Deadly Hunt

Reconciliação


“Eu me sinto fraca

Nós já estivemos aqui antes

Porque eu sinto

Que continuamos indo para frente e para trás

Talvez isso tenha acabado

Talvez nós estamos cansados

Mas eu honestamente posso dizer

Eu ainda te amo.

[...]

Vamos recomeçar

Vamos dar asas ao amor

Vamos recomeçar

Parar de brigar pela mesma coisa

Vamos recomeçar

Não podemos deixar nosso bom amor morrer

Talvez possamos começar tudo de novo

Dar ao amor outra vida.”

Start Over - Beyoncé

Capítulo VIII – Reconciliação

֎

O casamento não consiste na fácil união de dois corpos, mas sim na difícil união de duas mentes completamente opostas. Desde quando Austin e eu nos conhecemos, nós dois enfrentamos diversas batalhas e desafiamos a nós mesmos a complexa tarefa de formarmos uma família. E apesar de nossas brigas e diferenças, nosso amor sempre foi mais forte do que qualquer desentendimento. Mesmo quando enfrentamos a nossa pior crise, aprendemos a importância de saber ceder, perdoar e lidar com os defeitos do outro.

Austin e eu nos casamos jovens e enfrentamos a pressão de sermos os líderes de uma nação, enquanto todos esperavam que fossemos o casal perfeito. Mas eu nunca me arrependi de minha escolha. Mesmo agora, sentindo todo o meu corpo em chamas, precisando me segurar para não matar ao meu marido, eu não me arrependo de ter me casado com Austin.

Por outro lado, não me arrepender não me impede de me sentir decepcionada. Mais uma vez, eu estava diante do lado mais infantil de meu marido. Ele estava chateado comigo e, como uma criança, estava me acusando e usando palavras imaturas para me fazer sentir culpada e admitir que ele estava certo.

O clima estava pesado. Era quase palpável a tensão presente entre todos nós. Bárbara e Elena sorriam, satisfeitas com o impacto que elas estavam causando em meu casamento. Dez me encarava preocupado, no entanto, meu melhor amigo e braço direito apenas esperava por uma atitude de minha parte. Ele conhece Austin tão bem quanto eu para saber que somente eu poderia mudar aquela situação.

Trish se encontrava perplexa com o comentário sem fundamento de meu marido. Ela estava tomando minhas dores e eu era muito grata a minha melhor amiga por conseguir se segurar e não tornar a situação ainda mais complicada. Eu não permitiria que a tia e prima serpentes de Austin ganhasse aquela pequena discussão.

— Papai? – O chamado de Enzo quebra o silêncio incomodo, assim que nota a presença do pai. Ele desce do colo de Dez e corre para abraçar as pernas de Austin. O sorriso dócil de nosso filho é o suficiente para desarmar o olhar severo de meu marido.

— Oi filho! – Cumprimenta Austin, pegando Enzo no colo e o abraça com intensidade, sendo correspondido da mesma forma.

— Eu fiquei com saudades, papai. Onde você estava? Eu queria andar de cavalos com você como prometeu ontem, mas o vovô Théo disse que você ia voltar a noite e que teríamos que andar outro dia. – Comenta meu pequeno, com sua inocência infantil, sem perceber o quanto todos estavam tensos.

Austin sorri e olha o filho com arrependimento. Apesar de ser extremamente apegado a mim, Enzo tinha uma ligação única com Austin. Ele admira o pai e o ver como um super-herói. Ficar longe dele é sempre um sofrimento para nosso filho, ainda que seja somente por algumas horas. É Austin que o coloca para dormir, que o ensina a cavalgar, lutar e conta histórias sobre Miami e suas aventuras quando jovem.

— Eu também senti sua falta, filho. Você nem imagina o quanto. – Responde o loiro, acariciando as bochechas coradas de nosso menino. – Me desculpe por ter desaparecido, Enzo. O papai promete que amanhã irá passar o dia inteiro com você e dessa vez eu não irei descumprir a minha promessa.

