“Os lembretes tiram o chão de seus pés

Na cozinha, uma cadeira a mais do que o necessário, oh

E você está com raiva, e tem direito, isso não é justo

Só porque você não pode ver, não significa que não está lá

Se eles perguntam

Quem se importa se mais uma luz se apagar?

Em um céu de um milhão de estrelas

Ela cintila, cintila

Quem se importa quando o tempo de alguém se acaba?

Se um momento é tudo que somos

Ou menos, menos que isso

Quem se importa se mais uma luz se apagar?

Bem, eu me importo”

Link Park – One More Light

Capítulo X – Positivo

֎

Vida. O conceito da palavra parece muito simples. As pessoas definem como o período de tempo que vai desde o nascimento até a morte de um ser vivo seja do mundo animal, vegetal ou qualquer outro que apresente estruturas de condições de existência como as bactérias e os fungos. De uma forma mais empírica podemos relacionar o conceito com a biologia e defini-la como a capacidade que possuem os seres vivos para se desenvolver, reproduzir e manter em um determinado meio ambiente, ou ainda ao longo dos anos, evoluir.

Observo os papéis sobre a minha mesa e o jornal do dia chama a minha atenção. Suspirando, sentindo minha cabeça latejar, junto a sensação de desconforto e enjoo que tem se feito presente há alguns dias, deixo a pilha de documentos que precisavam da minha revisão e aprovação até o fim do dia e passo a ler a matéria destaque daquela edição.

“O aparecimento de uma nova bactéria tem assustado a população europeia, visto que já foram confirmado, até esta quinta-feira (28), 309 mortes de crianças entre 0 e 11 anos nos países de Serafine, Boise e Retrívia desde o primeiro caso que ocorreu na Cidade de Boise. Estudos esclareceram que com o início do inverno, as condições favorecem a reprodução e propagação da bactéria.

Segundo a ministra da saúde de Boise, Rossandra Kenes, “Boise e seus aliados estão se dedicando aos estudos sobre a bactéria e acreditamos que em alguns meses, nós encontraremos a cura. Por esse motivo, a população não deve entrar em pânico.”

A ministra afirma ainda que os agentes geralmente trabalham entre 7h e 15h por questões de segurança e para ter uma rotina fixa. Entretanto, o cidadão pode solicitar a visita em outro horário, caso não esteja em casa pela manhã ou pela tarde.

“Já tivemos casos de criminosos que se passaram por agentes para invadir casas. Então fixamos esse horário de 7h a 15h para que o cidadão perceba essa rotina. Mas se o morador quiser, pode chamar durante o fim da tarde, ou informar o melhor dia para visita”, disse ela.

Rossandra Kenes relembrou que apesar dos esforços dos governos para encontrar a cura para essa nova ameaça epidêmica, a população deve colaborar com as medidas preventivas como lavar as mãos com água, sabão e álcool em gel, usar máscara e evitar que as crianças fiquem na rua por muito tempo sem qualquer proteção térmica.”

Fecho o jornal e suspiro mais uma vez, jogando minha cabeça para trás, enquanto sinto as dores se tornarem mais intensa. Mais de trezentas crianças haviam morrido e esse número estava prestes a piorar ainda mais com o inverno se tornando mais intenso a cada dia. Eu não sabia o que fazer. Ainda que eu soubesse que Ansel e Oliver estão dando o seu melhor para impedir que a bactéria evolua ainda mais, não havia garantia algum de que eles conseguiriam impedir essa epidemia a tempo.

Com os olhos fechados, respiro fundo, procurando esvaziar minha mente. Batidas na porta ecoam pelo meu escritório, mas não ouso me mexer e nem dizer nada. Assim que a porta é aberta e um suspiro preocupado sai pela boca da pessoa que entrava pela sala, eu não precisava de muito para saber de quem se tratava. Meu melhor amigo se aproxima da mesa e coloca mais alguns papéis que precisavam de minha aprovação.

— Até quando fará greve de silêncio? – Pergunta, sentando-se de frente para mim.

— Eu não faço ideia do que está falando. – Respondo, voltando a prestar atenção no documento sobre o orçamento para as reformas no abrigo antibomba onde usaríamos para o caso de a bactéria atingir o país.

— Qual foi o resultado de seus exames? – Questiona o ruivo, enquanto me encara com intensidade.

