Dorothy interrompeu o parágrafo. Aquela presença novamente. Olhou ao redor e nada. Será que estava tão concentrada a ponto de qualquer movimento parecer ocorrer na velocidade da luz? Não. Certamente física quântica não teria essa capacidade, ao contrário, a enlouquecia! Como aceitar a existência de universos paralelos se esse era infinito?! Confuso. Talvez estudar por conta própria não havia sido a melhor escolha, mas a única no momento.

Deixou o quântum de lado e apanhou outro livro da pilha, Alice no País das Maravilhas, estranhou, não o havia pegado. Colocou-o de lado e passou para o seguinte, Chapeuzinho Vermelho, Aladdin, A Vendedora de Fósforos, O Flautista de Hamelin; seus olhos se abriram, não havia pego nenhum deles.

Foi quando dançantes cachinhos loiros aproximaram-se e depositaram Peter Pan em cima do monte. A menininha a encarou por alguns instantes:

– Aquele moço pediu que você lê-se para ele - e apontou para a parte sombria ao final do corredor rente à mesa onde estavam.

Dorothy levantou-se e foi em direção ao misterioso ouvidor de histórias. Será que os estranhos fatos que a cercavam nas últimas semanas teriam realmente uma explicação? Os encontrões com o nada, os livros a mais, a sensação de estar sendo observada; tudo teria um motivo? Estava a três livros de descobrir...

Num impulso, saltou a distancia restante. Seu coração disparou. O vento subiu como se alguém houvesse escapado e, em seu lugar, ficará apenas indistinguíveis migalhas amarelas. Olhou para a mesa, a garotinha também havia desaparecido.

Voltou ao seu posto ainda ofegante, separou alguns livros de história da arte, literatura e história geral e dirigiu-se a secretaria do local.

– E a pequena Dorothy retorna com uma pilha maior que ela! - exclamou Fred.

– Shiu, assistente! - brincou.

– Assistente uma pinóia. Ao final desse semestre, me torno um bibliotecário. Vá se acostumando, baby.

– Terminando a faculdade?! Que velho você.

– Shiu, novinha - riram - Já se decidiu?

– Você fala como se eu pudesse pagar uma faculdade.

– E você acha que eu posso? Sério, Dorothy, com toda a sua dedicação, você arranjaria um "padrinho" facilmente. Posso te passar alguns nomes.

– Obrigada, mas eu ainda nem sei o que quero - suspirou.

– Boa sorte, então!

...

A garota adentrou o apartamento, ou melhor, o minúsculo quarto aonde vivia e colocou o monte de livros em cima da mesinha próxima a porta. Encontrava-se concentrada na nota do mercado no qual havia passado antes de retornar.

Após a morte de tio Henry, ela e tia Em mudaram-se para a cidade. A tia já deduzira que as terras da família não valiam muito, mas se soubessem ponderar, poderiam viver sem aperto por um bom tempo, até que Dorothy conseguisse um emprego. Contudo, essa questão não era tão fácil. Ninguém dava credibilidade a uma menina que só conhecia fazendas.

Desacostumada com o clima da cidade, tia Em adoeceu e seus cuidados tornaram-se mais caros. Não resistindo, deixou a sobrinha sozinha com metade do valor inicial.

Dorothy mordiscou um pouco de salame com queijo avulsa em cálculos. Como odiava os números! Como odiava o ato de mastigar apenas para se sustentar! Como odiava não sentir mais o gosto das coisas que gostava! Limpou as mãos e voltou ao monte.

Passou algumas horas com três livros de matérias diferentes abertos em sua frente enquanto ligava os fatos de um ao outro. Percebendo o quanto havia progredido, puxou o monte e passou para os seguintes até se deparar com mais um da coleção não-fui-eu-quem-peguei, O Mágico de Oz.

Diferente dos escolhidos na biblioteca naquele mesmo dia, aquele livro parecia ter uma espécie de marca, ele exalava um perfume diferente, algo metálico.

Vendo que não teria mais vontade de absolutamente nada naquela noite, abriu a obra de Baum e começou a ler enquanto enrolava os finos dedos nas curvas negras de seus cabelos.