Desvio minha atenção da interação entre pai e filho e observo a expressão de inveja de Elena e o desprezo de Bárbara. Não consigo evitar um sorriso vitorioso em meus lábios. Mesmo que não soubesse, Enzo conseguiu acalmar os nervos do pai sem qualquer dificuldade. Era como se o amor de nosso filho tivesse consolado o coração de meu marido e o feito voltar a pensar mais racionalmente.

— Ally, eu finalmente te encontrei! – Exclama Manu, aparecendo com Théo e Prince ao seu lado. – Nós precisamos conversar.

— O que aconteceu? – Pergunto, suspirando. Tudo o que eu menos precisava era de mais problemas.

— Com licença, Majestade, eu poderia conversar um pouco com você? É um pouco urgente. – Dessa vez, Ansel é quem aparece, impedindo que Manu me respondesse. Ele carregava um brilho de preocupação.

— Ally! Será que seria possível você vir a sala de reuniões. Tem uma pessoa que eu quero que você conheça. – Pede Lawrence, indo mais direto ao ponto. Oliver também surge de repente e em seus olhos eu consigo ver que ele também era mais um que precisava conversar comigo. Provavelmente era algo ainda mais grave que os assuntos de meus outros aliados.

Suspiro, sentindo minha cabeça começar a doer. Eram tantos problemas para resolver e eu ainda precisava escolher entre ser a rainha de Krósvia ou ser a esposa de Austin. Elena e Bárbara voltam a me encarar com convencimento. Com certeza, se eu escolher ser a rainha, ela usará minha atitude para encher a cabeça de meu marido com mais bobagens. Por outro lado, eu também não poderia ignorar minhas responsabilidades como a governante de Krósvia.

Desvio meu olhar para meu marido, com o fruto de nosso amor em seus braços. Minha amada família. Aquela que prometi proteger e cuidar para que jamais sofressem o que eu sofri com a ausência e frieza de meus pais por serem líderes de um país repleto de conflitos. Respiro fundo e encaro a todos que me observavam com expectativa.

— Dez e Trish, vão para a sala de reuniões e recebam a visita de Lawrence. Se for quem eu estou pensando...

— Não se preocupe. Eu vou resolver esse problema. – Responde meu melhor amigo, interrompendo a minha fala. Ele entendia o que eu estava tentando fazer naquele momento. E mais uma vez eu era grata por ele me conhecer tão bem para agir sem que eu precisasse explicar o que eu queria.

— Nós daremos um jeito em tudo. – Complementa Trish, transmitindo um pouco de confiança pelo seu sorriso caloroso.

— Obrigada. – Agradeço, sorrindo um pouco aliviada. Viro-me para Ansel e reflito sobre o que seria o melhor a fazer naquele momento. – Prince, eu quero que você vá com Ansel e tente resolver o que quer que tenha acontecido. Eu confio em você para tomar as decisões necessárias. Mas, caso seja algo que esteja completamente fora de sua jurisdição, tente fazer o possível para intervir até que eu apareça.

— Como desejar, irmãzinha. – Concorda meu irmão mais velho. Ansel parece surpreso com a minha escolha, mas sorri compreensível, depois de estudar um pouco do ambiente. – Vamos?

— Claro! – Concorda Ansel, respirando fundo. – Boa sorte, Majestade.

— Obrigada, rapazes. – Respondo, observando meu irmão se afastar com o nosso mais novo aliado. – Manu e Théo, eu sei que vocês precisam conversar comigo, mas creio que não será possível. Por outro lado, como vocês já sabem, Lawrence tem a minha confiança, assim como Prince e Dez, para tomar decisões. Então, assim como eu disse ao meu irmão, eu quero que você veja o que está acontecendo, Lawrence. Se for algo que está muito fora de sua jurisdição, procure-me imediatamente.

— Tudo bem, Majestade. – Concorda Lawrence, fazendo uma breve reverência.

— Não se preocupe, Ally. Não é nada de tão grave. Acredito que podemos esperar você resolver seus problemas. – Afirma Théo, sorrindo amável.

