Hades:

Eu estava apreensivo com a situação. Perséfone continuava a bater o salto no piso de mármore de nosso castelo dizendo para eu esquecer a missão dos destemidos heróis.

Eu não sabia se eles iriam chegar vivos e isso me deixava nervoso.

– Eles chegaram. – Demeter disse, enquanto olhava pela janela, e um peso saiu de minhas costas. Essa foi a primeira noticia boa que aquela louca dos cereais me dava naqueles tempos e eu pude ficar feliz com o fato de minha filha estar bem.

Eu me levantei, seguindo para meus aposentos.

Depois de longos corredores, algo na parede a minha esquerda chamou minha atenção: uma fumaça verde acinzentada se movimentava como se tivesse vida própria. Jano. Era a imagem desse deus atormentador das escolhas que aparecia em minha parede.

– Hades, que enorme prazer em revê-lo. – o lado esquerdo disse ironicamente.

– Infelizmente pra você, não posso dizer o mesmo. O que deseja?

– Sangue. Tragédia. Discórdia. Principalmente vindo daquela sua filha gostosinha.

– COMO OUSA CHAMAR MINHA FILHA COM ESSE NOME? PERDEU O MEDO DE MORRER? EU POSSO FAZER VOCÊ NUNCA RETORNAR À VIDA E QUEIMAR ETERNAMENTE NO FOGO DO TÁRTARO!

Ele riu.

– Você acha que esses pequenos inexperientes conseguirão salvar seu pescoço? Ora! Por favor! Os deuses que estão do lado errado já caíram faz tempo e daqui a pouco, um de seus adorados mediadores irá cair...

– O que você quer dizer?

– Quero dizer, que algum dos mediadores não volta vivo hoje. E eu estou torcendo para que seja sua filha.

Ele disse e assim sumiu em uma nevoa densa. Eu não podia ficar parado. Perséfone tentou me impedir e Demeter amarrou trigo em minhas pernas atrasando-me por alguns segundos.

Consegui impedir Jano de fazer alguma besteira, mas quando voltei ao palácio esperando finalmente descansar, eu ouvi a explosão e corri para a janela. De meu palácio eu podia ver Suzannah, Paul e Jesse caídos no chão.

Dessa vez, eu senti que nada que eu fizesse poderia mudar o acontecido.

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∆ Suzannah Simon – Eu perco a cabeça.

Algumas pessoas dizem que quando morremos, vemos nossa vida passando diante de nós, como um filme sem cortes. Comigo foi mais ou menos assim.

Paul lançou a flecha e ela explodiu a casa. A força da explosão foi muito grande, o que me fez voar longe e bater a cabeça. Eu então senti muita dor, muita, mas muita dor mesmo. E então,... Nada. Não sentia nada: nem dor, nem hematomas, nem braços ou pernas quebrados. Isso parecia ser um bom sinal, mas então eu percebi que não sentia meu coração porque ele não batia mais.

Eu me senti leve e percebi que estava sendo sugada por um corredor de escuridão que me puxava pra um lugar estranho: eu estava no meio de um templo grego em uma planície usando uma túnica. Minha cama era macia e tinha vários travesseiros. Eu me levantei e andei pelo cômodo.

Uma vasilha de água se encontrava em cima de uma mesa rústica de madeira. Olhei para o meu reflexo e contive um grito: o rosto refletido não era meu. Levei muito tempo “me” olhando, tentando entender o que havia acontecido.

“Você renasceu como Suzannah. Mas antes era uma poderosa filha de Hades que lutou bravamente na Primeira Grande Guerra. A guerra contra os gigantes.” Alguém sussurrou em minha mente. A voz do cemitério. “Volte para a cama e deixe-me mostrar como foi o seu fim nessa vida.”

Assim fiz. Voltei para a cama e fechei os olhos. Quando acordei percebi que havia alguém dormindo ao meu lado. Os cabelos negros esparramados pelos travesseiros eram brilhantes. O jovem não parecia alguém conhecido, mas logo pensei em Jesse.

“– Bom dia, acorde.” – meu corpo se movimentou sem eu ter controle dele. Era como se estivesse tendo uma lembrança que nunca tive. Pelo menos não nessa vida. “– Amanhã é o grande dia!” – ele se moveu um pouco e esfregou os olhos.

Quando se virou para me encarar eu fitei seus grandes olhos... Que eram de um azul deslumbrante que me hipnotizava. Eu tive uma certeza: aquele era um olhar que somente Paul Slater poderia ter.

