Deadly Hunt

Condenados


Eu costumava rolar os dados
Sentir o medo nos olhos dos meus inimigos
Ouvia enquanto a multidão cantava:
"Agora o velho rei está morto! Vida longa ao rei!"

Em um minuto eu segurava a chave
No outro as paredes estavam fechadas contra mim
E eu descobri, que meus castelos se apoiavam
Sobre pilares de sal e pilares de areia

Viva La Vida - Coldplay

Capítulo II - Condenados

֎

O som das botas de salto alto ecoava pelo galpão abandonado conforme nos aproximávamos do carro preto no centro do local. A escuridão noturna impossibilitava que visualizássemos com clareza os detalhes do depósito. O vento frio soprava contra as vidraças abertas, ocasionando em assobios fantasmagóricos.

Bárbara se encontrava ao meu lado, segurando minha mão com firmeza, tensa e assustada, no entanto, exibindo uma postura imponente. Barulhos de passos chegam aos nossos ouvidos, alertando-nos da presença de mais duas pessoas. Minha filha e eu paramos de andar e, em silêncio, esperamos que se revelassem.

– Pontual como sempre, Elena. – Taynara é a primeira a se manifestar. A escuridão, por alguns minutos, dá lugar a fracos feixes de luz, oriundos da lua, que entravam pelas frestas do galpão. Uma parte do rosto da mulher é iluminada, tornando-se possível observar seu sorriso malicioso e o brilho perigoso em seus olhos. – Agradeço por ter aceito nosso convite. – A voz de Taynara, apesar de angelical, soava como um silvo de uma víbora.

– Taynara. – Cumprimento a mulher, correspondendo ao sorriso. – Como eu poderia deixar de comparecer ao encontro de meus dois velhos amigos?

– Finalmente conhecerei sua preciosa filha, Elena. – Victor coloca-se ao lado de Taynara e sorri com falsa simpatia. Bárbara aperta minha mão com força e corresponde ao sorriso do homem. – Vejo que a garota herdou sua beleza.

A lua volta a ser coberta pelas nuvens e a escuridão volta a dominar o galpão. Durante alguns instantes, permanecemos nos encarando, analisando a expressão de cada um. Victor exalava confiança e sedução, enquanto seus olhos brilhavam com um misto de malícia e satisfação. O reencontro, após tantos anos, despertava um sentimento de ansiedade e expectativa.

– Os anos só lhe fizeram bem, Victor. Está mais bonito e ainda mais cavalheiro. – Digo, aproximando-se do casal. Bárbara, acompanha-me com cautela, como se não tivesse uma opinião formada sobre as duas pessoas a nossa frente.

– Obrigado. – Agradece o loiro, fazendo uma leve reverência. Ele encara Taynara, por alguns instantes, em uma conversa silenciosa e então faz um gesto discreto para a mulher.

Taynara pega seu celular e começa a mexer e a analisar as imagens que eram exibidas na tela. Estando satisfeita, a mulher caminha até a parede ao lado e aperta um botão, ligando todas as luzes do galpão. Após acostumar minha visão com a claridade, observo o lugar, admirando-me com a quantidade de caixas, armas, quadros e papeis espalhados.

– O que é tudo isso? – Sussurra Bárbara, impressionante.

– Esses são os nossos preparativos, querida. – Responde Taynara, puxando o pano que cobria uma grande mesa próxima ao carro, na qual eu não havia notado até então. Assim que a poeira abaixa, a morena faz sinal para que nos aproximássemos do móvel. – Apresento-lhes nosso futuro.

A superfície da mesa, na verdade, era uma grandiosa tela de computador, onde exibia fotos, mapas e relatórios de todos os tipos, além de vídeos, aparentemente, em tempo real de Krósvia e dos arredores do castelo em Füssen. A avançada tecnologia ainda era capaz de reproduzir as imagens em forma de hologramas.

– Impressionada, Elena? – Pergunta Victor, divertindo-se com minha surpresa.

– Você nem imagina. – Admito, sorrindo. – Vocês fizeram um bom trabalho.

– Tudo graças a seu patrocínio, Elena. – Fala Taynara, com um sorriso satisfatório nos lábios, sem desviar o olhar da tela do computador. – Pronto. – Sussurra a mulher a si mesma, exibindo todos os hologramas que desejava.

