Dead Memories.

Lá estava ela, andando pelos corredores com seu característico coturno desgastado. Mas devo confessar que ele era um charme visto sobre aquela calça colada as suas pernas, essas bem generosas, diga-se de passagem. Ela ainda usava seu blazer de couro preto, justo perfeitamente ao seu quadril largo e cintura fina, a barriga lisa exposta por conta do sutiã preto que usava por baixo do casaco. Ela adorava se vestir daquele modo... Provocante. E devo confessar que era mesmo uma marca dela. Seu público a amava daquele modo, com certeza, quem não gostaria? O olhar pesado, carregado a uma maquiagem escura, destacando seus olhos verdes escuros. Não posso deixar de mencionar sua boca rosada, carnuda inferiormente enquanto o lábio superior traçava um meio fio fino, chamativo. Tudo havia sido meu... Um dia.

– Quanto tempo... - Aquela voz marcante, é claro que eu não conseguiria simplesmente fugir de escutá-la naquela noite. Justo naquela. Fazia dois meses que eu não a escutava, e lá estava ela. Eu ainda não queria acreditar que nossa turnê havia se colidido, um mês na estrada rumo às mesmas cidades que sua banda. A minha e a dela. Diga-se de passagem, que ambas com o mesmo som pesado e sujo eram desejadas muito tempo a parceria.

Talvez esse fosse um dos maiores fatos que fizera me apaixonar perdidamente por aquela mulher. Seu jeito durão, sem deixar de ser feminino. Os cabelos pretos, tão longos quanto os meus. Sua voz gutural, tão potente quanto à de muitos outros. Ela era simplesmente perfeita. Sonho de consumo de muitos outros, é claro que isso não iria faltar. Ela era minha... Eu não consigo acreditar que já a tive em minhas mãos.

– Olá Elisha.

– Devo te dar um abraço, ou deixa pra lá?

– Acho que...

– Deixa pra lá. - sorriu de lado. Eu simplesmente amava seus lábios entortados aos cantos.

Saindo aos passos apressados pelo corredor espesso, ela se distanciou.

Não deixaria que a aproximação entre a gente acontecesse, eu sabia daquilo. Mas, ás vezes, ela tentava ser teimosa consigo mesmo. Talvez apesar de tudo, ela ainda sentisse minha falta, também pensasse como eu... Neste momento.

Estava me sentindo um idiota com toda essa admiração a uma pessoa que simplesmente não poderia mais existir em minha cabeça. Não éramos iguais, não éramos compatíveis nem se tentássemos, como havíamos. Ela nunca mais seria minha, assim como eu nunca mais seria dela. Não havia a menor chance.

– Você não me escapa hoje, Joey Jordison. - escutei sua voz me eletrocutar com um susto, enquanto suas mãos me puxavam pra dentro de meu camarim. Seu olhar carregado a malicia, enquanto encarava meus cenhos franzidos. Trancou a porta atrás de si, me fazendo sentir as minhas pernas vacilarem. Eu costumava sentir isso quando estava perto dela.

– O que você quer Acher?

– Eu ainda tenho seu sobrenome, sabia? O divórcio ainda não foi completado.

– Não precisamos de uma folha com nossas assinaturas para sabermos que não há absolutamente mais nada entre a gente. - falei do modo mais frio que consegui, por mais que fosse difícil. Ótimo, ela ia começar a jogar sujo. Envolver sentimentos a tudo aquilo, naquele momento era tudo o que eu menos queria.

– Não precisa fingir que não está tão arrependido quanto eu diante dessa situação, Nathan.

– Está arrependida? Deveria ter se sentido assim, ou pelo menos previsto, quando disse que não éramos nada iguais um ao outro. Aqueles três meses de turnê, Elisha, a sua turnê, significaram mais que dinheiro e pessoas te venerando... Você sabia que muita coisa ia mudar entre a gente.

– Você é inseguro demais, Jordison, esse é o seu problema. Eu não me casei com você para simplesmente largar mão de tudo por causa de uma turnê... Ou é isso que uma turnê significa pra você?

– Não seja idiota e muito menos coloque palavras a minha boca, Acher.

– Por quê? Não agüenta a verdade simplesmente? Você é um fraco Jordison, é uma pena que eu não tenha percebido isso antes de ter me casado com você. - E essas foram suas palavras finais, tão cortantes quando lâminas de gilete.

O estrondo da porta ecoou pelo backstage, me fazendo fechar os olhos para querer esquecer tudo que havia sido dito instantes atrás. Ela estava sendo sincera, eu a conhecia ainda, apesar de tudo. Mas quando se tratava de nós, alianças e shows marcados para o mundo inteiro, as coisas pareciam se complicar ainda mais. Era fato que não tínhamos tempo um para o outro, e por sermos fracos, sim ela também era, deixamos a distancia azedar tudo.