— O rei Théo tem razão. Não se preocupe conosco. Apesar de ser um assunto sério, ele não é de urgência. – Complementa minha cunhada, sorrindo gentil. – Além do mais, o assunto já é de conhecimento de Lawrence também.

— Tudo bem. Nós conversaremos depois do jantar. Lawrence, poderia levar Enzo para Jade e depois ir para a sala de reuniões? Quero que entre em contato com meus sogros e descubra como está o avanço da bactéria em Serafine. Manu, repasse o relatório das últimas informações que você conseguiu para Oliver e para os outros reinos aliados. – Delego e finalmente encaro meu marido, que me encarava surpreso. Essa provavelmente era a primeira vez em anos que eu escolhia ficar ao seu lado ao invés de assumir meu papel como rainha.

— Como quiser, Ally. – Concorda Manu, parecendo feliz pela cara de frustração de Bárbara ao ver o sorriso orgulhoso de meu marido, ainda que ele tentasse disfarçar.

— Vamos, pequeno Enzo. A tia Jade e as crianças estão te esperando para brincar. – Fala Lawrence, sorrindo gentil para Enzo. Assim como sempre cuidou de mim quando eu era criança, Lawrence tinha um cuidado especial com meu filho.

— Eu já sou grande, tio Law. – Afirma meu filho, insatisfeito com o apelido do loiro. – Não é, papai?

— Sim! Meu filho já é um homem poderoso. – Concorda Austin, fazendo um grande sorriso se abrir nos lábios de nosso menino.

— Viu, tio Law? – Fala Enzo de forma animada, enquanto desce do colo do pai.

— É claro que é. – Responde Lawrence, estendendo a mão para que Enzo a pegasse. – Mas agora vamos, grande príncipe. Seus pais precisam conversar e já está ficando frio aqui fora.

— Tchau mamãe! Tchau papai! – Enzo se despede, sorrindo animado, enquanto se afasta de nós com Lawrence segurando sua mão.

— Tchau querido! – Despeço-me, contagiada pela alegria de meu filho. Viro-me então para Oliver, que continuava a me encarar com seriedade. Ele me observava com atenção e parecia avaliar como deveria conversar comigo. Manu continuava a seu lado, esperando uma ação do cientista. – Eu sinto que você tem algo de muito importante para conversar comigo e que não está feliz por me ver fora da cama, Oliver, mas terá que esperar um pouco. Prometo que assim que eu terminar, eu irei ao seu laboratório.

— Tome cuidado, Ally. Você ainda está fraca. Seria melhor voltar para a cama o mais breve possível. – Afirma o cientista, insatisfeito com a minha decisão.

— Eu estou bem. – Garanto, enquanto encaro meu marido com seriedade. – Existe um assunto mais urgente agora que eu preciso tratar.

— Vamos, Oliver. Não adianta discutir com a minha cunhada. Quando ela coloca alguma coisa na cabeça, ninguém consegue tirar. – Comenta Manu, colocando a mão no ombro do cientista.

— Além disso, eu cuidarei dela. Não se preocupe. – Responde Austin, aproximando-se de mim, enquanto encara Oliver com seriedade.

— Tudo bem. Caso você se sinta mal, mande me procurar imediatamente. – Orienta Oliver, devolvendo o olhar ao meu marido na mesma intensidade. – Até mais.

Oliver faz uma breve reverência e, ainda relutante, afasta-se de nós. Manu me lança um olhar malicioso e se despede com um rápido aceno. Théo, Elena e Bárbara continuavam a nos encarar, observando as minhas reações. Respiro fundo e me volto para a família de Austin. Théo sorri envergonhado e encara a esposa e a filha com intensidade.

— Nós deixaremos vocês à sós. Temos também que tratar de uma conversar séria. – Afirma o tio de meu marido, demonstrando a sua infelicidade pelas atitudes das mulheres de sua vida.

— Até breve, Théo. – Respondo, observando os rostos insatisfeitos de Elena e Bárbara.

Assim que estamos sozinhos, começo a andar, indo em direção a árvore onde Austin e eu costumávamos ir com frequência no início de nosso casamento para fugir das nossas responsabilidades como reis de Krósvia e namorar um pouco. Era incrível como o tempo passava com tanta agilidade. Dez anos se passaram desde que subimos ao altar, mas cada uma de nossas preciosas memórias continuavam vivas em minha mente.