– Aproxime-se, querida. – Pede Victor, olhando com gentileza para minha filha. Bárbara me encara, desconfiada, e, após ver eu concordar, pega na mão que o homem havia estendido e se coloca ao seu lado. – Acredito que sua mãe tenha lhe explicado uma boa parte de tudo que viemos planejando nestes últimos dez anos.

– Sim. Minha mãe me contou que pretendem derrubar a coroa krosviana e assumir o poder daquele país medíocre. E eu não vejo a hora de fazer parte deste jogo. – Fala Bárbara, sorrindo com malícia, demonstrando-se estar mais à vontade com a situação. A seriedade com a qual falava parecia agradar tanto a Victor quanto a Taynara. – Somente não sei todos os detalhes desse plano.

– Infiltrar, conquistar e atacar. Lembre-se destas três palavras. – Diz Victor, enquanto se encaminha para o mapa que era exibido em forma de holograma. Apontando para a imagem da família real de Krósvia, o homem sorri e encara minha filha com determinação.

– O que quer dizer com isso? – Pergunta Bárbara, sorrindo com interesse.

– Amanhã, você e seus pais viajarão para Füssen para passar uma temporada no castelo de seu primo e esposa. – Explica Victor, indo para o lado de Taynara, que muda a foto de Austin, Ally e seu herdeiro para o mapa do Castelo Cristal.

– Infiltrar. – Diz minha filha, sorrindo, enquanto se aproxima do holograma do mapa, analisando cada detalhe.

– Isso mesmo. – Concorda Taynara, caminhando com elegância ao encontro de minha primogênita. – Enquanto estiver lá, você deverá seduzir Austin, de forma que ele dará ouvidos somente a você e mais ninguém.

– Conquistar. – Fala Bárbara, encarando Taynara. Vejo o brilho de satisfação nos olhos de minha filha. – Fazer do rei de Krósvia a minha marionete será divertido.

– Não pense que será fácil, garota. – Taynara agora se encontrava séria e, novamente, a foto da família real é exibida. - Ela é a nossa verdadeira inimiga. – A mulher aponta para Allycia, demonstrando que não estava brincando.

– O que a miss gentileza tem de tão perigosa assim? – Questiona minha filha, debochando da governanta de Krósvia.

– Bárbara, não se deixe enganar. – Digo, concordando com Taynara. – Allycia é muito mais que um rostinho bonito.

– Por que está dizendo isso, mãe? A senhora mesma disse que Allycia não passa de uma pedra em seu sapato. – Bárbara me encara com uma das sobrancelhas levantada, enquanto cruza os braços, insatisfeita.

– Bárbara, por que acha que esperamos dez anos para começarmos a agir? – Pergunta Victor, encarando minha filha em análise.

– Porque precisavam de tempo para planejar o domínio total de Krósvia, além de que vocês tinham que conseguir aliança e financiamento para conseguir jogar de igual para igual com a tecnologia que eles possuem. – Fala minha primogênita, dando de ombros. – Mas, o que isso tem a ver?

– Acredita mesmo que demoraríamos tanto tempo assim, se Allycia fosse uma governante qualquer? – Fala o loiro, rindo em divertimento. – Taynara ainda possui um grande número de aliados, mesmo após a derrota de anos atrás. Tínhamos dinheiro e influência, então por que não atacamos antes? Por que não aproveitamos que o governo estava fraco e a população ainda estava abalada emocional e fisicamente? – A fala mansa e penetrante de Victor faz minha filha calar-se, sem argumentos. – Você estava certa sobre um ponto. Realmente precisávamos planejar, mas não por falta de aliança ou financiamento. Diferente do pai ou de qualquer outro governante que esteve no poder de Krósvia, anteriormente, Allycia possui não somente força, mas inteligência e estratégia. Atingi-la não é tão simples e, acredite, ela é capaz de perceber o seu jogo em uma única conversa.

– Como sabe tanto sobre Allycia, se nunca a viu pessoalmente? – Questiono, curiosa.

– Da minha maneira, eu observei Allycia desde que nasceu. Taynara esteve próxima a toda a família real durante muito tempo. Além disso, eu conheci a mãe dessa garota muito mais do que a mim mesmo. Penélope e Lester a criaram como uma máquina. – Explica Victor, pensativo. – Edgar deveria tê-la sequestrado quando ainda era criança, mas deixou essa oportunidade passar por piedade.

