De Volta A Alagaesia...

Notícias, Espera, Decisão e Dor


Arya

Depois que o Espelho da Rainha Nasuada voltou a nos refletir, todos alegres e sorridentes, eu me permiti sorrir mais profundamente, mas ainda cautelosamente, porque Islanzadí ainda me encarava com olhos suspeitos e altivos. Também percebi o olhar de Nasuada sobre mim, mas resolvi ignorar as duas. O que eu mais queria fazer no momento era achar algum lugar na floresta mais próxima, montar um acampamento lá e simplesmente esperar, com Fírnen, o momento de irmos ao encontro respectivo de Eragon e Saphira. Eu não pensaria muito sobre meus sentimentos até ter privacidade, prometi a mim mesma.

- Muito bem. – disse Nasuada – suponho que Eragon e Saphira demorarão cerca de dois dias para voltarem para nós. Será dada a ordem de preparação de um banquete a cozinha. Suponho que o banquete vá precisar de uns dois dias para ser feito, e três para ser comido.

Todos riram.

- Não creio que Eragon esteja voltando. Todo aquele drama na ida dele, e aqui estamos nós, prontos para recebê-lo onde é o lugar dele. – disse o Rei Orik.

- Precisaremos avisar a Roran e Katrina... E a todo o Reino, suponho. – riu Nasuada.

- Está brincando? – disse Murtagh, o tom sério.

- Desculpe? – Nasuada respondeu obviamente perplexa com a voz ríspida de Murtagh.

- Sabem, estou muito feliz com a volta de Eragon, e certamente sou a favor de um grande banquete para que o recebamos, mas não creio que devamos avisar a todo o Reino, e, consequentemente, aos Galbatorix’s.

Fez-se o silêncio na sala. É claro que Murtagh estava certo, não poderíamos fazer isso. Suponho que se não estivéssemos todos tão embriagados pela volta de Eragon, e pela preocupação comigo, no caso de Islanzadí, já teríamos percebido o fato de que a volta de Eragon deveria ser mantida em segredo até que ele estivesse de fato na Alagaësia novamente.

- Eu estava esperando alguém voltar a si e perceber isso. – disse a voz baixa e precoce da menina-bruxa Elva.

- Vocês estão com a razão, Cavaleiro Vermelho-Depressivo e Senhora Elva-Sarcástica. Até hoje Galbatorix, que o Inferno o tenha, consegue ferrar as nossas vidas. – resmungou Angêla ironicamente.

- Agora espere aí. – disseram simetricamente Murtagh e Elva. – Quem está chamando de depressivo/sarcástica? – falaram juntos novamente.

- Ora, vocês são mesmo. – Angêla deu de ombros.

- Bem – eu falei pela primeira vez, interrompendo. – suponho que a atitude mais correta, se me permite sugerir isso, Rainha Nasuada, é que todos nós fiquemos hospedados aqui no seu Castelo até o momento de Eragon chegar. Provavelmente, ele descerá no Porto da cidade, sob magia para escondê-lo parcialmente das pessoas. Então, deveremos ir esperá-lo no lugar mais próximo ao porto na hora estimada para sua chegada.

- Tem razão, minha filha. Rainha Nasuada, podemos ficar hospedados em seu Castelo? – perguntou Islanzadí.

- Será um prazer tê-los a todos como convidados de honra por quanto tempo queiram ficar. – disse Nasuada, educadamente fazendo uma leve curvatura em nossas direções.

- Então está combinado! – gritou o Rei Orik. – Será que pode me indicar meus aposentos, Rainha Nasuada? Estou cansado da vinda até aqui, e espero dormir um pouco antes de termos mais algum acontecimento.

- Certamente, Rei Orik. – disse Nasuada. – Farica! – gritou, balançando um sino muito forte.

- Sim, senhora? – disse a aia, entrando e curvando-se a todos.

- Por favor, designe nossos melhores aposentos a o Rei Orik, a Rainha Islanzadí, o Cavaleiro Murtagh, a Princesa Arya e Angêla. Também preciso que peça ao senhor Roran e a senhora Katrina para virem aqui me ver imediatamente.

- Agora mesmo, majestade. Por favor, senhoras e senhores...? - a aia indicou que nós a seguíssemos, saudosamente.

- Descansem em paz, meus amigos, pois ainda faltam dois dias para que Eragon volte, e de nada adiantará que fiquemos rondando o Porto. E não é seguro, tampouco. Dentro das muralhas do meu Castelo, estamos certos que ninguém enfiará uma faca em nossa garganta durante a madrugada... Enfim, verei Roran e Katrina, os hospedarei aqui também, junto com a criança, e depois também me recolherei. Já é bastante tarde, e precisamos descansar. Boa noite, meus caros amigos.

Todos se despediram da Rainha, um por vez, e foram seguindo a aia. Eu, no entanto, continuei na sala, com a intenção de esperar Roran e Katrina.

- Você não vem, Arya? – perguntou Islanzadí. Somente ela e Murtagh ainda estavam na Sala.

- Eu pretendo esperar Katrina e Roran com a Rainha. Não estou muito cansada.