Permaneço em silêncio por um tempo, procurando o que exatamente eu deveria dizer a Dez. Desde o ataque de ciúmes de Austin na noite anterior e a nossa discussão, eu estava evitando pensar nas palavras de Oliver. Ainda que eu estivesse passado a noite toda acordada, presa em meu escritório, analisando relatórios e documentos, em momento algum, eu parei para pensar sobre a minha situação.

— Positivo. – Respondo por fim, fazendo meu amigo me encarar confuso. Não era exatamente a melhor forma de dar a notícia, mas essa era a única forma que eu encontrei de começar a falar.

— O que quer dizer com isso? – Pergunta Dez, analítico.

— Eu estou grávida. – Explico à Dez, que arregala os olhos diante da notícia, mas não demora a sorri e suspirar, aliviado.

— Por Deus! A sua falta de resposta me deixou realmente assustado. Imaginei que fosse algo ruim. Grávida? Ally, isso é ótimo! Austin vai ficar extremamente feliz quando souber. E Enzo? Tenho certeza que vai contar a todos do reino! – Afirma meu melhor amigo, animado. No entanto, ao notar que eu não parecia feliz com a notícia, sua expressão se tornar receosa. – Ally?

— Dez, ninguém pode saber que eu estou grávida. – Digo com seriedade e o ruivo me encara ainda mais confuso e insatisfeito.

— Por quê? O reino todo ficaria muito feliz com essa notícia. Sei que a situação não é a das melhores, mas uma criança pode ser tudo o que nós precisamos para ter um pouco mais de esperança. – Dez argumenta, preocupado.

— Porque essa gravidez pode me matar, Dez. – Respondo e o choque se torna evidente na expressão facial de meu amigo.

— O quê? – O homem balbucia, sem reação. – O que você tem?

— Segundo os exames de Oliver, essa gestação se trata de uma Gravidez Ectópica. – Respondo, tentando me manter firme e não me entregar ao choro preso em minha garganta.

— Gravidez Ectópica? O que é isso? – Pergunta o ruivo, confuso, mas ainda receoso. Pela minha reação, ele provavelmente entendia que se tratava de algo muito ruim.

— É uma gravidez que ocorre fora do útero. – Respondo, sentindo o amargo do anuncio da minha complicada situação. – É uma situação complicada, que fará o bebê nascer prematuro e pode me fazer ter uma hemorragia interna a qualquer momento.

— E não há nenhum tratamento? – Questiona meu melhor amigo, angustiado. Eu conseguia ver o desespero presente nas reações de meu melhor amigo. – Nada que impeça a sua morte?

— Bom, há o tratamento. Mas eu não irei fazer. – Dito e minha resposta parece pegar o homem de surpresa. Em questão de segundos, vejo a repreensão em seus olhos. – Não me olhe assim. Eu tenho os meus motivos.

— Que seriam? – Questiona, ainda atordoado.

— O tratamento indicado é por medicamento ou cirurgia. Ambos para a interromper a gravidez. – Eu explico ao ruivo, suspirando em seguida. – Eu quero ter esse bebê. Você sabe como eu tenho tentado durante anos essa gravidez e que os médicos já me alertaram que com as complicações que tive durante a gestação de Enzo, eu terei que tirar o útero em alguns anos.

— Mas, Ally... – Dez tenta argumenta, mas eu o interrompo antes que ele continuasse.

— Eu pesquisei mais sobre o assunto e existem casos em que a criança e a mãe sobreviveram. É algo muito difícil, mas pode acontecer. E eu quero acreditar que eu posso ser mais um dos casos raros em que ambos sobrevivem. – Continuo, quase como um apelo, torcendo para que meu melhor amigo me entendesse.

— Ally, isso é.... – E mais uma vez eu o interrompo.

— Eu estou de dezoito semanas, Dez. – Afirmo, surpreendendo ao homem. – Essa criança é o meu milagre. Como você disse, ela pode ser a esperança do reino. No entanto, existe outro motivo também para não querer que conte a Austin. Ao menos, não ainda. Você sabe que uma guerra terrível está prestes a acontecer. Com o último recado, eu não tenho mais dúvidas de que Victor está vivo. Além disso, existe uma bactéria ameaçando a vida de milhares de crianças e que está muito próxima de atingir nosso país. Não posso me afastar do comando de Krósvia nesse momento. Não quando vivemos um momento tão caótico. E você também conhece seu melhor amigo o suficiente para saber que assim que souber que eu estou grávida...