Quanta futilidade, por assim dizer. Ela era Elisha Acher, a Elisha Fucking Acher, que depois de um tempo passara a ser chamada de Elisha Jordison. Esposa do baterista mais foda de todos os tempos – como eu era nomeado agora.

Ainda me lembrava daquelas capas de revistas estampadas por todo o mundo. Éramos denominados um casal perfeito. Elisha e Joey Jordison. Não era isso que me cativava, não mesmo. Ela era a minha mulher e só eu nos conhecia para dizer... Que não éramos um casal perfeito, afinal.

Eu ainda a amava... Isso era o maior fato, mas eu queria simplesmente afogar aquele sentimento dentro de mim. Não queria escutar palavras frias mais uma vez; Não queria ter que adivinhar o que minha esposa estava fazendo todos os dias, durante meses, deitado no sofá da sala, assistindo a um filme, vendo encenações. Talvez também estivesse encenando quando se trava de nossas vidas juntas, numa casa comum de Des Moines. Ela havia se mudado por mim, ela havia colocado uma aliança em seu dedo por mim, ela havia largado outros por mim... Ela me amava? Será que apesar de tudo ela me amava?

Ela parecia não se importar tantas vezes que as coisas perdiam o rumo dentro de mim.



[FLASH BACK]

– Não Brian, não dá mais... Eu vou me casar.

– O quê?!

– Isso mesmo o que você acabou de ouvir... Eu aceitei o pedido de casamento do Joey, ontem. Eu o amo, Brian!

– Mas e a gente, Elisha? Sou eu quem ama você!

– Larga a mão de ser otário Synyster, você sabe que a gente nunca daria certo juntos... Dê valor a sua namorada, que eu dei ao meu, e esse anel em meus dedos significa mais que essas coisas sem sentidos que fazemos.

– Então é assim? Agora tudo é tão sem sentido pra você? Você é uma puta de uma desgraçada Elisha!

[flashback]


Aquelas palavras secas dela ainda podiam ser ouvidas por mim, por mais que fosse direcionadas a outra pessoa, do outro lado da porta. Ela não havia sido fiel a mim enquanto namorávamos, havia me traído com um cara que eu me simpatizava em reuniões musicais, por mais que não mantivéssemos contato. Talvez ela fosse assim, impulsiva, e sempre dissesse que não era igual a ninguém quando simplesmente enjoasse da pessoa. Talvez essa fosse sua estratégia no final das contas, mas comigo... Comigo ela havia feito durar demais. Eu havia subido ao altar com ela, mesmo sabendo as mágoas não haviam sido perdoadas pelo meu próprio interior; Porque talvez, de fato, eu a amasse mais que todas elas.

– Está tudo bem Jordison? - escutei a voz de James perguntar, enquanto me encarava ainda em pé e a meio fio daquele camarim.

– Está sim...

– É a Elisha, não é?

– Vocês escutaram?

– Desculpa lhe informar, mas acho que o backstage inteiro. - disse com pesar. Bufando me sentei num sofá qualquer ali, minha cabeça latejava. - Joey... Eu acho que você devia tentar resolver as coisas.

– Nem fala isso Jim... Não há nada que possa ser recuperado.


***


– Olha só se não é a Elisha Jordison, quer dizer, Elisha Acher agora, não é? - virei-me então para encarar o dono daquela voz inconfundível, cheia de sarcasmo. Seus braços cruzados na altura de seu peito forte, enquanto se mantinha escorado sobre a porta de seu quarto. É claro que essa turnê tinha que ser carregada de... Passado.

– Synyster Gates, o que faz aqui? - perguntei enquanto me virava para aproximar daquele, com um sorriso maroto sobre os lábios.

– Não é só você que tem uma banda Eli...

– Ah é, ouvi dizer mesmo que Avenged Sevenfold estava de passagem por aqui... Mas justo no mesmo hotel? Ai já é sacanagem.

– Sacanagem? Sacanagem é o que vai acontecer se eu te pegar de jeito e te arrastar pra dentro do meu quarto...

– Você não muda mesmo, não é Brian? Coitada da Michelle.

– Coitada nada, está com um anel invejável no dedo.

– Hm, então quer dizer que Synyster Gates se confinou a um casamento? Pois é, as coisas realmente mudam.

– Que tal uma despedida de solteiro particular, hein? - se insinuou me analisando dos pés a cabeça, maliciosamente. Não pude evitar rir.

– Vê se cresce Brian. - acenei enfim, me dirigindo novamente para o meu quarto. Estava precisando descansar, a minha dose problemática de Jordison hoje havia sido mais intensa que eu esperava.