Islanzadí, então, acenou e saiu. Apenas Murtagh, Nasuada e eu permanecemos.

Imagino que mesmo qualquer humano sem sensibilidade alguma perceberia a forte sensação de tensão que havia ali. Murtagh encarava Nasuada, que deliberadamente encarava o teto.

Foi preciso muita força de vontade para não dar boas gargalhadas diante a situação.

Continuamos com isso um bom tempo: Murtagh olhava para Nasuada de uma forma que deixava até a mim própria meio abalada, e Nasuada o ignorava. Ele, por sua vez, não parecia nem um pouco entediado ou chateado por ela não corresponder a seus olhares.

Finalmente, a aia reapareceu.

- Majestade, o senhor Roran e a senhora Katrina estão aqui, junto com a criança Ismira.

- Ótimo. Mande-os entrar, Farica, por favor.

- Sim, majestade.

Eu fiquei, neste meio tempo, refletindo sobre o que Roran diria de Eragon estar de volta; talvez, fosse um dos mais abalados, vez que era irmão de Eragon. Mas, duvidava que alguém estivesse mais emocionada, e simplesmente paranoica do que eu mesma. A reação dele, com certeza, seria mais emocionante que a minha, que guardei tudo para mim mesma. De uma forma ou de outra, Eragon teria a chance de conhecer a sobrinha, que agora tinha quase três anos de idade.

A aia voltou à sala e anunciou a entrada da família.

Roran estava como sempre, embora já houvesse um tempo desde que eu o havia visto pela última vez. Forte, com uma carranca no rosto, com a filha Ismira nos braços.

Katrina vinha logo atrás dele, também do mesmo jeito desde que eu a havia visto, exceto talvez, um brilho de confiança, e sem medo, que cintilava em seus olhos castanhos.

Ismira estava ainda mais bonita. Seus cabelos caiam lisos, pelas costas, e ela estava abraçada a Roran, até que nos viu.

- Ti-tia Alya! – gritou a pequena, descendo do colo do pai e correndo ao meu encontro.

Roran pareceu aflito.

- Ismira, por favor, não corra pelo Salão... – disse ele.

- Está tudo bem, Roran. – disse Nasuada.

A pequena abraçou as minhas pernas e sorriu para mim. Sorri de volta e a peguei no colo.

- Ismira! Eu estava com saudades, garotinha. – eu disse, sorrindo.

- Eu também, ti-tia! – ela sempre dava um espaço enorme entre as sílabas da palavra “titia”.

- Ismira, e a ti-tia Nasuada? Não ganha abraço? – Nasuada perguntou, fazendo-se de triste.

É, todos nós éramos doces e moles quando se tratava da pequena Ismira.

- Ti-tia Nasuada! – ela desceu do meu colo e pulou no de Nasuada, que estava sentada.

- Ismira, por favor, controle-se. – disse Katrina, com firmeza na voz.

- Ah, deixe a menina! Nós temos notícias importantes para contar, meus amigos.

- Imaginei que havia algo sério acontecendo. – disse Roran, olhando sugestivamente para Murtagh.

- Não temos nenhum problema, e mesmo que tivéssemos Murtagh não seria culpado por ele. – Nasuada censurou Roran, um tanto quando rispidamente.

- Eu não mencionei nome algum. – ele respondeu, com um sorrisinho.

- Vamos logo com isso! Eu preciso dormir também!- reclamou Murtagh.

- Tudo bem, tudo bem. Roran, Katrina, essa notícia vai parecer uma verdadeira loucura, mas preciso que entendam que é verdade, e que é muito recente, e vocês são os primeiros fora do conselho de guerra que são informados sobre ela.

Roran assentiu lentamente, dando convite para Nasuada continuar. Estranhamente, naquele momento ele me lembrou muito Eragon, com as feições misteriosas, fortes, sensuais.

- Roran, seu irmão Eragon está voltando para a Alagaësia.

Tudo na sala ficou em silêncio. Todos encaravam Roran que nos fitava como se fossemos algum tipo de problema difícil de resolver.

Até que Ismira gritou:

- O ti-tio Eragon vai vir me ver?!

- Exato, garota. – disse Murtagh, sorrindo.

- É algum tipo de brincadeira? Por que, se for, não está tendo graça. – disse Katrina.

- Não há brincadeira alguma, Katrina. É verdade. – eu mesma respondi.

Roran ainda estava mudo.

- Vamos, fale alguma coisa, Roran. – disse Nasuada.

Ismira também estava quieta.

- Como aconteceu? – por fim, a voz de Roran voltou monótona e controlada.

Nasuada sorriu e se pôs a explicar.

Quando por fim ela terminou de explicar tudo, desde os roubos dos ovos de dragões até a volta de Eragon. Esclareceu ainda que eles deveriam ficar no Castelo até que os problemas fossem resolvidos, e é claro que aceitaram.

Por fim, Ismira acabou com a conversa: adormeceu completamente no colo de Nasuada, e Katrina pediu licença para ir colocá-la para dormir.

- Também irei. Amanhã podemos conversar um pouco mais, Rainha? – perguntou Roran.