Austin me segue em silêncio, provavelmente perdido em pensamentos do passado como os meus. O fim da tarde se aproximava e o vento gélido do início do inverno atingia nossos rostos sem piedade. De repente, sinto um peso sobre meus ombros e noto que era o casaco de Austin. Paro de andar e o observo, que segue por mais alguns segundos antes de notar que eu não o acompanhava.

Permanecemos estáticos, apenas nos encarando. Eu tentava criar alguma frase boa o suficiente para começar a conversa inevitável, sem que eu uma imensa briga se iniciasse, mas nada vinha a minha mente. Austin suspira e pega algo de dentro do bolso da única blusa de frio que o protegia naquele momento.

Ele então me estende um saco pequeno e outro de tamanho médio, que parecia estar completamente amassado. Curiosa para saber o que era aquilo, pego os dois sacos da mão de Austin e os abro. O pequeno possuía uma espécie de bala caseira de ervas.

— São balas de Karfreitagstee¹, uma erva que ajuda a aliviar enjoos e dores estomacais. No outro saco tem um pedaço de Kalter Hund², do vilarejo de Saint Graim. Como eu sei que quando você está doente, prefere comer coisas doces, eu trouxe logo o seu doce preferido. – Responde, ao notar meu olhar questionador. Pego uma das balas e como com hesitação. Apesar do gosto um pouco amargo, o aroma era refrescante.

— Você viajou duzentos quilômetros até Saint Graim sozinho para comprar Kalter Hund e balas medicinais? Você enlouqueceu?! E se alguém te atacasse? Você é o rei de Krósvia, Austin! Possui inúmeros inimigos! Como pôde se arriscar tanto? – Indago, furiosa com a loucura que ele havia cometido.

— Você estava doente e eu precisava espairecer. – Austin dá de ombros e encara o Sol se pondo no horizonte.

Suspiro e desisto de pensar em qualquer coisa. Eu precisava ir direto ao ponto. Respiro fundo mais uma vez e volto a encarar Austin, repassando em minha mente a nossa discussão de mais cedo e suas palavras a instantes atrás.

— Você realmente acha, do fundo do seu coração, que eu estou destruindo nosso casamento? – Questiono de uma vez, atenta as ações e palavras de meu marido. – Que eu sou a grande culpada de nossas brigas?

Austin se surpreende com a minha pergunta. Ele desvia o olhar para os próprios pés e por alguns instantes, ele permanece em silêncio, parecendo ponderar aquela pergunta. Continuo a observar Austin, ansiosa por respostas. Um longo suspiro escapa de seus lábios e por fim, meu marido volta a me encarar nos olhos.

— Não. – Nega, transparecendo arrependimento em seus olhos. – Eu não acho que você está destruindo nosso casamento.

— Então por que você foi tão cruel ao dizer isso na frente de nossos amigos e da sua tia e prima? Na frente do nosso filho? – Pergunto, deixando evidente a minha decepção. – Austin, tudo o que eu mais tenho feito nesses nossos dez anos de casados foi me dedicar para fazer nossa união dar certo. Como pôde dizer que eu estou destruindo nosso casamento?

— Eu não sei. – Confessa, desviando o olhar novamente. Ele encosta o rosto no tronco da árvore ao nosso lado e suspira alto. Inquieto, Austin bagunça os próprios cabelos e volta a se aproximar de mim. – Eu não sei, Ally. Eu só estou tão chateado que apenas deixei sair algumas bobagens sem sentido pela minha boca. Eu estou cansado, Ally. Cansado de brigar, cansado de tentar te entender.

— Eu sei que está chateado, e com razão, por eu estar escondendo assuntos de você, mas eu ainda não estou pronta para te contar tudo, Austin. De modo geral, eu estou lidando com as consequências das ações de minha família e por isso não quero te envolver. – Explico, incerta de como fazer o loiro a minha frente acreditar em mim.

