Dead Island

Caos acolhedor


— Finalmente...? - Joohyun inclinou a cabeça levemente para o lado, sem entender a frase da garota. Joy adiantou-se e segurou sua mão, fazendo com que Joohyun se sobressaltasse pela quarta vez naquele dia que ela classificaria facilmente como “maluco”. – Yah, o que está fazendo?

Joohyun fez menção de sacudir o braço para se livrar da mão de Joy, mas algo naquele toque a impediu. Ainda assim, Joy aumentou um pouco a pressão sobre a mão da outra garota.

— Fique tranquila, não pretendo sequestrar você e nem nada parecido. E eu também não mordo. Eu só não quero ficar de pé, vou levar você apenas alguns metros mais à frente, há umas pedras onde podemos nos sentar. Eu não estou a fim de sujar minhas roupas, o sermão será ainda maior se eu voltar com o vestido cheio de areia.

Só então Joohyun prestou atenção no vestido verde-claro que a garota usava. Desnecessário dizer que parecia perfeito nela, mas Joohyun o pensou ainda assim. Sem mais nenhuma palavra, deixou que a quase-desconhecida a guiasse para onde pretendia. No fundo de sua cabeça, ouvia a voz de Seulgi proferindo elogios sobre sua tentativa de interação social e sufocou uma risada. Mas o que DIABOS estava sendo aquele dia?

Seus pensamentos foram momentaneamente interrompidos quando virou o rosto para observar a figura de Joy. O sorriso aberto havia desaparecido, mas mesmo com o semblante sério havia algo de divertido na expressão da garota, como se a qualquer momento ela pudesse lhe pregar uma peça e sair correndo enquanto gargalhava. Se Joohyun a conhecesse um pouquinho, apenas um pouquinho, ela saberia que estava certa. Joy era exatamente esse tipo de pessoa, o que lhe rendera o apelido.

— Espero que eu seja bonita de perfil. - E Joohyun assustou-se outra vez. Joy já estava se perguntando se ela se assustava realmente tão fácil ou se era uma espécie de charme, porque não podia não achar adorável os pequenos pulos e a expressão de criança pega no flagra comendo doces antes das refeições. - Não precisa se assustar sempre que escuta minha voz, eu já te falei, não mordo.

Joohyun corou e Joy riu. O vermelho no rosto da garota se tornou mais forte quando se deu conta de que continuavam de mãos dadas e tentou soltar, mas foi impedida mais uma vez.

— Não solte, eu gostei de segurar sua mão. A menos que esteja desconfortável...?

Joy deixou a frase no ar, esperando a resposta de Joohyun. Que por sua vez apenas voltou a fitar a areia e manteve sua mão no aperto da mão de Joy. No entanto, não demorou muito até que chegassem nas pedras mencionadas e tão logo se aproximaram Joy a soltou e correu, sentando-se sobre uma delas em um pulo alegre. Era claramente uma área que ela conhecia bem e lhe era agradável. Joohyun olhou para a palma da mão que até alguns segundos atrás estava em contato com a mão de outra garota – era a primeira vez que permitia que alguém segurasse sua mão por um período relativamente longo de tempo, salvo o garotinho do parque de diversões. Sacudiu a cabeça, impedindo que qualquer pensamento sobre essa fato a tomasse e seguiu os movimentos de Joy, sentando-se ao lado da garota. Ainda não sabia porque a seguira com tanta facilidade, mas estava lá e tudo o que queria era saber mais sobre a “garota da praia” de cabelos escuros e olhos profundos. Mas não foi ela a quebrar o silêncio.

— Então, Joohyun... – Joohyun ergueu uma sobrancelha pela informalidade, mal se conheciam. Mas deixou a atitude passar, já percebera que aquela garota e “regras” pareciam andar separadamente. Ela provavelmente se daria bem com Seulgi. – Quantos anos você tem?

— Isso vai ser um questionário sobre mim?

— E sobre mim também, se o interesse for recíproco. Você perguntou sobre o “finalmente”. Não, eu não sou uma stalker louca que vem te perseguindo há tempos, se foi o que passou pela sua cabeça. – Joohyun fez uma careta. Aquilo nunca havia lhe passado pela cabeça, mas era uma possibilidade. – Nós nos encontramos mais cedo nesta mesma praia, em um ponto diferente dela. Você se lembra, já que lembra do meu nome. – Joohyun assentiu. – Eu tenho estado com seu rosto na cabeça desde então. Foi uma surpresa ter te encontrado tão rápido, mas eu não reclamo. Mas mesmo essas horas foram muito tempo, então o “finalmente”. Então... Quantos anos você tem?