“– Bom dia, querida.” – ele disse com uma voz aveludada, que me dava arrepios. Quer dizer, não a mim, Suzannah Simon, mas “a eu” do passado. Na verdade, ela não era nada parecida comigo, pois se fosse, o jovem que estaria deitado ao meu lado seria Jesse.

Ele ficou por cima de mim com um movimento rápido e me beijou, descendo os lábios ate meu pescoço, enviando arrepios pelas minhas costas.

“– Willian, por favor, hoje não. Não tenho cabeça pra isso.”

“– Porque, Tess, por quê? Diga-me que não é a guerra, por favor! Eu já disse: você não vai! É perigoso.”

“– Já chega disso! Eu disse que vou lutar e ninguém pode me impedir!”

“– Seu pai pode.”

“– Não!” – eu esbravejei, fazendo-o recuar. – “Você não tem o direito de fazer isso!”

“– Você é minha mulher e eu tenho sim todo o direito. Desculpe-me pela ameaça, mas eu não quero que se machuque. Já temos muitos guerreiros. Volte a dormir. Vou me reunir com os deuses para discutirmos as estratégias de luta. Os melhores estarão lá. Não precisa se preocupar. Encontre-me no almoço. Até o almoço, minha pequena semideusa”. – ele disse dando um beijo em minha testa, deixando-me sozinha no quarto.

“– Se os melhores estarão lá, eu deverei comparecer”. – sussurrei para mim mesma, levantando-me da cama e indo para o banheiro.

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“– Muitos semideuses se aliaram ao lado dos gigantes, iludidos com as promessas de poder.” – Meu pai, Hades, disse. Ele, os outros deuses e os jovens guerreiros estavam reunidos na Sala Dos Tronos. – “Os deuses menores também estão se aliando contra os deuses. Jano, Eros, Phobos e Deimos, e até mesmo Tânatos. As Portas da Morte estão desprotegidas. Temos que redobrar a atenção para um ataque surpre...” – ele foi interrompido com um estrondo.

Como se estivessem ouvindo nossa conversa, os inimigos invadiram, atacando com flechas, machados, espadas e monstros. Muitos monstros.

Os deuses e jovens partiram para o ataque, mas era quase uma batalha perdida. Eu vi meu pai atacando uma empousa e Poseidon matando uma espécie de formiga gigante. Quando olhei para o outro lado da sala vi William – Paul – estirado no chão com sangue em sua roupa e imediatamente soube: ele estava morto. Eu gritei de raiva e sai de meu esconderijo, preparando minha adaga e dizimando os inimigos com o meu poder.

Um garoto – não mais velho do que eu – me atacou, mas eu o imobilizei, cortando seu braço. Ele rugiu de dor, caiu de joelhos e me encarou com seus profundos olhos negros. Jesse.

“– Filho da Morte.” – eu disse em grego antigo.

Ele assentiu.

“– Tânatos é meu pai e nunca teve reconhecimento entre os deuses!”

“– E você acha que se os gigantes reinarem com os Titãs, seu pai vai ter algum reconhecimento? ELE VAI SER MORTO E JOGADO NO TÁRTARO COMO ALGUM PEDAÇO DE CARNE DESPREZIVEL!” – eu gritei. Ele abaixou a cabeça e assim ficou.

“– Jem! Não rebaixe a uma semideusa! Você será um imperador melhor que Julio Cesar!” – alguém gritou atrás dele. Um gigante cor de areia, que parecia se reintegrar a cada golpe que davam. Nada parecia detê-lo. ele fixou os olhos em mim e atirou uma lança. Antes que eu pudesse até mesmo gritar, Jem – meu Jesse – se atirou na minha frente e eu nada puder fazer a não ser segurá-lo antes de ele cair e fechar os olhos. Morto.

“– Você matou seu aliado!” – eu gritei.

“– Ele se mostrou apenas um traidor.”

“– VOCÊ VAI PAGAR POR CADA ALMA QUE MORREU NESSE LUGAR!” – a raiva me controlava, minhas mãos deixaram o corpo de Jem e estavam se voltando para a terra, fazendo-a tremer. “– Levantem-se e lutem pela causa! Os gigantes sucumbirão ao nosso poder!” – eu usava todas as minhas energias para chamar os fantasmas. Eles emergiam de forma rápida e silenciosa surpreendendo e dizimando os inimigos.

Eu gritei de dor. Quando a sensação ruim passou, eu nada senti. Cai no chão e fui puxada pela escuridão, indo diretamente ao corredor sombrio na Terra Das Sombras.

Nesse exato momento soube que havia morrido.

E nada que fizesse voltaria atrás.

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