— O seu maior problema, Ally, é que você não consegue me enxergar como a sua família. Nós estamos casados há dez anos, compartilhamos alegrias e tristezas, mas ainda assim, você insiste em separar a nossa família. Ally, eu sou o seu marido. A sua família é a minha família. A minha família é a sua família. Eu sei que seus pais e avós foram pessoas horríveis, mas os meus também não estão muito atrás. E eu quero que você confie em mim. Quero ser o seu companheiro, seu pilar principal. – Austin suspira e pega a minha mão, entrelaçando nossos dedos. – Você é a pessoa que eu mais amo e admiro nesse mundo. A sua força de vontade, determinação, inteligência, beleza, gentileza e habilidades. Eu admiro e amo tudo em você, Ally. Você é a melhor mãe, rainha e esposa que eu conheço. E por favor, não diga a minha mãe que eu te disse isso. – Rio de sua declaração e ele me acompanha, acariciando meu rosto.

Seus olhos expressavam arrependimento e decepção. Observo aquela expressão tão dolorosa em seu rosto, que me atingia tão profundamente. Ambos estamos cansados de brigar, de continuar andando em círculos, tentando apenas defender nossos pontos de vista, sem dar o braço a torcer que ambos estamos errados.

– Me desculpe por ser tão idiota, impulsivo e infantil. Eu juro que estou tentando mudar, Ally. Eu sempre soube que você era alguém muito melhor do que eu e que você merece alguém melhor do que eu. Eu sempre enxerguei uma tenebrosa distância entre nós. Você é uma mulher incrível, Ally. Eu sempre te disse isso. Desde que éramos apenas adolescentes, querendo conquistar a liberdade de nosso povo, eu sempre soube que eu e você estamos em níveis completamente diferentes. No entanto, eu somente fui capaz de admitir isso a mim mesmo hoje, enquanto conversava com os moradores de Saint Graim. Eles te veneravam tanto e adoravam. É inexplicável o amor de nosso povo por você. E parando para pensar, eu preciso melhorar, Ally. Como rei de Krósvia, eu nunca fiz muita coisa, além de fazer o que você me pede e lutar por eles. – Austin sorri forçado e retira sua mão de meu rosto.

— Do que você está falando, Austin? – Pergunto, confusa com suas palavras. Distância? Níveis diferentes? De onde ele havia tirado isso?

— Eu estou falando do fato de que mesmo sendo rei de Krósvia, todos confiam e dependem somente de você. Ally, agora a pouco, quando houve problemas, mesmo sabendo que você precisa ficar de repouso, todos procuraram você. Ninguém nem mesmo lembrou que eu tenho a mesma autoridade que você para tomar decisões. E você está tão acostumada a isso que acaba agindo por conta própria, sem confiar em mim também. – Responde Austin com sinceridade. – E bom, eu não te culpo por isso. Você é competente e independente. Foi assim que eu te conheci e foi por essa mulher tão poderosa que eu me apaixonei. Mas, isso me deixa inseguro também.

“Eu me sinto cada vez mais desnecessário, uma peça descartável. Eu sou totalmente dependente de você, Ally, mas você é completamente independente de mim. Por esse e outros motivos, eu sinto que você está se afastando mais e mais. E mesmo que eu corra com todas as minhas forças, eu apenas consigo enxergar suas costas. Eu quero caminhar ao seu lado, Ally. Não na sua frente e nem atrás de você. Quero estar com você, entende? Não é apenas você esconder as coisas de mim que me preocupa. Ainda que seja frustrante viver no escuro, eu confio em você e posso esperar você estar pronta para me contar. O que mais me atormenta é a possibilidade de você se cansar de mim. – Confessa Austin, com o olhar distante.

— Isso jamais aconteceria. – Afirmo, aproximando-me de meu marido. Antes que ele sequer se mexesse, deixo os sacos com as balas e o doce caírem no chão, puxo seu rosto para baixo e o beijo.

Surpreso, Austin demora alguns instantes para entender o que estava acontecendo e para corresponder. Ele coloca uma de suas mãos em minha cintura e a outra em minha nuca, conduzindo aquele momento tão repleto de significado para nós. Com os sentimentos a flor da pele, nós nos entregávamos ao beijo de maneira afoita.

