para passar o açúcar.

O chapeleiro pouco se importava com aquele ser insolente que bebericava o chá. Ele só se importava com Alice. Bebeu de seu chá, levantando o mindinho ao segurar a xícara. O tilintar alto que a xícara fez ao ser posta no lugar trouxe uma careta ao rosto do gato. Em um ato que costumava ser banal o Chapeleiro pegou o relógio de bolso que marcava os dias, passou manteiga de melhor qualidade nas engrenagens e depois enfiou-o na xícara de chá.

_ Não acha que está se precipitando?

_ Com o que, meu caro petulante?

O gato suspirou abanando a pata para a xícara. O Chapeleiro olhou para o que havia acabado de fazer e deu de ombros. Não havia uma explicação. Ele refletiu sobre o que sentia ou não vontade de fazer e sentir. Olhou diretamente para o gato sentado bebericando seu chá distraidamente.

_ Conte-me, qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha.

O gato o olhou por uns instantes, a cabeça levemente inclinada para a esquerda. Os grandes olhos azuis do gato o fitavam com tal interesse que o Chapeleiro começou a ficar encabulado. Passados alguns segundo, que pareciam anos para o Chapeleiro, o gato alargou o sorriso.

_ Se Alice não pode responder, receio que ninguém poderá.

O Chapeleiro se viu obrigado a se calar diante daquela afirmativa. Se prendendo entre os próprio loucos pensamentos recostou na cadeira e cruzou as mãos, colocando os cotovelos sobre os braços da cadeira e o queixo no nó das mãos. O gato sorriu e foi desaparecendo lentamente. O sorriso foi o último a sumir e o Chapeleiro refletiu, quase inconscientemente, que já vira gato sem sorriso, mas nunca vira um sorriso sem um gato.

Quando ele se foi e o Chapeleiro se viu sozinho uma lágrima escorreu pelo rosto pálido. A pequena Alice nunca corresponderia seu louco amor. Os olhos verdes brilhavam pelas lágrimas não derramadas. Pensou em Alice. Seus cachos dourados, seus olhos brilhantes e seu sorriso gentil. A Alice certa, não entendia como puderam duvidar. Absolem não devia ter enfiado caraminholas na cabeça daquele bando de infiéis.

Com mais alguns minutos de reflexões ele pode entender. Nunca seria feliz. Levantou-se num rompante. Retirou o chapéu da cabeça e o colocou suavemente na mesa. Começou a andar pelo seu país. Passou por todos os pontos que mais gostava. Que sua pequena e doce Alice mais gostava.

Em algum momento sentou-se em uma rocha. Puxou caneta e papel do bolso do paletó e escreveu uma breve carta para a Rainha Branca. Assinou e a dobrou. Colocou-a no bolso externo do paletó e jogou a caneta no chão, tornando a andar. Os bosques e criaturas ainda o fascinavam e vez ou outra parou para analisá-los.

Quando chegou ao enorme abismo sorriu tristemente. Havia uma placa em forma de seta apontando pro abismo. As palavras vermelhas ali pintadas escreviam ABISMO em letras garrafais e o Chapeleiro assentiu para a placa e agradeceu o aviso solenemente. Andou em passos calmos para a ponta do abismo e espiou lá embaixo. Não se via o fim. Ele engoliu em seco.

Em um momento fora de sua insanidade louca virou-se de costas para o abismo. Deveria ser mais fácil sem ver o que o espera, refletiu. Cruzou os braços no peito e esperou. Olhou em volta com uma ponta de esperança de que Alice surgisse em meio as árvores e o chamasse. Mas ninguém saiu de lá e ele suspirou.

_ As maravilhas desse país, meu mais solene adeus.

Com um impulso pra trás ele se jogou. Em um último lapso de pensamento coerente refletiu que se a escrivaninha fosse negra ela teria alguma semelhança com um corvo. Pensou em contar a Alice, antes de lembrar-se que não dava mais tempo.

Sorriu ao chegar a essa última conclusão. Feliz pela sua charada não ser tão sem sentido como sua Alice pensou. Depois disso tudo escureceu e ele não tornou a abrir os olhos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.