— 22. – Foi a resposta que saíra dos lábios de Joohyun, direta. Ela não sabia como responder a tudo o que ouvira. Queria dizer que também ficara com o rosto de Joy na mente, que queria conhecê-la, queria saber porque agira tão diferente com ela. Ao invés disso, fez uma pergunta completamente – ao seu ver – sem utilidade para o momento. – Seu nome é mesmo Joy? É muito... Único.

Ouviu mais uma vez a risada de Joy. Era um som reconfortante, já estava se acostumando, então não pôde impedir que os cantos de seus lábios se levantassem junto a ele.

— Meu nome é Sooyoung. Joy foi um apelido que ganhei quando ainda era criança, de uma amiga com origens ocidentais. Ela adorava usar termos em inglês o tempo inteiro e me deu esse apelido porque, de acordo com ela, “diversão era a coisa que eu mais prezava na vida”. – Joohyun chegou um pouco mais perto, dessa vez Joohyun não se afastou. – Eu ainda o uso porque continua combinando comigo.

Em poucos minutos de conversa, Joohyun descobriu diversas coisas sobre Joy. A primeira, é claro, é que a garota falava demais. Agora sabia que ela tinha 19 anos, que nascera e crescera naquela pequena cidade, apesar de conhecer diversas outras por inúmeras viagens com os pais. Sabia que ela tinha dois irmãos, que sua cor favorita era verde e ela adorava brincar na praia desde os seis anos, mesmo sua mãe odiando o fato de ela sempre voltar coberta de areia. E riu contidamente quando a menina lhe contou que não podia sujar o vestido naquela noite porque fugira de um jantar - segundo ela - extremamente chato com seus pais e um casal de amigos deles e precisava voltar antes que saíssem do restaurante.

— Eles querem que eu conheça o filho sei-lá-quem desses amigos. Não entendo o motivo de um jantar com conversas chatas e regras inúteis, era só ter dado meu número pra quem quer que seja o cara. – Ela contou, enquanto revirava os olhos. O sorriso de Joohyun diminuiu um pouco.

— Você não deveria passar suas informações tão facilmente. – Levantou a sobrancelha.

— Está preocupada comigo, unnie? – Joy começou a chamá-la daquele jeito quando soube sua idade, sempre dando uma ênfase desnecessária à palavra – para Joohyun, é claro. Joy se divertia ao vê-la torcendo o nariz para o leve aegyo. Eu daria meu número a você se me pedisse. Você seria um risco pra mim?

— Não é disso que falo. – Joohyun corou mais uma vez. – Porque você precisa conhecer esse garoto?

— Ai, meu ego. Você não quer meu número? Vou chorar no travesseiro hoje à noite. – Joy riu. – Eles querem que eu tenha aulas de inglês com ele, porque pretendem me mandar para a América quando eu completar 21 anos. E sabem que agora que terminei o ensino médio, só uma camisa de força para me deixar dentro de uma sala de aula outra vez.

Joohyun parou um pouco para contemplar a natureza da situação em que se encontrava. Sentada ao lado de uma garota que conhecera há poucos minutos, conversando fácil e tranquilamente, sem reservas. Como uma pessoa “normal” faria, mas decididamente não ela. Havia algo de diferente naquela garota, algo que Joohyun ainda não fora capaz de identificar. Mas não era ruim, decididamente não era ruim.

— Hey, unnie.

— Hm? – Joohyun respondeu, distraída.

— Você já sabe quase a minha vida toda, mas eu só sei que você se chama Joohyun e que tem 22 anos. Não há nada mais para me contar?

Nesse momento, a voz de Joohyun sumiu. O que poderia dizer à garota? Sua vida inteira fora um grande vazio. Não havia características em sua personalidade que considerasse interessantes o suficiente para contar a alguém.

— Eu... Não sei. – Foi sincera, e não soube como interpretar a surpresa no rosto de Joy.

A garota abriu a boca para dizer algo, mas foi interrompida por gritos altos e um tanto... Preocupados? Joohyun levantou-se num rompante. Havia se esquecido completamente de Sehun.

— Joohyun... JOOHYUN!

— Aqui!

Respondeu em um tom mais alto e levantou um dos braços, em dúvida se Sehun seria capaz de vê-la. Aquela parte não recebia a iluminação da fogueira e não havia lua naquela noite, então estava bastante escuro. Mas respirou aliviada ao vê-lo correndo na direção correta.

— Joohyun! – Ele parou derrapando à sua frente e Joohyun notou que segurava suas sandálias. Havia se esquecido delas também. – Você está bem? O que aconteceu?

Ele parecia desesperado e Joohyun achou seu rosto assustado um tanto... Fofo.