– Posso fazer outra coisa crescer... - escutei sua voz ao pé do meu ouvido, enquanto suas mãos envolveram minha cintura descoberta. A porta de meu apartamento já estava aberta naquela altura, e não foi muito difícil para que ele me empurrasse pra dentro, trancando- a novamente atrás de si.

– Você não se cansa de correr atrás de mim mesmo, não é Gates?

– E você sabe que não resiste a mim, Acher. - disse meio aos beijos sobre meu pescoço.

Suas mãos não demoraram muito a empurrar meu casaco para baixo, fazendo-o cair no chão em questão de segundos.

– Esse seu jeito de se vestir para os shows, Elisha... Tsc tsc.

– Cala a boca Synyster e para de graça. Saí do meu quarto agora... Eu não quero transar com você.

– Mas eu quero e vou. - disse antes de atacar minha boca num beijo feroz. Sua língua colidia com a minha com violência, assim como nossos lábios eram sugados na mesma entonação. Meu corpo naquele momento já tinha sido puxado contra o seu, colando nossos troncos em apenas um movimento. Meus seios ainda cobertos, por sorte, sendo apertados propositalmente contra seu peitoral, também ainda vestido.

– Eu senti sua falta Acher... Devo confessar.

– Não fala merda Brian. - respondi também ofegante, procurando desesperada por ar. Ele sorriu de lado, abrindo meu sutiã violentamente, havia estourado os colchetes, com certeza. Aquela malicia agora havia carregado seus olhos à luxúria. Ele encarava meus seios descobertos, querendo os envolver com suas mãos, mas antes que isso acontecesse o empurrei, correndo até o roupão jogado sobre minha cama.

– Sai daqui Brian, está me deixando nervosa.

– Eu ainda nem te esculachei gata...

E depois disso ele arrancou sua camiseta num só movimento, se exibindo com aquele peitoral depilado, cheio de tatuagens e músculos. Nada daquilo me atraía mais no final das contas.

– Você me quer... Não devia negar.

– Você se acha demais Brian, esse é o seu problema. – falei indiferente, o encarando com tédio. – Agora deixa de palhaçada e vai embora.

– O quê? - perguntou incrédulo.

– Eu não vou transar com você Synyster, eu já te disse.

– Eu não sou seu brinquedinho, Elisha!

– E eu estou te dizendo que é por acaso? É você quem está correndo atrás de mim, que nem cão sedento por carne. Eu não quero mais nada com você, Brian, nem sexo casual... Já deixei isso claro ha muito tempo.

– Você nem o ama Acher...

– Você não sabe nada da minha vida, Brian. Saí daqui.

– Eu não vou até te ver de quatro na minha frente. Você não merece meu respeito, Acher.

– Então suma, porque você não merece nem a prostituta que come.

Falei em fim, lhe apontando a porta. Ele ficou em silêncio, engolindo em seco.

Não precisei dizer mais nada depois, ele apenas apanhou sua camisa, a vestindo e saindo a seguir, batendo a porta atrás de si.

Logo após me dirigi ao banheiro, sedenta por banho. Brian ainda insistia em tudo, tudo que não me fazia sentir atraída mais. Havia deixado tudo acontecer com ele tempo demais, e por causa disso, conseqüentemente, essas brigas sempre acontecem quando nos esbarramos por ai. Ele é um cara legal, simpático, divertido e não era só bom com as guitarras, mas nada era comparado quando se tratava daqueles sentimentos... Os únicos que me tornavam capaz de correr atrás apenas de uma pessoa, e eu tinha o feito hoje... Mais uma vez.

Eu o amava, amava meu marido, meu namorado... Estava prestes a perder aquela aliança que ainda estava sobre meus dedos, e o mundo parecia querer desabar a qualquer momento sobre minhas costas.

Ele não acreditava em nenhuma de minhas palavras, não confiava em mim. Talvez ele tivesse razão, eu era suja, suja demais para merecer aquele amor tão puro que fui capaz de receber um dia.

A água caia sobre meu corpo, apagando de mim todos aqueles toques que me fazia sentir ainda mais repulsa. Eu só queria os toques de uma pessoa, e ela simplesmente me odiava, me desejava o mais longe possível.

Doía... Pela primeira vez meu peito doía.


***

– Para, para! Essa passagem de som ta horrível! Joey o que está acontecendo? - Shawn perguntou ao ver que os erros vinham de minha bateria.

– Nada, vamos continuar.

–Não da pra continuar com você com a cabeça cheia desse jeito. Isso aqui ta uma merda! - Corey reclamou também, se aproximando.

– Acho que ele deveria ir pro hotel tomar uns analgésicos e descansar pro show. A gente consegue da um jeito aqui... - Chris propôs solidário. Não era só ele que percebera a minha falta de atenção, e o pior de tudo, era tão claro o motivo. Não era a primeira vez que eu me pegava em meio a pensamentos... Esses perturbadores.