– Piedade? Edgar tinha piedade? – Pergunto com ironia.

– Não diga coisas que você não sabe, Elena. – Taynara continha um brilho de raiva e maldade em seus olhos. Apesar do tom de voz ameno, ela parecia magoada e ofendida. Olho confusa para a mulher e ela desvia o olhar para Victor, que se encontrava com a feição amarga. – Edgar amava Penny. Se Lester não tivesse armado contra ele, provavelmente, Allycia seria sua filha.

– O que? – Fala Bárbara, surpresa. – Como assim?

– Quando Lester começou a maltratar seu filho, Penélope começou a ver o monstro que era seu marido. Ela e Edgar voltaram a se encontrar as escondidas, mas antes que meu irmão tivesse a chance de reconquistar a mulher que amava, aquele maldito iniciou uma série de armações, matou os pais de Penélope e fez parece que havia sido culpa de Edgar. Penny, é claro, preferiu ouvir aquele canalha e partiu o coração de meu irmão mais uma vez. – Conta Victor, com a raiva em seus olhos.

– Sentindo-se traído e desiludido, Edgar mudou por completo. Ele queria vingança e eu o ajudei. Victor o manipulou e eu me aproveitei disso. Edgar tinha tudo para ter ganhado aquela luta, se ele não tivesse se deixado levar por suas emoções. – Explica Taynara, pensativa. – Mas, agora, não cometeremos o mesmo erro.

– E isso quer dizer que devemos agir com cautela quando se trata de Allycia. – Completa Victor, encarando-me com seriedade. - Vocês deverão agir de forma rápida e precisa.

– Se ela é tão boa assim, como poderemos ataca-la sem que perceba? – Pergunta Bárbara, com curiosidade e cautela.

– Ela vai perceber. – Responde Taynara, dando de ombros. – Allycia notará suas intenções assim que você começar a colocar seu plano de conquistar o rei.

– E o que minha filha deve fazer então? – Questiono, confusa.

– Bárbara, você precisa conquistar a total confiança de Austin. Allycia é perspicaz, inteligente e observadora, por outro lado, seu marido é ingênuo e inexperiente. Use isso ao seu favor e crie intrigas entre Austin e Allycia. – Explica Victor, encarando o holograma a sua frente. – E quando o relacionamento dos reis estiver abalado e a ponto de chegar ao fim, nós devemos...

– Atacar. – Completa Bárbara, sorrindo.

– Exatamente. – Concorda Taynara, sorrindo. A morena caminha até o carro e pega uma caixa no banco traseiro. Ela e Victor trocam breves olhares e a mulher me encara com malicia, enquanto estende a caixa preta de porte médio em minha direção.

– O que é isso? – Pergunto, pegando o material e o abrindo.

Dentro da caixa havia dois celulares, chips de celular, presilhas, uma pulseira dourada, caneta e outros objetos que supus serem usados em espionagem, além de um cordão de ouro com o brasão da família real de Krósvia. Desvio meu olhar para Taynara e entrego o recipiente para minha filha, que a analisa com curiosidade.

– Vocês deverão nos passar todo o tipo de informação que conseguirem neste período em que permaneceram em Füssen. Como suponho que tenham notado, os objetos dessa caixa funcionaram como microcâmeras e escutas que estarão ligados diretamente ao nosso sistema. – Fala Taynara, cruzando os braços, enquanto nos observa. – O cordão que estão vendo deve ser entregue a Enzo. Certifiquem-se de que ele sempre o usará.

– O que ele é? – Pergunta Bárbara, admirando a joia.

– Além de rastreador, também serve como câmera e microfone. Tudo o que esse garoto disser ou fizer nós saberemos. – Diz Victor, pegando o cordão da mão de minha filha. Ele o aperta e depois o encara com atenção. – A maior fraqueza de Allycia é o seu desejo de proteger todos a quem ama acima de qualquer coisa. Se tivermos seu primogênito em mãos, teremos o reino de Krósvia ao nosso domínio.

– Pretende sequestrar a criança? – Questiono, surpresa.

– Algum problema quanto a isso? – Pergunta Taynara, com um olhar ameaçador e imponente.

