Dead Island

Terra solitária


— É O QUÊ?

Joohyun afastou o celular do ouvido, assustada.

— Seulgi, menos! Até seus vizinhos devem ter te escutado.

— Danem-se os vizinhos. Que história é essa de viajar amanhã? Eu tinha feito planos, sabia?

— Não, eu não sabia. Talvez você pudesse começar a considerar a hipótese de me contar quando pretende me arrastar para fora de casa.

— Eu não disse que você estava inclusa neles. Agora eu vou ter que cancelar pra ir com você até o aeroporto.

— Essa doeu. Não precisa cancelar nada, não precisa ir comigo. Não é como se eu estivesse indo morar fora, você sabe.

— Quero falar na sua cabeça quantas vezes for possível sobre o quão asno você está sendo. Talvez uma hora você entenda. E vou fazer questão de fazer isso nos piores momentos possíveis.

— Minha mãe vai te odiar.

— Ela já odeia. E não é como se eu me importasse com a sua mãe.

— Você é uma pessoa lamentável, Kang Seulgi. Ligar para o mundo faz bem às vezes.

— Jura que é VOCÊ a pessoa que está me falando isso? Que bem faz ligar para o mundo, mas não para si mesma?

— Não começa...

Joohyun levantou a sobrancelha ao ouvir uma voz desconhecida, tão perto do microfone que a pessoa deveria estar praticamente colada à Seulgi.

— Com quem está falando, Kang bear?

Falhou ao segurar a risada e sabia que Seulgi estava corando ao outro lado da linha, pôde ouvi-la limpando a garganta antes de abafar o celular pra responder a pergunta de quem quer que fosse e voltar rapidamente. Não podia perder a chance e falou antes que ela pudesse se manifestar.

— E então, Kang bear, sobre a minha mãe...

— Oh, cale a boca!

Joohyun riu alto. Gostava desses momentos com Seulgi. A faziam sentir-se viva, até mesmo feliz por instantes.

— Eu vejo você amanhã. Preciso arrumar as malas e confirmar a viagem com Sehun.

— Te desejo uma péssima noite.

— Não desejo o mesmo porque sua acompanhante não merece uma noite ruim só porque a namorada é irritante. Aproveite bem, Kang bear.

Mais uma vez deu ênfase no apelido e desligou antes que Seulgi dissesse mais alguma coisa, provavelmente a mandasse para um lugar que ela definitivamente não queria ir.

Suspirou ao voltar a atenção para as duas malas sobre a cama. Sua mãe sequer se dera ao trabalho de lhe dizer quanto tempo duraria a tal viagem, precisou descobrir checando a data das passagens. Duas semanas. Seria capaz de suportar duas semanas perto de um quase desconhecido? Seria capaz de se abrir, como Sehun esperava que fizesse?

Certamente não.

Mas não se permitia negar.

Correu os dedos pelos cabelos e fechou os olhos momentaneamente, recompondo-se. Digitou uma mensagem rápida para Sehun e deixou o celular sobre a cômoda, virando-se para enfim começar a arrumar as malditas malas.

***

Sentada no saguão de embarque, Joohyun aguardava em completo silêncio a chegada de Sehun. A viagem até Boryeong-si não era demorada, apenas três horas de carro, mas as passagens compradas pela mãe de Joohyun eram aéreas. Estariam em Muchangpo em uma hora, e a viagem fora programada para a parte da manhã, mais uma vez por sua mãe. Segundo ela, esperava que ambos aproveitassem o máximo de tempo possível na pequena cidade. O voo sairia em vinte minutos e Sehun não havia dado sinal de vida, sequer respondera sua mensagem. Começava a ficar nervosa. Ele não podia deixá-la ir sozinha para um lugar desconhecido.

Seulgi tampouco aparecera. Alguns minutos antes recebera uma mensagem de um número desconhecido, provavelmente sua namorada ou sabe-se lá o que ela era para Seulgi. Joohyun não entendeu muita coisa porque a mensagem fora escrita em inglês, cheia de abreviações e claramente às pressas. Tudo o que conseguiu entender com seu inglês ruim foi que a loira havia se metido em problemas com os pais e a outra garota estava no meio disso também. Joohyun teria rido, se não estivesse preocupada com a amiga. Sempre soube que suas “pequenas aventuras” iriam lhe trazer problemas. Mas o que lhe deixava intrigada era o fato de a garota ser claramente estrangeira. Sua curiosidade atingira níveis alarmantemente altos, e Seulgi teria de lidar com Joohyun em sua cola quando voltasse dessa viagem.

Verificou as horas mais uma vez, dez minutos para o embarque. Até mesmo sua mãe parecia desconfortável com o atraso de Sehun, e andava de um lado para o outro pelo saguão. Seu pai não fora ao aeroporto.

Quando faltavam apenas cinco minutos, um homem apareceu correndo pelo saguão, escoltado por seguranças por se tratar da sala de embarque. Ele parou em frente à Joohyun, ofegante, as mãos sobre os joelhos.