– Olha Joey, eu não quero dar um de chato... Mas essa mulher ta acabando com você. Só não deixe que as incertezas façam com que as suas certezas simplesmente desapareçam. Você quem é dono daquela aliança no dedo dela, ninguém mais. As pessoas não sabem o que dizem, e o pouco que dizem é puro fruto de suas imaginações férteis. Elisha ainda é Jordison... Então pense bem. Ainda tem tempo para você tentar recuperar o que vocês dois deixaram o tempo ruir. - Shawn disse de uma vez, dando tapinhas gentis no meu ombro antes de se distanciar novamente. Talvez ele tivesse razão, era mais velho, conseqüentemente mais vivido. Mas não era tão fácil assim quando se tratava dessa Elisha Acher, como prefiro chamá-la agora. Há coisas que não podem simplesmente ser esquecidas, e sentimentos desagradáveis que ela já me proporcionou eram um deles.

Tomei rumo para o hotel, eu faria o que Chris falara. Aquele seria um dos shows mais importantes de toda a nossa turnê, e ter um baterista fodido eles não mereciam.

– Desculpa. - falei vagamente ao esbarrar com alguém pelo corredor.

– Hei Joey. - escutei me cumprimentar. Levantei minha cabeça para ver quem era, e não gostei muito, apesar de saber que ele não tinha culpa de nada.

– Ah. Oi Brian, como tá?

– Ótimo, acabei de ver Eli... - não pude evitar me remexer ao escutar aquilo, era desagradável. Ele não precisava ter contado. Senti apontadas indesejáveis em minha cabeça. - Ela não parece muito bem...

– Porque acha? - perguntei surpreendido.

– Não vou ser muito legal no que vou dizer, mas que a verdade seja dita. Eu gosto dela, Jordison... Ou pelo menos já gostei. Mas ela não está nem ai pra mim, nada a fez mudar de opinião. Talvez apesar de tudo ela não seja tão desgraçada assim... - disse rindo sem jeito. - Jordison ela ainda usa sua aliança... Ela não olha pra mais ninguém. Ela só quer você.

Não pude evitar ficar surpreso. Escutar isso de alguém com quem sua ex. mulher tivera um caso, o fazia parar para pensar. Talvez ele não fosse tão filho da puta assim.

– Você quem é o marido dela, não a deixe escapar por seus dedos Jordison. Muita gente daria tudo para estar no seu lugar. - disse enfim, se distanciando com um sorriso amigável.

Era fato que minha cabeça recebera apontadas mais intensas. Brian não era tão vilão no final das contas, e apesar de saber que minha esposa não era fiel, talvez também não fosse totalmente culpada por tudo. Deveríamos ter dado mais tempo para nosso relacionamento. Casar é um conceito muito forte quando se para pra analisar os fatos. Se prender a uma pessoa pelo resto da sua vida é complicado, por isso antes de tudo temos que ter absoluta certeza de que nos conhecemos bem, de que ela o ama mais do que tudo, tanto quanto você. Eu a amava, e ela também, no fundo isso era fato. Mas havíamos sido fracos, sim, eu admito, realmente fui. Não soubemos admistrar bem os nossos próprios dias juntos, as nossas próprias carreiras para que sobrasse tempo no final. Não tínhamos tempo para nosso amor, não tivemos tempo para nos acostumar com esta vida de casados... E agora eu entendia. Cada um era o fogo de si, e acabamos nos queimando por isso. Dávamos esperanças, mas era apenas ilusão. Ilusão porque éramos fracos demais para lutar contra tudo que pudesse nos afetar. No final das contas, nem o amor que sentimos um pelo outro foi forte o suficiente... E hoje eu percebo que nada em nós será forte o suficiente, nunca será. Não há nada que possa ser recuperado. A minha cabeça vai doer, a minha garganta vai sufocar... E meu peito sangrará por algum tempo, mas um dia passará. É fato que não podemos recuperar aquilo que deixamos o tempo amargar.



Um mês depois.


– Vocês podem assinar aqui embaixo e depois o processo estará terminado... - o advogado nos disse, apontando para as linhas abaixo daquele monte de papel sulfite grampeado. Eu não havia encarado Elisha ao meu lado desde que ela chegara, atrasada pra variar. Porém de esgoela vi seus cabelos presos de qualquer jeito, seus olhos cobertos por óculos escuros... E seu nariz vermelho, que denunciava o choro mais cedo talvez. Ela estava sentindo apesar de tudo, e eu naquele momento passava por monstro sem sentimentos. Era isso que eu estava me sentindo...