– Não, nenhum problema. – Afirmo, dando de ombros. – Apenas estou surpresa com a audácia de vocês. Ferir o garoto pode desencadear consequências inimagináveis. Não sabemos dizer do que Allycia será capaz de fazer.

– E é com isso que eu estou contando. – Fala Victor, com um sorriso diabólico em seus lábios. Ele volta a aperta o brasão de Krósvia em sua mão e a encará-lo com um brilho indescritível em seus olhos. – Quero causar desespero, medo, ódio e loucura em cada pessoa que carrega o sangue Dawson e Moon em suas veias. Farei os reis de Krósvia e seus aliados implorarem por misericórdia. Terei o poder que um dia fora tirado por mim e que é meu por direito.

[...]

O dia ainda não havia nem amanhecido quando os empregados começam a colocar nossas bagagens no carro. Théo conversava com o primeiro-ministro de Elohim, David, e parecia insatisfeito por ter que se afastar por tanto tempo do reino. Bárbara estava pensativa e observava o céu ainda escuro de nosso país com o olhar distante. O inverno já havia chegado, mas o clima era agradável.

– Preocupada? – Pergunto a minha filha, chamando sua atenção.

– Não. – Bárbara sorri com confiança e pega em meu braço, suspirando sonhadora. – Você já imaginou como será incrível termos Krósvia em nossas mãos, mãe? Tanta riqueza a ponto de não conseguirmos calcular com clareza e de brinde faremos aquela gente irritantemente feliz de Krósvia sofrerem e beijarem nossos pés. Será maravilhoso poder me livrar daquelas pessoas que tenho tanto nojo.

– Tome cuidado, Bárbara. Lembre-se que seu pai não pode saber de nossas intenções. – Alerto a garota, que revira os olhos e balança a cabeça concordando. – E você deve...

– Usar tudo o que eu aprendi nesses últimos anos para ser capaz de enganar e seduzir o rei. – Completa Bárbara, sorrindo com discrição. – A senhora já repetiu essas recomendações diversas vezes, mãe. Sei o que fazer, então pare de se preocupar e confie em mim. Desejo o domínio de Krósvia tanto quanto você.

A determinação nos olhos jovens e brilhantes de minha filha demonstram a veracidade em suas palavras. Sorrio e respiro fundo, afastando o leve nervosismo que me assombrava. Olho para o primeiro-ministro de meu reino e sorrio, recebendo uma piscadela em resposta, enquanto Théo caminha com passos firmes em minha direção, sendo acompanhando pelo marechal Aaron.

– Aaron, por favor, não hesite em me contatar em caso de alguma emergência. – Pede Théo, com seriedade, ao militar à sua frente.

– Não se preocupe, Majestade. Dou a minha palavra que será o primeiro a saber caso algum incidente possa ocorrer. – Garante o marechal, sorrindo discretamente.

– Majestades, já estamos prontos para partir. – Avisa o motorista que nos levará para o aeroporto, assim que todas as bagagens foram colocadas dentro de um dos três carros que nos acompanhariam.

– Muito bem. – Concorda Théo, sorrindo agradecido para o motorista. – Até mais, Aaron.

– Até breve, Majestade. Façam uma boa viagem. – Despede-se o marechal, fazendo uma leve reverência a nós.

Meu marido acena para o primeiro-ministro e, após receber o falso sorriso simpático de David e uma reverência, abre a porta do carro para que nossa filha e eu entrássemos. Lanço um olhar significativo para o primeiro-ministro e entro no veículo logo depois de Bárbara.

Não demoramos a iniciar nossa viagem ao aeroporto. Observo a paisagem pela janela do carro, notando o belo amanhecer de Elohim. Ao meu lado, Bárbara pega algo de seu bolso e aperta o objeto com firmeza. Encaro minha filha com curiosidade e vejo uma parte do medalhão que será entregue ao herdeiro de Krósvia.

As lembranças da conversa na noite passada fazem um sorriso nascer em meus lábios. Vingança. Poder. Domínio. Palavras capazes de me conceder o futuro que foi tomado de mim graças a minha irmã mais velha. Com Victor e Taynara ao meu lado, dessa vez, nem mesmo Mirela será capaz de impedir que eu tenho, não só Serafine, como também, Krósvia, em meu poder.

– Elena. – O toque em meu ombro, desperta-me para a realidade. Bárbara e Théo me encaravam confusos. Noto, então, que aquela não era a primeira vez que meu marido me chamava.