Meu corpo se choca contra o tronco da árvore e eu nem mesmo havia notado que estávamos em movimento. Amor, desejo, insegurança, perdão, carinho. Haviam tantos sentimentos que queríamos expressar com aquele gesto tão simples. Eu sentia falta daquele toque mais exasperado.

Nós nos separamos brevemente, apenas para tomar um pouco de ar e encostamos nossas testas. Nossos olhos se encontro, nossas respirações se chocam. Ainda há tanto a se dizer, no entanto, não conseguimos permanecer separados por muito tempo e voltamos a nos beijar. Eu queria eternizar esse momento, onde somos somente ele e eu. Sem interferência, sem máscaras. Apenas Austin e Ally. Sem medo de sermos quem nós somos.

— Austin, olha para mim. – Peço, pegando no rosto de meu marido com delicadeza. Ele hesita. – Por favor. – Convencido pela suavidade em meu tom de voz, ele finalmente me encara. – Você é homem que me concedeu o meu maior bem e prova de amor. Graças a você e a Enzo, eu fui capaz de conhecer o amor, de me sentir amada, de conhecer a sensação de se ter uma família. E é por isso que eu tenho tanto medo de coloca-los em perigo. Eu escolhi me casar com você e viver o resto da minha vida ao seu lado, porque confio em você, confio em nós, confio em nosso amor. Essa distância que você afirma existir entre nós não faz o menor sentido. Se hoje eu sou tão confiante e destemida, foi porque você estava ao meu lado, me apoiando, me incentivando a revelar tudo que havia dentro de mim e que eu jamais imaginei possuir.

“Você é muito mais do que pensar ser, Austin. Somente fez o que eu mandei? Somente lutou por eles? Austin, você salvou esse reino diversas vezes. Você é rei bondoso e reconhece a grandeza do nosso povo. Além disso, você é um pai maravilhoso. Nossa família está longe de ser perfeita, mas é você que nos diverte e nos inspira. Então, acredite mais em mim, por favor. Você diz que confia em mim, mas não é o que demonstra. Eu jamais me cansaria de você, porque é por você e pelo nosso filho que eu luto todos os dias para me manter firme diante dos obstáculos que enfrento diariamente sendo rainha, mãe e esposa. Então pare de ouvir o que os outros têm a dizer de você. Ignore as pessoas tóxicas que dizer tantas bobagens a você. – Aproximo meu rosto do de Austin e fico a milímetros de seus lábios. – Você não imagina o quanto eu dependo de você, Austin. Prometa nunca me abandonar e que sempre vai acreditar em mim. Mantenha sempre seus olhos em mim e em mais ninguém.

— Uau! Eu não sabia que a minha esposa poderia ser tão possessiva. – Brinca Austin, sorrindo malicioso.

— Você nem imagina o quanto. – Concordo, sorriso da mesma forma que ele. – E você ainda não me prometeu.

“Eu já cansei de fingir que sou indiferente a você, Ally. Eu não sei o que acontece comigo quando estou perto de você. Eu tenho ciúmes de qualquer babaca que chega perto de você. Tenho medo de te perder ou não ser capaz de protegê-la e você se machucar por isso. Meu coração bate descontrolado quando estou com você e, muitas vezes, tenho que me controlar muito para não a beijar. Enfim, eu sou louco por você e se para ficar ao seu lado eu preciso me casar com 18 anos, então farei isso com todo prazer do mundo. Então, Ally, a resposta é sim. Eu quero me casar com você.”³ — Austin repete as mesmas palavras que usou para se declarou para mim pela primeira vez um pouco antes de sairmos de Miami. Foi a primeira vez que ele foi capaz de confessar seus sentimentos com clareza.

— Você se lembra dessas palavras? – Balanço a cabeça, concordando. – Meus sentimentos não mudaram, Ally, então não se preocupe. Não existe ninguém como você e nem melhor do que você. Eu seria um louco cego se desviasse meu olhar de você. – Afirma com sinceridade.