Analisando os papéis em minha posse assinei o primeiro, indo rapidamente para os próximos. Passando-a as folhas em seguida, tentei não esbarrar com seu olhar. Mas ela parecia também ter esse ideal para aquele momento, e o fez quase tão rápido quanto eu, com as mãos trêmulas.

Meu coração estava sendo dilacerado ao vê-la daquele modo, tão vulnerável. Nunca havia visto Elisha daquele jeito. Ela era sempre tão forte, independente, mas agora, mesmo que lutasse contra, estava baixando suas guardas... E através de óculos escuros e roupas pretas ela tentava se esconder, esconder sua dor.

Eu a sentia também, talvez tanto quanto ela, entretanto eu simplesmente não conseguia demonstrar nada para que ela transparecesse. Eu tinha certeza de que quando estivesse novamente dentro de quatro paredes, tudo iria desmoronar. Como sempre acontecia naquele quarto que um dia foi nosso.

– Tudo certo agora. O divórcio foi completado. - o velho de meia idade voltou a dizer, sorrindo.

Era patético enxergar uma face sorridente diante daquele momento, mas eu entendia que sua alegria enquanto ao dinheiro que havia ganhado era particular.

Ela assentiu para ele enfim, pousando a caneta pesadamente sobre a mesa coberta por uma camada de vidro escuro. Pela primeira vez naquelas horas em que estávamos dentro daquele escritório, eu a fitei. Ela também o fez, com a expressão tão morta quanto a minha, talvez as lentes escuras lhe ajudassem naquilo. Tirando o anel em seu dedo sem nenhuma dificuldade ela colocou a minha mão, saindo em seguida. Um adeus silencioso. Lágrimas cálidas me deixando cego. Hemorragia interna. Ela seria novamente a famosa Elisha Acher, enquanto eu nunca mais a teria como minha Elisha Jordison.

Fiquei ainda um tempo ali, encarando sua fumaça. Eu precisava restabelecer minhas pernas, essas que tremiam feito vara verde. O advogado me encarou depois de alguns minutos, intimidador. É claro que ele não queria um corno abalado sentado na cadeira desconfortável de seu escritório a tarde inteira, então juntando as forças que eu ainda podia ter me levantei acenando vagamente para ele.

O corredor espesso, com as paredes pintadas a gelo me causava calafrios. Eu só queria chegar a minha casa, deitar em minha cama e dormir. Eu precisava me esquecer desse dia, ele foi cruel demais.

O elevador por meu agrado já estava naquele andar, e não demorou muito para que eu chegasse ao térreo. Por sorte eu e Elisha conseguimos manter tudo em sigilo, e pela primeira vez em tudo que fizemos juntos, não havia tumulto nos cercando. Era confortador me deparar com isso, já que ter nossas imagens em revistas daquele modo detonado em que nos encontrávamos não iria ser boa coisa, por mais que eu não me importasse. Apesar de tudo isso, eu sabia que no final do dia coisas boas não serão ditas a respeito de tudo que ocorrera hoje, já fazia meses que falavam sobre o casal perfeito-não tão mais em crise.

Ao passar pela porta giratória da entrada do prédio luxuoso, enxerguei movimento de pessoas desesperadas, talvez fosse um acidente. Coloquei meus óculos escuros, cobrindo meu rosto parcialmente com o capuz da minha jaqueta de moletom, logo após. O elevador e as câmeras aquele dia estavam ao meu favor, mas não aquela aglomeração de gente, porque afinal o meu carro estava estacionado do outro lado da rua, e para que eu pudesse o pegar finalmente, teria que passar por ali.

E os meus passos foram apressados, para dar lugar à agonia. Os meus sentidos foram falhando aos poucos; A respiração faltou, e o peitou apertou, se é que já não estava fechado, sangrando. Ao lado aquela bolsa característica, aquela bolsa que eu reconheceria em qualquer lugar, já que eu sempre a encontrava jogada pelos sofás de casa... Aqueles sapatos que houvera ganhado de aniversário da minha irmã... Aquele sangue que eu não queria ver derramado. Era Elisha o centro das atenções, era por ela que eles pediam ambulâncias o quanto antes. Ela estava sangrando demais, ela estava muito machucada.

– O que aconteceu com ela?! - gritei para quem quer que tivesse a resposta para me dar.

– Ela foi atropelada por um cara... Mas ele fugiu. - um senhor me contou, analisando minha feição desesperada. - Você a conhece? - perguntou também aflito.

– Ela é minha esposa! - gritei mais uma vez, vendo todas as atenções se dirigirem a mim agora. Não, ela não era mais desde minutos atrás. Mas naquele momento eu não me importei em responder o que quer que tenha vindo primeiro em minha mente. No final das contas, eu ainda não tinha perdido o costume de chamá-la assim.