— Ele não vai permitir que você participe da guerra e você, teimosa como é, não vai descansar até que a guerra chegue ao fim. – Complementa Dez, inconformado. – Eu conheço você também Ally. Mas isso é loucura. Está se arriscando demais. Eu entendo que não queira o tratamento, mas talvez...

— Não, Dez! Não quero e não vou abrir mão de nada. – Insisto e meu amigo suspira, incomodado.

— Mas, Ally, e se...

— Eu sei que quer me proteger. Mas você sabe que eu jamais me arriscaria se não acreditasse que consigo. Então, por mais que seja difícil, seja o ombro amigo que preciso nesse momento. Eu estou tentando não entrar em desespero aqui. Amanhã você pode gritar comigo o quanto quiser, mas hoje, por favor, tente não me julgar pelas minhas escolhas. – Digo com sinceridade e Dez suspira, dando-se por vencido. Vejo os olhos de meu amigo se tornarem pesados e um brilho de culpa aparece. Ele pega em minhas mãos e sorri com carinho.

— Tudo bem. Me desculpe. Mas como seu melhor amigo e braço direito, é o meu dever tentar colocar um pouco de juízo e cautela nessa sua cabeça. – Responde, forçando um sorriso. Eu sabia que ele estava preocupado e estava se esforçando para não se desesperar demais, como eu sabia que Lawrence e os outros fariam ao saber de minha decisão.

De repente, um barulho discreto próximo a porta se faz presente. Dez e eu nos encaramos, alarmados. No mesmo instante, meu amigo vai em direção a porta, enquanto eu me levanto, pronta para confrontar quem quer que estivesse ouvindo minha conversa com Dez naquele momento.

Ao abrir a porta, meu melhor amigo vai para o corredor e encara os dois lados, mas não havia ninguém no local. Um frio na barriga se faz presente em meu estômago e o desespero de que Austin ou, pior, um de meus inimigos tivesse ouvido a nossa conversa me assombra. Dez parece ler meus pensamentos e se vira para mim, dando um sorriso confiante.

— Calma. Não deve ter sido ninguém. – Afirma, sorrindo calmo.

— Onde está Austin? – Pergunto, alarmada.

— Acho que na torre. Ele chegou agora a pouco com Lawrence da reunião com os ministros da Finlândia e foi brincar com Enzo. – Responde o ruivo, mas logo ele se aproxima de mim, preocupado com a minha aparência. As dores estavam piorando. Era como se algo estivesse dilacerando a minha barriga. – Ally, fique calma, por favor. Não foi o Austin, está bem? Você o conhece bem. Sabe que se ele tivesse ouvido, teria invadido a sala e exigiria satisfações. Por favor, vá descansar.

— Eu estou bem. – Respondo, respirando fundo para resistir e lidar com as dores que mais se assemelhavam a contrações e ao enjoo naquele momento.

Oliver havia me orientado sobre a gestação. A partir de agora, eu me sentiria cada vez mais fraca e esgotada. As dores abdominais aumentaria gradativamente, conforme o bebê aumentasse. A partir do quinto mês de gestação, eu precisaria estar pronta para um parto emergencial ou até mesmo o rompimento das trompas, o que me ocasionaria em uma hemorragia interna e, consequentemente, a morte se não fosse contida às pressas.

— Vem. Eu vou te levar para o seu quarto. Está mais do que claro que você não está bem. – Fala Dez, conduzindo-me pelos ombros com cautela.

— Não. Eu irei procurar por Austin. – Declaro, afastando-me de meu melhor amigo. – Enquanto isso, procure descobrir quem pode ter ouvido a nossa conversa. Pode não ter sido nada, mas se Bárbara ou Elena tiverem escutado nossa conversa, nós teremos grandes problemas.

— Não se preocupe. Eu vou descobrir o que aconteceu. – Afirma o homem com convicção. – Agora vá descansar. Eu cuido de tudo por aqui. Você já está a tempo demais dentro desse escritório.