- Com certeza sim, amigo. Vá, dormir, cuidar de sua família. Soldados irão até a sua casa e voltarão com tudo em uma lista de coisas que você e Katrina devem fazer. Não devem sair do castelo sob-hipótese nenhuma. Não me vejo dizendo olá a Eragon e tendo que contar a ele que perdi algum membro de sua família.

Roran por fim sorriu.

- Ele deve estar muito poderoso agora. Transformaria você em um sapo.

Nasuada riu.

Roran deu boa noite e se retirou.

Antes que eu voltasse a ficar presa no clima Murtagh-Nasuada, me levantei.

- Boa-noite, Murtagh, Nasuada. – pude ver nos olhos de Nasuada a pergunta que ela me fazia: “O que está pensando em me deixar aqui sozinha com ele?”-Eu vou dormir, estou cansada.

- Também vou me retirar, Rainha. – Murtagh se levantou e beijou a mão da Rainha.

- É... Claro. Farica! – gritou ela.

-Sim, senhora?

- Pode mostrar os quartos ao Cavaleiro e a Princesa?

- Sim, senhora. – a aia nos convidou a segui-la.

- Imploro que fiquem dentro dos limites da nossa propriedade. Não saiam, por favor. – pediu Nasuada.

- Eu pretendo dormir nos jardins, sob as árvores a leste, junto com Fírnen.

Nasuada assentiu.

-Eu também. – disse Murtagh.

A Rainha pareceu meio incomodada, mas nada disse, exceto um “boa-noite”.

Eu e Murtagh caminhamos lentamente até a imensa porta de saída.

- Fírnen, já terminou? – Eu sabia que ele estivera caçando esta noite.

- Sim. Pronta para dormir? – ele perguntou.

- Estou. Vamos dormir sob as árvores, na ala leste dos Jardins, tudo bem? – Eu gostava de pedir a opinião do meu dragão sobre muitas coisas.

- Parece ótimo. Como foi a reunião?

- Um tanto quanto... Bem, veja por você mesmo. – repassei todas as lembranças desta noite. Fírnen escolhera não estar presente, caso tivesse que ver Saphira pelo espelho. Ele não queria vê-la e ter de dizer adeus. Na hora em que ele me disse aquilo, mais cedo, eu ficara com inveja dele poder ter essa escolha, mas agora estava feliz.

- Uau! Ah, Arya, sabe o que isso significa? Vou vê-la, vê-la novamente!

- Eu sei. É demais aceitar que eles tenham que ir embora novamente, não é? Mas peço que mantenha isso em sua cabeça. Já sofremos tanto nesses três anos... Não merecemos renovar ainda mais nossa dor.

- Sei que não merecemos Arya, mas será impossível. Ou me diz que não pulará para Eragon assim que o vir? Por que, se acha isso, então não se conhece. Só pelos seus pensamentos...

- Eu sei, certo? EU SEI! Mas o que podemos fazer? Não podemos abandonar tudo e ir morar na Ilha dos Cavaleiros! Lembra-se: ordem e honra, dever e cumprir! Nós juramos! Há um trono que espera por nós, e não podemos fugir, não podemos abandonar as pessoas que contam conosco!

- Acha que EU também não sei disso? Acha que quero quebrar nossos juramentos, que quero desonrar nossos nomes, como a Amazona e o Dragão que abandonaram o trono que era cabido a eles, que abandonaram seu povo?!

Antes que eu percebesse, eu e Fírnen estávamos brigando.

-Então temos que fazer alguma coisa! Se acha que podemos sobreviver vendo-os de novo e deixando-os partir novamente, você é que não nos conhece, Fírnen!

- E o que SUGERE que façamos?

- Eu não sei, não sei!

- Mas, se nós nos aproximarmos deles novamente, vai ser duplamente doloroso. Se deixarmos que eles entrem, Arya...

- Eu sei.

- Então sabe porque não poderemos deixar.

E eu percebi o que Fírnen estava dizendo.

Se há uma coisa em comum entre Dragões e Elfos, é que quando amamos, nós amamos de verdade. E, nossos corações eram frágeis quando se tratava de nossos amados. E, eu ainda estava em vantagem: eu e Eragon não chegamos a consumar nosso amor de forma alguma, o que deixava nossos laços bem menos apertados (ainda que esses laços fossem extremamente estreitos), mas Fírnen e Saphira... A dor que ele sentira ao vê-la ir, eu poderia permitir que ele sentisse novamente? Deveria me aproximar de Eragon, revelar meus sentimentos, e fazer nós dois, eu e Fírnen, sentirmos uma dor dupla?

E a dor de Eragon, também? Essa me feriria mais, bem mais, que a minha própria.

Foi, na verdade, pensando na dor de Eragon, e não em qualquer tipo de desonra, que pude achar as forças necessárias para dizer o que deveria ser dito.

- Eu sei, Fírnen. Não podemos fazer isso. Não vamos fazer isso.

E, a noite, não consegui dormir, e pela primeira vez em muito tempo, chorei até ver o dia amanhecer.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.