– A ambulância já está vindo, se acalme...

– Mas ela está sangrando muito!

– Ela bateu a cabeça, deve ter cortado... Só não mexa nela, pode complicar. - uma mulher se manifestou, se agachando ao outro lado de Elisha, esta que estava desacordada. - Sou enfermeira... Não se preocupe, sei o que estou dizendo.

– Hey cara, não é a Elisha Acher?! - escutei mais distante uma voz, essa de um garoto aparentemente de dezesseis anos. Ele apontava o corpo dela para o amigo ao lado, que confirmou. Era Elisha Acher morrendo a meio fio de uma Avenida em Des Moines... Era Joey Jordison a meio fio de uma rua vendo sua ex. mulher morrer no mesmo dia em que tinham se divorciado... Definitivamente.

– Joey Jordison! - E não demorou muito para aqueles mesmos garotos me reconhecerem também. E eu não me importei, nada me importaria até que os paramédicos chegassem e salvassem a vida daquela mulher já pálida a minha frente.

Cerca de dez minutos depois, estes que mais pareceram horas, a ambulância apareceu veloz e estridente por ali, parando bruscamente próxima ao local. Não havia acordado ainda, e aquilo me desesperava. Era normal? Eu não sabia, e aquela enfermeira que a todo instante checava seus pulsos não me confortava muito. Ela também estava preocupada, eu podia ver, mas tentava manter controle para que eu não saísse do meu próprio por completo. O que fora vago, já que depois de mais alguns minutos ela estava mobilizada numa maca, desesperando os próprios que tentavam se arrancar dali o mais rápido possível. Ela estava morrendo... Eu podia sentir.

– Você vai acompanhá-la? - a mesma mulher que dedicara seu tempo para supervisionar Elisha me perguntou e sem responder ou ao menos pensar, eu já estava dentro daquela ambulância, que se arrancou veloz e com as sirenes descontroladas.

Eu não estava me sentindo bem. As minhas veias estavam saltadas, minha mão tremia. Eu enxergava tudo turvo, e não conseguia discernir nada do que estava acontecendo ali. Eu só tinha uma certeza, uma parte de mim também estava ferida naquele momento.



3 horas depois.


Aquele cheiro de hospital me causava náuseas. O gélido vindo dos corredores pintados de branco fazia-me encolher de frio, ainda sentado naquela cadeira a espera de alguma notícia. Desde que eu chegara com ela ali a única coisa que eu sabia era que estava dentro de uma sala de cirurgia... Ainda.

– Joey vai comer alguma coisa ou tomar um café, sei lá cara. - Shawn disse, cruzando os braços. Todos já sabiam do que acontecera com Elisha e naquele momento dentro daquele hospital eu não estava mais sozinho, o que de algum modo me deixava mais amparado.

Eu não respondi a ele, não queria ser rude ou algo do tipo, mas eu não conseguia nem mesmo controlar aquele nervosismo dentro de mim, o quanto mais organizar algum tipo de resposta em minha mente.

Nenhuma enfermeira aparecera, nem um médico ou qualquer outra pessoa que fosse... Os ponteiros do relógio não saiam do lugar, e eu já estava beirando a ter um colapso nervoso.

– Senhor Jordison?- mas parece que minhas preces finalmente foram atendidas.

– Como Elisha está?

– A cirurgia foi terminada com sucesso... Mas temos noticias não muito agradáveis. Por favor, pode me acompanhar até meu consultório?

Sem pensar duas vezes segui a doutora, sentando-me em uma das cadeiras desconfortáveis logo a frente de sua mesa.

– Elisha teve sérios problemas na área cerebral - ela começou pegando um laudo de raios-X para mostrar-me alguns pontos ali, que pra falar a verdade eu não entendia o que significavam. - A batida em sua cabeça foi muito forte e com isso ela sofreu amnésia traumática. A desaceleração no momento da colisão fez com que o cérebro fosse jogado violentamente para frente e para trás e se chocasse com a parte óssea da cabeça, perdendo parte de sua memória. Portanto quando ela acordar se lembrará apenas de uma parte de todas suas lembranças. Eu sinto muito, mas é uma seqüela conseqüente do acidente, não pudermos fazer nada a respeito.

Era como se balas tivessem atravessado meu corpo em sincronia, me esburacando em todos os lugares possíveis. Elisha havia perdido a memória... E se ela não se lembrasse mais de sua banda? Como ficariam seus amigos, seus fãs? Sua própria carreira iria abaixo. E se ela não se lembrasse de nada do que um dia passamos juntos?

Agarrei meus fios longos, e não pude conter a lágrima e o grito estridente que ecoou pelo corredor inteiro, com certeza. Nada me curaria a partir deste dia... De um jeito ou de outro, uma parte de Elisha havia morrido.