Respiro fundo mais uma vez e balanço a cabeça, concordando. Afasto-me de Dez e sigo em direção a torre do castelo, onde Austin sempre se refugiava quando precisava de um tempo sozinho. Ainda que estivéssemos brigados, eu ainda precisava de seu toque. O medo e a angustia que eu sentia naquele momento era assustador. Eu apenas desejava sentir seu calor para fazer eu me sentir melhor.

Assim que chego ao último andar, consigo ouvir as melodias vindas do piano que havia na sala. Aproximo-me aos poucos do lugar e paro na porta ao ver meu marido e meu filho se divertindo ao tocarem juntos. Cruzo meus braços e me encosto no batente da porta, observando a cena sem conseguir disfarçar o meu fascínio pela cena.

Austin e Enzo tocavam juntos uma das músicas da antiga banda de meu marido. Nosso pequeno sorria animado e Austin não escondia o orgulho de ver que o filho havia herdado seus dons musicais. Eles pareciam livres e a interação dos dois repletas de risos e felicidade conseguia me transmitir uma calma que nenhum remédio conseguiria.

Austin começa a cantar e não demora muito para que Enzo o acompanhasse. A letra adorável de Can't do It Without You nas vozes dos homens que mais amo se tornava ainda mais especial. Observo tudo com o máximo de atenção possível, procurando gravar cada detalhe daquele momento como um dos meus muitos tesouros preciosos.

Ao fim da música, Enzo ri e bate palmas junto com Austin, que beija o topo da cabeça de nosso filho e o abraça. Enzo corresponde ao gesto, feliz pelo comportamento do pai. No entanto, ao notar a minha presença, o garoto se afasta de Austin e seu sorriso se amplia ainda mais.

— Mamãe! – Grita, correndo em minha direção. Abaixo-me para ficar a sua altura e sou recebida por um abraço amoroso de meu pequeno herói. – Papai e eu estávamos com saudades.

— Eu também senti saudades de vocês, por isso vim aqui. – Respondo, levantando-me com Enzo em meus braços. Eu sabia que Oliver me mataria se me vesse pegando peso, mas como eu poderia negar esse carinho ao receber tanto amor de meu filho? – Atrapalho?

— Você sabe que não. – Responde Austin, sorrindo discreto. Aproximo-me de meu marido e ele me beija os lábios, em cumprimento. – Você está bem? Está tão pálida.

Ele pega Enzo no colo e me observa com atenção, enquanto acaricia meu rosto. Fecho os olhos, apreciando o carinho proporcionado por ele naquele momento. Era como se meu marido soubesse exatamente o que eu precisava, pois não demora muito para que ele me puxe para me abraçar, enquanto ainda segurava Enzo em seu outro braço.

— Eu apenas estou cansada. Passei o dia presa no escritório, cuidando de diversos documentos. – Digo, enquanto inspirava o perfume agradável da blusa de Austin. Sinto Enzo acariciar minha cabeça, assim como eu sempre faço quando ele está doente. É inevitável não me sentir em meu lar nos braços de minha família.

— Não seria melhor você ir para cama? Você tem estado muito abatida esses dias. – Comenta Austin acariciando minhas costas. Ele encosta o queixo em minha cabeça e deixa um beijo em minha testa.

— Não. Quero ficar aqui com vocês. – Respondo, afastando-me apenas para encarar os olhos castanhos preocupados e tão parecidos de meu filho e marido. – Tudo que preciso para me sentir melhor é do carinho de vocês.

Austin então me solta e coloca Enzo no chão, que abraça a minha perna com o máximo de força que seus braços delicados e infantis conseguiam. O loiro que coloca as mãos ao redor de minha cintura, encara Enzo com um sorriso orgulhoso nos lábios. Ao notar que eu o encarava, meu marido desvia o olhar de nosso filho para mim.

— Tem certeza de que você está bem? – Insiste, analisando meus olhos. Balanço a cabeça, concordando e o beijo mais uma vez. – Eu te amo.

— Eu também te amo. – Sussurro em resposta, enquanto acaricio os fios castanhos dos cabelos macios de Enzo.

— Mais que chocolate! – Complementa Enzo, rindo e nos encarando com um sorriso divertido.

— Amo vocês dois mais que chocolate. – Respondo e o garoto ri ainda mais animado, quando me abaixo para enchê-lo de beijos. – Muito mais que chocolate.