– Disse algo? – Pergunto, olhando para Théo.

– O que há de errado? – Questiona meu marido, com um olhar observador. – Você está estranha desde ontem.

– Não foi nada. – Afirmo e, como resposta, Théo ri sem acreditar e balança a cabeça, negativamente. Vendo que eu não havia o convencido, suspiro e desvio o olhar para as minhas mãos. – Apenas estou preocupada em como meu sobrinho irá reagir com a nossa chegada. Não sei o que esperar de Allycia e Austin. E se não formos bem recebidos? Foi tão humilhante sermos mandados embora por aquela...aquela garota.

– Eu também estou preocupada com isso, papai. – Concorda Bárbara. – Sei que faz anos desde que eu estive em Krósvia, mas me lembro que da última vez não foi uma boa experiência.

– Não me venha com essa história, Elena. – Repreende Théo, fechando os olhos e balançando a cabeça, mais uma vez. – Você sabe que a culpa do comportamento de Allycia foi sua. Não se faça de vítima. Ainda me envergonho do que ela foi obrigada a suportar em consideração a Austin e Mirela. – Meu marido suspira e volta a abrir os olhos, encarando Bárbara e eu. – E você, minha filha, comporte-se. Apesar de parecer bobo, eu sei muito bem que vocês duas estão aprontando alguma coisa.

– O que é isso? Estou sendo acusada pelo meu próprio marido? – Théo sorri e nega, parecendo se divertir com a minha falsa surpresa. Ele me encara por um tempo e esboça um sorriso irônico.

– Papai! – Bárbara repreende o pai e me olha em descrença. – Como pode duvidar de nossas intenções? Não estamos aprontando.

– É inacreditável como você pode ser tão diferente de mim, Bárbara. – Comenta Théo, suspirado. – Tudo bem. Não direi mais nada, no entanto, continuarei de olho nas duas.

Dando o assunto por encerrado, o trajeto ao aeroporto foi acompanhado pelo silêncio. Eu sabia que meu marido não era ingênuo e que suas palavras não eram apenas ameaças, no entanto, ele não seria um grande obstáculo. Antes mesmo que tenha a chance de impedir meus planos, Krósvia estará sobre meu total domínio e, finalmente, conseguirei me livrar de Théo.

Assim que chegamos ao aeroporto, embarcamos e não demoramos a partir em direção a Krósvia. A viagem, apesar de ser somente de sete horas e o avião ser confortável, tornara-se cada vez mais cansativa a cada minuto passado. As notícias de nossa chegada ao país pertencente ao meu sobrinho despertavam incertezas na mídia e em toda a população krosviana. Inúmeros noticiários instigavam a curiosidade do país sobre nossa visita após anos e eu amava receber toda essa atenção.

Ao pôr do sol, nosso avião pousa em solo krosviano. O vento gélido do intenso inverno do país bate contra minha pele e, apesar de bem agasalhada, ocasiona em um arrepio em minha coluna. Suspiro, infeliz, por saber que nos próximos dois meses, eu teria de conviver com esse clima desagradável de Krósvia.

Como esperado, alguns guardas pertencente a monarquia krosviana já nos esperava no portão de desembarque. Assumindo uma expressão de simpatia e felicidade, atravessamos os repórteres que fotografavam cada movimento nosso e seguimos em direção a comitiva que nos aguardava para levar-nos ao castelo.

Bárbara observava com atenção cada detalhe da capital. Sua última visita ao país havia sido com dez anos, quando ocorreu o casamento entre Austin e Allycia. Seus olhos expressavam surpresa e admiração. Apesar de odiar seu povo, não podíamos negar a beleza de Krósvia e, por mais que detestasse admitir, Allycia havia feito um excelente trabalho no desenvolvimento do país.

A medida que nos aproximávamos do castelo milenar, mais era possível sentir a imponência da arquitetura de traços medievais. Mesmo com a baixa temperatura, inúmeros cidadãos estavam em frente aos portões do palácio a nossa espera, rodeados pelos guardas krosvianos.