Senti mãos segurarem meus braços, enquanto eu era arrastado aquele consultório a fora. Minha visão já não era tão perfeita mais, e eu enxergava apenas borrões; Eu iria apagar a qualquer momento... E antes que isso acontecesse definitivamente, tive tempo de sentir uma agulha me furar.



Uma Semana Depois


Sua aliança dourada, pequena para suas mãos delicadas, rolava entre meus dedos. Aquele cheiro de hospital havia me feito acostumar a ele; Aquela cadeira desconfortável havia acostumado meus ossos a reclamarem cada vez que eu me levantava; Meus olhos haviam acostumado a suportar vê-la deitada naquela cama, ligada a aparelhos. Elisha não havia acordado depois da cirurgia, e os médicos esperavam que um coma acontecesse. Entretanto as possibilidades não haviam sido ditas a mim, e lidar com aquela situação fora a única coisa qual eu não me acostumara.

Nessa altura o mundo já estava sabendo o que havia acontecido com Elisha Acher; Desde seu divórcio até o acidente e perda da parte de sua memória. E pra falar a verdade nem eles sabiam lidar direito com a situação, principalmente os fãs de sua banda. Mas naquele momento eu não conseguia me focar em dar notícias para a imprensa sobre minha ex. mulher, como tanto me atormentavam.

Deixei a aliança cair ao chão e me agachei rapidamente para pegá-la, sentindo uma mão segurar meu pulso...

– Joey? - ela tentou dizer, fraca.

– Elisha?

– Onde estou? - ela se lembrava de mim.

– Eli... Você está no hospital, querida. - lhe contei aflito, me aproximando.

– O que aconteceu comigo? - ela já estava se desesperando, e antes que isso acontecesse de fato, passei minhas mãos por seus cabelos.

– Você sofreu um acidente... Ficou de coma por uma semana.

Seus olhos estavam estalados a minha direção, tentando enxergar tudo ao seu redor. Mas as sondas que haviam sido colocadas nela a impediam de enxergar o lugar onde estava, a deixando ainda mais nervosa com tudo que acontecia. Talvez não se lembrasse do acidente, talvez não se lembrasse do motivo de ter saído pelas ruas a passos apressados, como com certeza deveria ter feito.

– Vou chamar os médicos, querida. Não se mexa.

Sai correndo pelo corredor espesso, gritando pelos enfermeiros. Não demorou muito para que algum deles percebesse minha movimentação, e logo após três já estavam em volta dela, analisando-a. Tive que esperar do lado de fora, tentando controlar minhas mãos tremulas. Nada explicava o que eu estava sentindo naquele momento... Alívio, nervoso, medo de alguma coisa ainda estar errada... Porém, nada tirava o fato de que ela se lembrava de mim.


1 hora depois.


– Senhor Jordison, ela está pedindo para que vá até seu quarto. - sem me importar com os olhares que se prensaram contra mim naquele momento, me levantei e caminhei rapidamente até o lugar. Ela estava sentada, sem os aparelhos em sua volta, e aquilo me confortou de um modo que um dia eu acharei palavras certas para lhe explicar. Ou talvez não tivesse, definitivamente, nada que pudesse expressar o sentimento transmitido através daquele sorriso que fora lançado em minha direção, assim que passei pela porta.

– Hey... - ela falou fraca, me estendendo os braços. Ela queria-me em volta deles... A abracei como nunca havia feito antes, talvez sim, no dia de nosso casamento, mas a intensidade era diferente. - Eles me disseram sobre o acidente... Mas falaram também que ha uma coisa que só você pode me contar... O que é?

Minha expressão não demorou muito para morrer ao escutá-la.

– Ér... Podemos conversar sobre isso outra hora, amor... Você ainda está muito cansada.

E as expressões dela também não demoraram a se desfazer numa mais séria.

– Não Joey, me conta o que aconteceu... Porque eu não consigo me lembrar do acidente? Eu bati a cabeça, foi isso? - mas ela já desconfiava no final, e talvez aquilo me ajudasse a falar o que eu tinha que dizer.

– Sim... E teve uma lesão em seu cérebro, perdendo parte de sua memória.

– O quê?

– Se acalme... Eu estou aqui.

– Porque eu fui atropelada Nathan?!

– Porque você estava meio fora de si quando saiu do prédio...

– Que prédio?

– Da advocacia.

– Fala logo o que eu estava fazendo lá!

– A gente estava se divorciando, Elisha.

Não havia mais expressões decifráveis em seus olhos, nem em cada traço de seu rosto. Ela ainda estava absorvendo o que eu havia acabado de lhe contar, e eu estava temendo o que viria a seguir, quando ela finalmente entendesse tudo.