— Eu também te amo muito mais que chocolate, mamãe! – Exclama o garoto, aos risos. Começo a fazer cócegas no pequeno, que não tarda a gargalha em meus braços. – Para...para...para mamãe! Papai! Me salva!

Enzo falava entre risos e erguia as mãos em busca de Austin, que se aproxima e ao invés de me afastar, como era o desejo de nosso filho, ele começa a me ajudar. Riamos juntos, apreciando a melodia que nós dois mais amávamos. Os risos de nosso filho. Aquele que apesar da pouca idade tinha um poder inimaginável sobre nós dois. A nossa maior ligação. E eu sabia que a criança que carrego dentro de mim também seria. Ela seria o nosso pequeno milagre.

Assim que cansamos de ri, nós três nos deitamos no tapete felpudo que havia no cômodo e observamos o teto com as estrelas fluorescentes que começavam a brilhar, conforme o dia ia chegando ao fim. Em silêncio, nós apenas aproveitávamos aquele momento nosso. Enzo deitado sobre Austin, aos poucos, ia se entregando ao cansaço do dia, sem qualquer preocupação.

Automaticamente, levo uma de minhas mãos a minha barriga, enquanto a outra se mantinha entrelaçada a de Austin. Naquele momento, eu não sentia dores, além de um leve incomodo e enjoo. Minha mente se perdia em diversos pensamentos, mas em nenhum específico. Em um estado de letargia, eu me focava em nada além das estrelas infantis no teto daquela sala.

— Me desculpe. – Sussurra Austin, surpreendendo-me. Viro-me para ele, em dúvida se eu estava ouvindo demais ou se meu marido havia mesmo se desculpado. – Eu exagerei ontem. Não deveria ter atacado Oliver e muito menos ter gritado com você, quando estava se sentindo mal.

— Não deveria mesmo. – Respondo, encarando-o de maneira desafiante. Ele bufa e ri, enquanto revira os olhos. – Mas não é como se eu já não tivesse me acostumado com o seu jeito impulsivo. Me desculpe por ter te chamado de irresponsável e egoísta. Eu sei que esse é o seu jeito de cuidar de mim.

— Prometo tentar ser menos impulsivo. – Fala o loiro e vejo seus olhos brilharem com sinceridade em meio a penumbra do cômodo.

— E eu prometo que tentarei ser mais compreensiva. – Digo e ele sorri, beijando-me em seguida. Levo minha mão a seu rosto e o acaricio. – Eu sei que está incomodado com o fato de que estou escondendo algumas coisas de você, mas por favor, seja apenas um pouco mais paciente. Eu apenas quero proteger a nossa família. E eu não quero entrar no mérito de quem deveria proteger quem ou em questão de confiança. Nós temos discutido isso há algum tempo e isso não tem nos levado a lugar algum. Eu prometo que serei sincera com você muito em breve, então será que pode me perdoar por ser tão covarde e esperar um pouco mais por mim? Eu odeio brigar com você.

— Eu também odeio brigar com você. – Ele suspira e coloca sua mão sobre a minha. – Mas também odeio o fato de que esteja suportando tudo sozinha. Eu me sinto inútil, Ally. É como se eu fosse apenas um peso morto para você.

— Você não é. – Garanto, sorrindo levemente. – Olhe para nós, Austin. Eu jamais teria conseguido reconstruir esse reino sem você. Olhe para nosso filho. O nosso menino é a criança mais doce e inteligente desse reino. E eu me sinto péssima por ser a pessoa mais ausente aqui. Mas você tem feito um trabalho maravilhoso como rei, marido e, o mais importante, como pai. Você é o melhor pai do mundo. Eu sei que às vezes exijo mais do que devia de você e lamento que tenha deixado de viver seus sonhos para se casar comigo e se tornar rei, mas...

— Eu não desistir dos meus sonhos. – Ele me interrompe e se afasta, voltando a encarar o teto do quarto, enquanto acaricia as costas de Enzo. – Eu apenas os modifiquei quando eu te conheci, Ally. É verdade que eu queria seguir uma carreira como cantor, fazer sucesso com a minha música, poder viajar pelo mundo com os rapazes da banda, mas eu não me arrependo de ter me tornado rei de Krósvia, de ter me casado com você.