O carro estaciona e, assim que a porta é aberta pelo motorista, o frio volta a nos atingir. Em frente à porta de entrada do palácio, Allycia e Austin esperavam-nos, com o primogênito ao lado e todos os irritantes amigos da realeza. Os longos cabelos chocolate da rainha cascalhavam por suas costas e mesmo exposta ao ar glacial, parecia não estar sendo atingida. Perfeita. Ela estava irritantemente perfeita e eu odiava isso. Seu sorriso doce, milimetricamente, calculado e o brilho gentil e inocente em seus olhos escondiam com maestria a personalidade forte e a afiada inteligência.

Encontrá-la após tantos anos só havia aumentado ainda mais o meu ódio pela jovem rainha. Olho para minha filha ao meu lado. Bárbara exibia, ainda que discretamente, o brilho enojado pela rainha assim como eu. Aperto sua mão e isso parece despertar um maior controle nos sentimentos de minha primogênita.

– Vamos? – Sussurra Théo, estendendo o braço.

Aquiesço e abro um sorriso gentil que não se assemelhava em nada aos meus sentimentos. Sendo protegidos pelos guardas da multidão que nos cercava, caminhamos com elegância em direção a família real. Bárbara sorria e acenava para algumas pessoas, demonstrando o carinho que a garota nunca teve por nenhuma daquelas pessoas que estavam a poucos metros de nós.

– Sejam bem-vindos de volta a Krósvia. – Fala Austin, sorrindo com gentileza.

Allycia solta-se do braço do marido e, após levantar de leve os dois lados do vestido, em uma reverência, ela se aproxima de nós, sorrindo simpática. Por alguns instantes, a rainha analisa minha filha. Bárbara a encara de volta com firmeza e disciplina de uma princesa, mas isso não parece agradar Allycia, que por alguns segundos, vacila em seu sorriso e olhar.

– Agradecemos a recepção. – Responde Théo, sorrindo para o sobrinho.

– Acredito que estejam cansados da longa viagem. Por que não entramos? – Sugere Allycia, lançando um olhar significativo para seu braço direito, Dezmond Wade. O homem balança a cabeça, concordando e, sem chamar atenção, segue em direção ao grupo de homens que estavam reunidos a alguns metros de nós. - A temperatura está cada vez mais baixa. Se continuarmos aqui, pegaremos um resfriado.

– Você tem razão. Entrar me parece uma excelente ideia. – Respondo, disfarçando a minha desconfiança.

A porta do palácio é aberta por dois guardas e a passagem é nos dada. Allycia pega na mão de seu primogênito e o conduz, sendo acompanhada pela cunhada, Emanuelle, as damas de companhia, Jade Khan e Patrícia Wade, e pelo marido. Por dentro, o castelo parecia ainda mais grandioso e bonito que por fora. Ainda que houvesse seus traços medievais, a decoração agora era mais atual e tecnológica. No topo da escada, em um quadro de grande porte, a imagem da família real krosviana era exposta de maneira imponente.

Ao chegarmos a sala de recepção, Allycia faz sinal para que nos sentássemos e se senta entre o marido e o filho. Assim que todos estão confortavelmente instalados, uma empregada aparece e serve chá e biscoitos para os presentes. Noto o olhar curioso de Enzo e sorrio para o menino, que me olha com ainda mais intensidade e aperta a mão de sua mãe com força. A rainha olha para o filho e desvia seu olhar para mim, procurando o que causara tal reação no garoto.

Vejo a mulher sussurrar algumas palavras para a criança, que sorri e concorda com a mãe, parecendo relaxar. Austin observa a cena com fascínio. Sinto o olhar intenso de Emanuelle, Jade e Patrícia, exalando confiança. Elas sorriem e tomam seus chás, trocando olhares significativos.

– Então esse é o famoso Enzo? – Pergunta Théo, incomodado com o clima pesado da sala. Allycia sorri e concorda. – Você parece bem maior desde a última vez que eu o vi, garoto.

– Diga oi para o tio Théo, querido. – Pede Allycia, sorrindo com carinho para o primogênito.

– Oi tio Théo. – Cumprimenta Enzo, sorrindo timidamente para meu marido.

– Ele é tão lindo. – Afirma Bárbara, alegremente.

Enzo encara Bárbara e no mesmo instante fecha seu sorriso. Notando a reação do filho, Austin arregala de leve os olhos e sorri sem graça. O rei tosse, forçadamente, e encara o garoto com repreensão.

– Não vai agradecer ao elogio, Enzo? – Pergunta Austin.