– Porque estávamos nos separando? - perguntou enfim, com a voz falha enquanto encarava algum ponto vago em qualquer lugar daquele quarto, que parecia diminuir mais a cada segundo.

– Porque me traiu Elisha.

– Isso não é verdade... - defendeu ríspida.

– Com o Brian. - completei enfim, vendo-a franzir o cenho.

– Quem é Brian, Jordison?! Dá pra me explicar direito tudo isso?! Ou... Se for uma brincadeira sem graça, por favor, pare com isso agora! - gritou de uma vez, com sua voz potente.

– Eu nunca brincaria com uma coisa dessas Elisha...

– Não é possível que tenhamos nos separado... A gente era feliz não era?! Eu nunca assinaria nosso divórcio, Joey!

Aquilo foi como fisgadas em meu peito. Ela já chorava e eu queria fazer o mesmo naquele momento, mas eu não podia; sinceramente não podia, tinha que manter o controle por ela. Ela não havia se recuperado totalmente ainda, e eu tinha que pensar naquilo antes de desatar a falar que ela fora infiel comigo desde quando ainda éramos apenas namorados.

– Descansa Eli... Amanhã eu volto para conversamos melhor. - falei enfim, sem me importar com os seus gritos repreensivos que ecoaram. Fechando os punhos e olhos, sai por aquela porta ignorando os olhares intensos em minha direção.

– Aonde vai Joey? - escutei a voz grossa de Corey me perguntar, enquanto eu quase corria pelos corredores.

– Eu tenho que tomar um ar!

– Ela não se lembra de você? -perguntou aflito, sendo acompanhado pelos outros, que também começaram a me olhar do mesmo modo.

– Lembra... Mas não lembra que nos divorciamos. - falei enfim, com a voz falha. Eles franziram o cenho, confusos. - Eu não sei o que eu faço! - falei desesperado, os olhando apreensivamente. Eles se aproximaram logo após.

– Pode ser uma chance para você recomeçar, Joey. Não fuga.


Dia seguinte.


– Onde está a minha aliança? - ela perguntou enquanto arrumava suas coisas para desfrutar de sua alta.

– Ela está aqui... - mostrei o dedo do meio a ela, que revirou os olhos. - Desculpa... Foi onde coube.

– Vai pro inferno Jordison.

– Bom saber que os velhos costumes você ainda se lembra...

– Mais uma vez vai pro inferno.

Disse ríspida me lançando sua mala. Bufando eu a peguei, pronto pra ir para casa... Para a nossa.

Tudo que tinha que ser, foi dito. Todas as chances que haviam para serem aproveitadas, haviam sido. Ela tinha minha aliança em seu dedo novamente, e as palavras repreensivas do modo de Elisha Acher não me saiam da mente desde a noite passada: "De volta para essa porra de dedo porra de anel, onde nunca deveria ter saído da porra desse lugar"

Ela havia voltado a ser como antes, quando eu a conhecera. Sua paixão por mim transparecendo, me confortando.

Talvez tenha sido de propósito aquele acidente... Aquela perda de memória. Ela havia tido sua chance de recomeçar, acima de tudo recomeçar comigo. E eu com ela... Não a deixaria escapar pelos vãos de meus dedos mais uma vez.


Três meses depois


– Oi Elisha... Vejo que já se recuperou. - escutei uma voz desconhecida próxima a mim no corredor do backstage, que eu andava as pressas para meu show que iria começar a qualquer momento. Eu estava ansiosa para subir aos palcos novamente, depois de tudo o que havia acontecido.

– Ér... Oi... E você é? - perguntei franzindo o cenho, encarando o rapaz alto de cabelos negros me encarar com expressões indecifráveis. – Desculpa, eu não me lembro de você.

– Ah sim, sou Brian... Um admirador apenas. Sou guitarrista do Avenged Sevenfold.

– Ah sim, já ouvi falar. - me aproximei sorrindo, lhe apertando as mãos. - Prazer em te conhecer Brian. - disse enfim, antes de me distanciar novamente.

Aquela multidão gritava a todo vapor e antes que eu pudesse aparecer para eles, fui em apenas uma direção. Aquela pessoa baixa de cabelos compridos que me encarava com os braços cruzados.

– Quem era aquele cara? – perguntou ao meu ouvido enquanto me abraçava.

– Não faço a mínima idéia... Disse que era um admirador apenas, baixista do Avenged Sevenfold.

– Ele é guitarrista... – frisou.

– Ah sim, é mesmo. – dei de ombros, selando nossos lábios.

Despedindo daqueles olhos azuis acima de tudo, apareci para todas aquelas pessoas elétricas, gritantes, tanto quanto o meu coração estava naquele momento, enquanto era observado por seu verdadeiro dono.


Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.