“Ainda que eu diga que queria ser livre, que não aguento mais a pressão que passamos diariamente, eu falo tudo da boca para fora. Eu amo a nossa família. Amo ser pai de Enzo, de ser capaz de aproveitar esses poucos momentos que temos juntos sozinhos. Amo como nossos amigos estão sempre a ponto de nos deixar loucos. Mas essa é a minha vida, nossa vida. Foi a vida que eu decidi seguir no momento em que me vi completamente apaixonado pela princesa corajosa e que o objetivo ambicioso de ganhar uma guerra que durava há décadas.” – Austin sorri e com cuidado, coloca nosso filho entre nós. – E ainda que você seja a pessoa mais teimosa, super protetora e complicada que eu já conheci, você é a mulher com quem decidi passar o resto da minha vida ao seu lado. Então, mesmo que seja difícil, eu irei te esperar. E não se chame de covarde. Eu tenho orgulho de dizer que sou o marido de Allycia Dawson Moon, a rainha mais destemida de todos os tempos.

— Bobo! – Respondo, dando um leve tapa em seu braço, enquanto ele se ajeita ao lado de Enzo. Austin então passa seu braço por cima de nosso filho e de mim, puxando-me para mais perto. – Obrigada.

— Agora vamos aproveitar que ninguém ainda percebeu nossa falta e dormir. Nós precisamos muito disso. – Fala o loiro, fechando os olhos. Rio de seu comportamento e repito sua ação.

E sentindo o calor corporal de meu marido e filho, uma paz descomunal me atinge, fazendo meu corpo relaxar como há muitos dias não fazia, ainda que estivéssemos em um tapete no chão, sem o conforto de nossas camas, eu não poderia desejar estar em outro lugar que não fosse ali. No entanto, antes que eu pudesse me entregar ao sono que tanto desejava assim como Austin e Enzo, batidas na porta da sala se fazem presente e, em seguida, ela é aberta por Manu, que entra de maneira cautelosa.

Afasto-me de meu marido, com cautela, e encaro minha cunhada confusa. Ela sorri sem graça e analisa se deveria falar algo ou não. Dou um sorriso discreto a mulher e me levanto, Vou até o armário onde haviam alguns cobertores e cubro Austin e Enzo, antes de Manu e eu seguimos para fora da sala.

— O que houve? – Questiono, assim que fecho a porta.

— Desculpe atrapalhar o seu descanso. Se eu soubesse, teria vindo outra hora. – Lamenta a mulher, dando um sorriso envergonhado.

— Você sabe que não são assim que as coisas funcionam comigo. – Respondo, sorrindo. – Está tudo bem. Eu já tive descanso demais. E então? O que aconteceu?

— Eu tenho novidades sobre a entrada de armamentos ilegais no país. – Responde Manu, mostrando uma pasta que carregava em mãos, que eu não havia visto até o momento.

— Vamos para o meu escritório. Eu quero analisar melhor tudo o que você descobriu. – Sugiro e Manu assente, concordando.

Seguimos para o meu escritório, onde ainda estavam uma pilha de papéis sobre a mesa. Suspiro, cansada, imaginando que provavelmente teria que virar a noite para lidar com tanta papelada e mais uma vez teria que pedir a Austin que fosse em meu lugar nos compromissos fora do castelo. Afasto a papelada para o lado e pego a pasta que era estendida por minha cunhada.

— Eu também conseguir a filmagem de uma câmera de segurança próximo ao local onde ocorreu o assassinato daquele garoto e do cachorro. – Explica Manu, sentando-se de frente para mim. Ela coloca um pen drive sobre a mesa e me encara com seriedade. – E eu acho que você verá coisas bastante interessantes.

Fecho a pasta onde havia o relatório das atividades suspeitas nos últimos seis meses nas fronteiras do país. O olhar significativo de minha cunhada era o suficiente para eu saber que o que realmente importava estava naquele pen drive. Pego meu notebook e conecto o dispositivo, interessada no que Manu havia descoberto.

Assim que abro a pasta com as filmagens que a mulher havia me informado. Haviam mais de vinte vídeos na pasta, o que me faz suspirar, imaginando que teria muita coisa para assistir. Ao ver minha careta, Manu ri e se aproxima.

— Não precisa assistir. Assista apenas os três primeiros vídeos. – Recomenda a morena. – O primeiro se trata do dia em que ocorreu o assassinato da criança. Os outros dois foram vídeos que me chamaram atenção e eu gostaria de ter a sua opinião.