– Obrigado. – Agradece o garoto, com a expressão séria.

Bárbara sorri, sem graça, e me encara com preocupação. Eu sabia o que se passava em sua mente. O garoto não gostava de nós e isso seria um problema. Contávamos com a ajuda de Enzo para Bárbara conquistar Austin. Com o príncipe do lado da mãe, as coisas poderiam se tornar um pouco mais complicadas.

– Enzo, eu trouxe um presente para você. Espero que goste. – Fala Bárbara, colocando sua xícara sobre a mesa de centro e se levantando, enquanto tira do bolso a caixinha com o colar.

Com desconfiança, o garoto pega o embrulho, quando lhe é estendido, e o encara por alguns instantes. Allycia sorri para minha filha e acaricia a cabeça de seu primogênito. O garoto desperta de seu transe e encara a mãe.

– Obrigado. – Enzo agradece, novamente, após a troca de olhares que teve com a mãe. Ele olha para Allycia e com a confirmação da mulher, abre a caixinha, pegando o colar, em seguida, e o encarando com curiosidade.

– Reconhece o brasão, querido? – Pergunta Allycia, sorrindo.

– Esse é o brasão de nossa família. – Responde, ainda encarando o pingente.

– Muito bem, filhão. – Elogia Austin, fazendo o primogênito sorri, orgulhoso de si mesmo.

– Por que não o usa, Enzo? – Sugere Bárbara, com um falso olhar preocupado. – Não gostou?

– Gostei. – Responde Enzo, objetivo, desviando seu olhar da joia para Bárbara. Ele entrega o colar para a mãe, que o coloca no filho e acaricia sua cabeça, mais uma vez. – E então, mamãe?

– Está lindo. – Afirma, Allycia, sorrindo. – O mais lindo dos príncipes.

– Obrigado, mamãe. – Enzo abre um grande sorriso e pego o pingente para encará-lo, com orgulho.

– E como tem passado, Théo? Faz algum tempo, desde que nos enviou notícias. – Pergunta a rainha, encarando meu marido.

– Sinto muito. Fiquei tão envergonhado desde a última vez que visitamos Krósvia por tanto tempo, que preferi fazer contato somente quando necessário. – Explica Théo, sorrindo, envergonhado. – Confesso que pensei seriamente em desistir da ideia de virmos visitá-los.

– Não havia motivos para se afastar, tio Théo. – Fala Austin, pegando na mão da esposa. – O que aconteceu, ficou no passado.

– Apenas aproveite sua estadia em Krósvia, Théo. – Allycia sorri para meu marido. – Acredito que irá se surpreender com as mudanças que ocorreram por aqui nesses últimos anos com a nossa aliança.

Com a afirmação de Allycia, o assunto entre meu marido e os reis de Krósvia começaram a render. Vez ou outra, as damas de companhia da rainha faziam comentários ou brincavam com meu marido. Enzo ria com os pais e evitava dirigir seu olhar a Bárbara ou a mim.

Um compromisso surgiu para Allycia e Austin, após horas de conversa, e finalmente podemos ir para nossos quartos. Os luxuosos quartos tinham vista para o mar e uma parte da capital do país e um banheiro para cada aposento. Théo e Bárbara haviam saído com Lawrence Khan, um dos homens de confiança de Allycia para visitar a cidade, deixando-me sozinha no palácio.

Aproveitando a oportunidade de não ser interrompida, eu pego o celular que Victor havia me dado e deixo meu quarto, seguindo em direção a parte mais isolada e escondida do jardim. O frio era incomodo, mas aquele era o único lugar que eu não poderia ser interrompida por um empregado e não teria chances de ter minha conversa gravada. Nada impedia que Allycia tivesse colocado escutas e câmeras pelo quarto.

Ao chegar ao local desejado, suspiro, odiando o frio que fazia no momento. Procuro pelo contato de Victor ou Taynara, mas antes que eu pudesse realizar a chamada, ouço passos atrás de mim e me surpreendo ao encontrar o olhar gélido e intenso de Allycia.

– Visitando o jardim, Elena? – Pergunta a mulher, olhando-me com desconfiança.

– Algum problema, Allycia? – Questiono, fingindo estar preocupada, enquanto escondo o aparelho na manga de meu casaco.