— Me perdoe pelo atraso, Bae Joohyun-sii. Eu deveria ter chegado antes que entrasse na sala de embarque, mas não pude por conta do trânsito... - Ele recuperou o fôlego e aprumou a postura antes de continuar. - Eu sou o assistente pessoal do Sehun hyun... sii. Meu nome é LuHan. - Fez uma breve reverência e recebeu outra de uma confusa Joohyun. - Ele só pôde ler a sua mensagem hoje pouco depois de acordar, e houveram problemas emergenciais na empresa que ele precisou correr para resolver e sequer teve tempo de te avisar. Ele me pediu para fazê-lo pessoalmente, pois acha desrespeitoso que você receba apenas uma mensagem de desculpas. Eu realmente sinto muito e Sehun-sii também. - Fez nova reverência, parecendo sentir-se realmente culpado. Irene sacudiu a cabeça levemente.

— Não é culpa de nenhum dos dois, LuHan-sii. Está tudo bem.

LuHan corou, e Joohyun levantou a sobrancelha. Ele tirou um papel dobrado do bolso, entregando-o a Joohyun com ambas as mãos.

— Sehun-sii me pediu que preparasse isso antes de me juntar à ele na empresa. Ele pretendia procurar um bom hotel com você quando chegassem, mas como houve o imprevisto ele não quis deixá-la sozinha e perdida lá. Aqui estão as confirmações da reserva de um hotel e o endereço dele, basta entregá-lo à um taxista. Sehun-sii irá se juntar à você no fim da tarde, quando seus compromissos estiverem finalizados.

Joohyun assentiu, pegando a dobradura cuidadosa das mãos de Sehun, descobrindo serem dois papéis dobrados juntos. Verificou-os rapidamente pela falta de tempo, e agradeceu pela atenção de LuHan. Ele deixou-as após nova reverência à Joohyun e sua mãe. Suspirando, Joohyun apertou os papéis, amassando-os ligeiramente. Como suspeitava, estaria sozinha.

— Seu voo está sendo chamado, Joohyun.

Sua mãe a alertou e ela assentiu. Despediu-se brevemente com um leve curvar de cabeça, e saiu andando sem olhar para trás.

***

Joohyun olhou as horas pela quinta vez em menos de quinze minutos. Estava ansiosa demais pelo ambiente estranho, e por mais desconfortável que fosse estar perto de Sehun, pelo menos era um rosto conhecido. Mas ele não estava ali e só chegaria no fim da tarde. Sentiu-se aliviada quando descobriu, ao fazer o check-in, que Sehun havia reservado quartos individuais. Correu os olhos pelo quarto, analisando-o. Era bastante confortável, uma grande cama de casal ocupava o centro e o restante era decorado como qualquer quarto de hotel. Tons pastéis, um armário, televisão, frigobar. O diferencial daquele hotel era a visão que oferecia para a praia. Caminhou até a grande sacada, e apoiou-se sobre a grade. De fato, a vista era maravilhosa. Perdeu alguns minutos observando o mar.

Em seu conceito, o oceano era assustador. Uma imensidão azul cuja profundidade era incapaz de ser medida, que escondia desde tesouros perdidos há séculos em naufrágios a animais monstruosos. Como poderia não ter medo?

Sacudiu a cabeça. Já estava ali e ficar sentada esperando não faria Sehun chegar mais rápido. Resolveu dar uma volta pela praia, quem sabe aquilo faria o tempo passar mais depressa. Calçou as sandálias calmamente e saiu sem levar nada além do cartão do quarto no bolso da calça jeans.

Em menos de dez minutos estava parada à beira do mar. O hotel era próximo à uma das áreas menos movimentadas da praia, por se tratar de um local residencial. Ali não haviam quiosques ou restaurantes, muito menos multidão de turistas. Poucas pessoas circulavam pela areia e Joohyun julgava que seriam nativos daquele local.

Fitou o mar por alguns segundos, antes de abaixar-se e retirar as sandálias, segurando-as em uma única mão. Aproximou-se vagarosamente da areia molhada, onde as ondas quebravam-se continuamente, e permitiu-se molhar os pés. Tarde demais, percebeu que uma parte de seu jeans também. Havia se esquecido de erguer a barra.

Ouviu um riso leve atrás de si e virou-se assustada.

Deparando-se com talvez o sorriso mais lindo que já vira em toda sua vida. E talvez o rosto também. E todo o conjunto.

O cabelo caía solto pelas laterais do rosto, emoldurando-o em uma cortina negra que fazia contraste com a pele excessivamente pálida. Os lábios cheios mantinham-se em um sorriso que não mostrava os dentes, os olhos ligeiramente fechados tanto pela luz do sol que batia direto em seu rosto quanto pelo sorriso. Vestia apenas uma camisa leve e um short talvez um pouco curto demais, deixando perfeitamente visíveis as coxas grossas e tão pálidas quanto seu rosto. Seus pés estavam descalços, delicados em meio à areia branca e fina.

Joohyun fitou seus olhos escuros, deixando-se levar pelo sorriso encantador. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas algo parecia impedi-la.

Quando resolveu que falaria pelo menos um “oi”, o contato visual foi quebrado por uma sombra que pulou sem piedade em cima da garota. Então, tudo se tornou uma confusão de areia e risadas, e Joohyun acompanhou com o olhar enquanto ela se levantava e saía correndo, coberta de areia. A “sombra” nada mais era que outra garota, que levantava-se nada satisfeita, uma expressão enraivecida no rosto ligeiramente infantil.

— YAH, JOY UNNIE!

E saiu correndo atrás da garota de cabelos negros.

Joy.

Joohyun observou até perder as duas garotas de vista, e então voltou-se novamente para o mar.

As ondas quebravam-se sob seus pés, envolvendo-os de forma acolhedora. Por um momento, sentiu como se pertencesse àquele lugar.

***