E mais uma vez nós nos beijamos. Aquele era o nosso momento, a nossa reconciliação. Permanecemos mais alguns minutos curtindo aquela rara ocasião onde ninguém aparece para nos atrapalhar. No entanto, não poderíamos ignorar nossas responsabilidades, então não demoramos muito para retornar para o castelo. Eu ainda tinha uma visita para receber.

Austin e eu caminhávamos pelo jardim de mãos dadas, cumprimentado os guardas do castelo, bem-humorados. Meu humor havia melhorado tão consideravelmente, que nem mesmo a serpente peçonhenta da Bárbara e sua mãe seriam capazes de me tirar do sério naquele momento, algo que elas faziam apenas por respirar.

— Pelo visto vocês se resolveram. – Comenta Jade, assim que entramos na sala de estar, onde as crianças brincavam com diversos brinquedos. Trish, que dava de mamar para Ian, levantar o olhar e sorri animada.

— Finalmente! – Comemora a latina, lançando uma piscadela para mim.

— Agora não seja mais idiota! – Repreende Manu, dando um tapa na nuca de Austin.

— AI! – Reclama meu marido, massageando o local. – Prometo tentar.

— Já é um começo. – Responde minha cunhada, rindo.

— O convidado ainda está conversando com Dez? – Pergunto a Trish, que balança a cabeça, concordando. No mesmo instante, Jade muda de expressão.

— Sim. – Afirma Trish, olhando divertida para Jade. – Dez e Lawrence estão na sala de reuniões com a convidada esperando você chegar. Jade está mal-humorada porque parece que a mulher é uma amiga de infância de Lawrence. Alguém bem íntima dele.

— Não começa, Trish! – Resmunga Jade, revirando os olhos. – É melhor você ir logo, Ally. Oliver e Ansel estão precisando urgente de você no laboratório. Parece que eles têm novidades sobre a bactéria.

— Mesmo? – Digo, surpresa. Jade balança a cabeça, concordando. Viro-me para Austin e o encaro com esperança. – Poderia ir conversar com eles, enquanto vejo quem é essa amiga misteriosa do Lawrence?

— Claro. – Concorda Austin, sorrindo. Ele olha em volta procurando as crianças e ao notar que elas estavam distraídas com seus brinquedos, Austin me dá um leve beijo nos lábios e outro na testa. – Eu te amo.

— Eu te amo. – Respondo, sorrindo encantada.

— Eca! É tanto mel que me dá ânsia de vômito. – Provoca Manu, rindo. Pego uma almofada que havia perto de mim e jogo em minha cunhada, que ri ainda mais alto.

— Calada! – Repreendo-a, rindo. Jade e Trish começam a ri, divertindo-se com a nossa cena infantil. – E vocês duas também! Não digam nada!

— Eu estou bem quietinha aqui. – Afirma Trish, segurando o riso.

— Eu também! – Concorda Jade, levantando a mão em sinal de redenção.

Reviro os olhos, rindo, e me despeço das mulheres com rápidos acenos e algumas provocações. Em seguida, sigo para a sala de reuniões, onde Dez e Lawrence deveriam estar com a amiga de infância do Khan. Eu confesso que estava curiosa para conhecer essa mulher e suas habilidades de espionagem.

Assim que abro a porta da sala, vejo Lawrence e Dez acompanhados de uma mulher alta, de pele morena e longos cabelos ondulados e tão escuros quanto a noite. De costas, ela me lembrava tanto Kira que precisei me segurar bastante para não chamar a minha falecida dama de companhia e primeira amiga. Respiro fundo e balanço a cabeça para afastar meus pensamentos do passado.

— Majestade! Finalmente você apareceu. Nós já estávamos ficando impacientes. – Cumprimenta Lawrence, sorrindo animado, no entanto, sua expressão muda ao notar que eu estava um pouco abalada. – Está tudo bem? Você está pálida.

— Sim. Eu só... – Forço um sorriso, ainda atordoada, enquanto encarava o rosto preocupado de nossa convidada.