– Já pode parar com a atuação. Somos as únicas aqui, então não precisa fingir que se importa ou que se tornou uma pessoa diferente. Sabemos que você não me engana. – Responde Allycia, se aproximando.

Sorrio, irônica e me aproximo mais, ficando de frente para a mulher. Seus longos cabelos chocolate voavam com o vento forte de inverno nos atingindo. Sua postura aristocrata demonstrava a segurança que ela tinha em si. A fala mansa e educada, não combinava em nada com o brilho gélido em seu olhar.

– Eu realmente te odeio. Você não imagina o quanto eu gostaria de te matar neste momento. – Afirmo, fazendo o sorriso de Allycia se alargar.

– Finalmente mostrou sua verdadeira face. – Diz, dando um sorriso discreto, satisfatório. Não demora muito para que sua expressão se tornasse sombria e perigosa. – O que veio fazer aqui?

– Pensei que você fosse mais inteligente. – Comento, sorrindo com ironia. – Acredita mesmo que eu vá te contar?

– Não, mas eu ainda tinha esperanças que você não fosse tão idiota ao ponto de negar me contar o que planeja. – O olhar ameaçador de Allycia, amedronta-me por um momento, fazendo com que eu desse alguns passos para trás.

– Acha mesmo que eu tenho medo de você? – Questiono, recuperando minha postura. Allycia ri e balança a cabeça, negando.

– Eu estou de olho em você e em sua filha, Elena. – Avisa Allycia, seriamente. – O que quer que planeje fazer, eu vou descobrir. – Ela se aproxima de mim e fica a poucos centímetros de mim. – Não duvide de mim. Assim como você fez comigo assim que assumi o trono de Krósvia, eu posso tornar a sua vida um inferno.

Antes que eu tivesse a chance de responder a sua ameaça, noto Dezmond se aproximando de nós. Sua expressão era séria e ele nos encarava com desconfiança. O ruivo usava o uniforme preto típico do exército krosviano e mesmo com o frio, parecia não se importar com a baixa temperatura.

– Majestades. – Dezmond faz uma leve revência, assim que nos alcança.

– Algum problema, Dez? – Pergunta Ally, encarando o ruivo com preocupação.

– Infelizmente, sim. – Responde o homem, com circunspecção.

– O que aconteceu? – O tom de voz sério de Allycia, faz Dezmond suspira e balançar a cabeça, insatisfeito.

– Majestade, os reis de Boise e Serafine acabaram de anunciar que os países estão em estado de alerta. Uma bactéria completamente diferente de qualquer uma que os cientistas tenham conhecimento está causando a morte precoce da maior parte das crianças e jovens dos reinos. E ao que tudo indica, o próximo país a ser atingido será Krósvia. – Explica Dezmond, cauteloso, prestando atenção em cada movimento de sua rainha. – Alguns cidadãos das cidades mais afetadas por essa bactéria ousam dizer que todos estão condenados.

– O que? – Sussurro, surpresa.

– Dez, convoque, imediatamente, uma reunião com os nossos melhores cientistas e médicos do país e com os líderes dos países que já se tornaram vítimas dessa doença. – Ordena Allycia, sem perder sua postura. – Quero saber tudo sobre essa nova bactéria. E peça para Austin me encontrar na sala de conferência.

– Como desejar, Majestade. – Concorda Dezmond, fazendo uma nova reverência e saindo logo em seguida.

Allycia me encara por alguns instantes, como se hesitasse em me deixar sozinha. Por fim, a mulher suspira e fecha os olhos, demonstrando cansaço. Ela se aproxima mais de mim e com a voz firme, sussurra em meu ouvido:

– Nossa conversa ainda não acabou. Ouse aprontar qualquer gracinha e eu não terei piedade de te mandar de volta para seu país da maneira mais vergonhosa que possa existir.

– Seu povo te espera, Majestade. – Digo, sorrindo com ironia.

Após me encarar por mais algum tempo, Allycia, insatisfeita, começa a seguir em direção ao palácio. Observo sua silhueta até a mesma se perder de meu campo de visão. Abro minha mão e encaro o celular, sorrindo. Procuro, novamente, o contato de Victor e inicio a chamada.

– Alô. Victor? Tenho ótimas novidades para você. O reino de Krósvia pode estar muito mais próximo da falência e do caos do que nós imaginamos.