— Está tudo bem, me desculpe por ter saído sem avisar. Eu... – Parou. Como colocaria em palavras o que acontecera até agora se ela não sabia explicar nem para si mesma? Foi salva por Joy, que levantou-se e agora estava ao seu lado, olhando para Sehun com curiosidade.

— Eu meio que a puxei pra cá. Não sabia que ela estava esperando alguém e ela também não me avisou. – Olhou para Joohyun com as sobrancelhas franzidas. – Posso perguntar quem é você?

— Meu nome é Sehun, eu sou o noivo de Joohyun. – Sehun sorriu, gentil. Estava mais calmo agora que encontrara Joohyun, apesar de também curioso sobre a estranha.

— Hm... Então. Joohyun, 22 anos e um noivo bonito, hein? Estamos progredindo. – Joy sorriu. – É uma prazer conhecê-lo, mas acho que já tomei tempo demais da moça e eu também preciso voltar. Antes, pode me emprestar sua mão outra vez?

Antes que Joohyun pudesse responder Joy segurou-lhe a mão e virou sua palma pra cima. Então tirou uma caneta de um bolso do vestido – que Joohyun nem notara existir – e rabiscou alguma coisa rápida na mão da mulher. Voltou a guardar a caneta e afastou-se com um sorriso, ainda segurando a mão de Joohyun. Demorou uns segundos até soltar.

— A gente se vê por aí, unnie. – Acenou para as duas figuras paradas na areia e saiu correndo pela praia em direção à calçada.

Os dois a observaram por alguns segundos, até que a silhueta desaparecesse.

— Se importaria de me explicar? – Sehun disse, ainda um pouco surpreso.

— É apenas uma dongsaeng um pouco abusada e muito... – Joohyun procurou o adjetivo correto. – Interessante. – Sorriu, e Sehun se surpreendeu ainda mais.

— Bom, acho que é hora de irmos embora.

Joohyun sentou-se nas pedras mais uma vez para calçar as sandálias e um vento leve bagunçou seus cabelos. Não se deu ao trabalho de arrumá-los. Quando ela e Sehun se aproximaram um pouco mais da fogueira, olhou para a palma rabiscada. Havia um número e um “unnie” em letras maiúsculas com um pequeno coração partido do lado. Riu consigo mesma e fechou a mão.

***

Um pouco sem jeito, despediu-se de Sehun ao chegarem na porta de seu quarto e a primeira coisa que fez ao fechar a porta atrás de si foi procurar por uma caneta e um papel onde pudesse transcrever o número anotado em sua pele. Suspirou frustrada ao não encontrar e percebeu o celular sobre a mesa de cabeceira. Sentou-se na cama e pegou o aparelho. Digitou o número cuidadosamente, certificando-se diversas vezes de tê-lo feito corretamente. Salvou-o nos contatos com o nome “Joy” seguido por um emoji sorridente. Era também a primeira vez que usava as pequenas carinhas expressivas.

Deixou o celular sobre a mesa de cabeceira novamente e caiu de costas sobre a cama. Levantou a palma da mão com o pequeno recado e encarou-o por alguns segundos. A letra estava tremida, provavelmente pela pressa com a qual os números foram escritos, mas o coração estava perfeitamente desenhado, o que a fez rir. O “unnie” em maiúsculas também, podia praticamente ouvir Joy a chamando em voz alta, a voz carregada de um péssimo aegyo.

Minutos depois, já havia se trocado e se preparado para dormir. Apagou a luz do abajur, encostou a cabeça no travesseiro e desenhou a imagem de Joy imediatamente ao fechar os olhos. Agora, ela vinha acompanhada de uma risada suave e de certa forma desafiadora. No momento em que ouvira aquele riso, soube que Joy era todo o caos que sempre evitara em sua vida (à exceção de Seulgi, claro). Mas ela era um tipo diferente de caos. Um caos que a deixava à vontade, um caos que ela gostou de ter ao lado, que gostaria de segurar as mãos mais vezes. Um caos... Acolhedor.

Sorriu com o pensamento.

Então seu celular vibrou alto, fazendo com que abrisse os olhos.

Pegou o aparelho ao seu lado e viu que recebera uma nova mensagem de Seulgi. Abriu-a.

“Eu fui pega. Eu posso sumir por uns dias até as coisas se acalmarem, ou posso ir até aí dar um oi, não decidi ainda o que fazer. De qualquer forma, só queria te dizer que ainda estou viva (até mamãe me achar). Se cuida e dá logo um pé na bunda do Sehun.”

— Por pensar em caos... – Resmungou consigo mesma.

***

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.