— Sente-se aqui, Ally. – Dez vem ao meu encontro e me conduz até a cadeira mais próxima de mim. A convidada pega um copo e o enche de água. Um pouco hesitante, ela o entrega a mim.

— Obrigada. – Sussurro, dando um meio sorriso.

— Você está bem, Majestade? – Pergunta a desconhecida, encarando-me com seriedade. – Lawrence me contou que você passou mal pela manhã. Não seria melhor Vossa Majestade retornar aos seus aposentos para descansar e se recuperar?

— Eu estou melhor. Não se preocupe. É que você me lembrou de alguém que eu gostava muito e infelizmente não está mais viva. – Respondo, após tomar um gole de água.

— Eu sinto muito. – Lamenta a mulher, sincera com suas palavras.

Agora que consigo observar com clareza a face da mulher, vejo quão bonita ela é. Os olhos grandes e escuros são tão brilhantes quanto estrelas, como uma criança curiosa. Ela também tem um sorriso muito bonito e as bochechas levemente avantajadas, deixando-a com uma expressão adorável. De certa forma, eu agora conseguia entender o porquê de Jade ter ficado tão incomodada com a presença da amiga de infância de Lawrence. Ela parecia ser mais nova do que eu.

— Ally, essa é a... – Dez começa a falar, mas é interrompido por batidas na porta.

— Quem é? – Pergunto, dando um sorriso envergonhado para a mulher.

— Com licença, Majestade. Será que poderíamos conversar? Prometo que será rápido. – Fala Ansel, abrindo somente uma brecha da porta.

— Entre, Ansel. – Concordo, observando o loiro entrar na sala.

Assim que Ansel abre a porta, a morena ao meu lado assume uma expressão surpresa e o homem parecia não acreditar em quem ele estava vendo. Observo aquelas reações, tentando entender o que estava acontecendo. Dez e Lawrence pareciam tão confusos quanto eu.

— Você?! – Exclama Ansel, começando a demonstrar irritação.

— Oi docinho! Quanto tempo! – Cumprimenta a mulher, sorrindo divertida. Ela parecia estar adorando a reação que havia causado em Ansel. – Sentiu minha falta, Ansel de La Tróis?

— O que essa mulher está fazendo aqui? – Questiona Ansel, alterado.

— Essa mulher tem nome, Ansel. – Responde a morena, aproximando-se a passos leves e intimidantes, quase como uma felina. – Juliana. Juliana Coleman.

— Vocês já são amigos? Que ótimo! Isso já facilita as coisas. – Comenta Dez, sorrindo discreto.

— Amigos? Essa mulher roubou o meu carro e me deixou pelado no meio do nada! – Responde Ansel, surpreendendo a Dez e a mim. Lawrence ri alto e Juliana lança um sorriso malicioso para o corpo de Ansel.

— Oh, querido. Eu não te roubei. Eu apenas peguei seu carro emprestado e ainda não devolvi. Quanto a te deixar pelado, eu apenas acho injusto que algo tão bonito se esconda em roupas tão incomodas. O que é bonito é para se mostrar. Não foi nada pessoal. – Afirma Juliana, lançando um falso olhar inocente para Ansel, que a encara sem acreditar nas palavras da morena.

— Você só pode estar de brincadeira com a minha cara. – Fala Ansel em um misto de raiva e descrença.

— O que quer que tenha acontecido no passado, vocês terão que superar. Ansel, a partir de hoje, assim como você, Juliana será nossa aliada e informante. – Aviso, fazendo o loiro me encarar assustado.

— Será um prazer trabalhar com você, Ansel de La Tróis. – Juliana estende sua mão e lança um sorriso perigoso para Ansel.

— É uma pena eu não poder dizer o mesmo, Juliana Coleman. – Responde Ansel, correspondendo com aperto de mão.

Observo a interação do casal e não consigo evitar pensar que será realmente divertido acompanhar como esses dois farão para trabalhar juntos. Olho para Dez e Lawrence, que assistiam a tudo de maneira interessada. Provavelmente, assim como eu, os dois sentem que Ansel e Juliana darão muito o que falar.