— Tudo bem. – Concordo, abrindo o primeiro vídeo.

Durante algum tempo, tudo que se aparece na tela são crianças brincando e a movimentação de pessoas indo para seus trabalhos. De repente, um carro preto estaciona em uma casa e nele descem duas pessoas que cobriam o rosto e estavam bastante agasalhadas. O carro vai embora e observo com atenção as duas entrarem de maneira desconfiada na casa.

- Avance até os quarenta e dois minutos, que é quando ocorre os tiros e elas saem de casa. – Avisa minha cunhada, atenta as minhas reações.

Faço o que ela diz e me surpreendo ao ver a movimentação. Por ser muito rápida a cena e estar distante do local filmado, eu não tenho muita certeza, mas eu tinha a impressão que os tiros haviam sidos disparados da cada da casa dessas duas mulheres. No entanto, assim que uma multidão se forma ao redor da criança e do cachorro atingido, elas saem correndo em direção ao carro novamente.

— Você conseguiu verificar a placa do carro? – Questiono, pausando o vídeo. Desvio meu olhar para minha cunhada, que balança a cabeça, concordando. Ela pega um papel na pasta e me estende.

— Se trata de um dos nossos carros. – Responde Manu e, em seguida, ela me estende a foto de um homem. – Esse é o motorista responsável por esse carro.

— Ele é o responsável por andar com Bárbara e Elena pela cidade. – Relembro, observando a foto do motorista.

— Sim. E o horário da imagem bate com o horário que elas deixaram o castelo no mesmo dia em que você e Bárbara brigaram. – Completa Manu, deixando claro que ela pensava o mesmo que eu sobre a presença da prima e tia de meu marido.

— Eu também tenho quase certeza que foram elas que atiraram na criança e no cachorro. Os tiros pareceram vir da casa em que elas estavam e a saída delas foi muito suspeita. – Comento e Manu assente, concordando.

— O que pretende fazer quanto a isso? Avisar os outros? – Pergunta Manu, curiosa.

— Ainda não. Vamos continuar investigando. Nós precisamos de mais provas e eu não quero que elas ataquem sem que eu esteja preparada. Eu ainda não sei o que elas estão aprontando e confesso que tenho suspeitas que elas possam estar envolvidas com outros inimigos. – Respondo, analisando o relatório de Manu.

— Por acaso esse inimigo se trata de Taynara Miller? – Pergunta minha cunhada, encarando-me com intensidade.

— Então você também acredita que ela esteja viva. – Comento mais como uma afirmação que uma pergunta.

— Taynara é quase como uma barata. Eu já a vi “morrer” diversas vezes para em seguida ela voltar para me assombrar. – Afirma a morena, suspirando em seguida. – Mas, muito mais que instinto, os próximos vídeos me fazem ter certeza de que ela está vida e ainda muito mais poderosa.

E com o comentário de minha cunhada, abro o segundo vídeo. Dessa vez, ele se passava em uma das fronteiras de Krósvia com Serafine. Uma mulher de óculos escuros e longos cabelos negros desce de um carro, atirando em alguns policiais que cuidavam do lugar. Em seguida, um novo carro aparece e são descarregadas algumas caixas do carro da mulher que vão para o do segundo indivíduo.

Após dá um sorriso ela se vira para a câmera de segurança, levanta o dedo do meio e atira, finalizando a gravação. Aquela com certeza era Taynara. A maneira petulante e provocativa combinava bastante com a mulher que quase levou meu reino ao fim.

No terceiro vídeo, um carro se aproxima de mais uma das fronteiras do país, mas dessa vez o motorista não desce. Um segundo homem se aproxima da janela do motorista e eles começam a conversar. O primeiro homem então entrega uma mala a pessoa com quem conversava e é então que eu finalmente consigo ver o seu rosto. Nesse momento, é inevitável não me sentir alarmada.

— Ally? – Chama minha cunhada, preocupada com a minha reação. Ela se aproxima de mim e encara o vídeo que eu assistia. – O que houve? Você por acaso conhece esses homens?

— Manu, chame Dez e Lawrence imediatamente. E prepare-se para uma reunião de última hora. Algo de muito ruim está para acontecer. – Peço, deixando a mulher com uma expressão ainda mais receosa em seus rosto. – Parece que a caçada mortal finalmente começou.