Não voltei a casa dele outra vez. Não podia suportar ouvir seus descendentes contarem histórias sobre seu desespero e, pior ainda, falarem dele como se estivesse morto. Ele não estava morto!

Parte de mim tentava ser racional e entender que ele nascera há mais de duzentos anos e que, a essa altura... Mas ele não estava morto! Eu sabia disso. Tinha certeza! Ele ainda vivia em algum universo paralelo estranho e incompreensível, mas vivia!

Meus dias se tornaram nulos, nada importante acontecia. Ou eu é que não percebia mais os problemas à minha frente. Todos os dias passava horas sentada no banco perto do cedro imenso, lembrando dos momentos mais felizes que tive na vida. Gostava daquele lugar. Era minha ligação com German. Nosso lugar especial. Ficava ali por horas ouvindo nossa música.

Peguei carona no carro com a noiva para ir até a igreja no grande dia. Fran estava deslumbrante! Seu vestido simples e elegante ressaltava ainda mais sua pele cor de Branca. Ela estava radiante e mais linda do que nunca.

Fiquei feliz demais ao ver os pais dela ao seu lado no altar. Ambos pareciam acanhados e ainda se via uma pontada de ressentimento em seus olhos, mas eles estavam ali, era o que importava. Talvez quando vissem o quanto o Diego amava a Fran, o quanto ele se preocupava com ela, talvez acabassem gostando dele. Pelo menos um pouquinho.

A cerimônia foi perfeita e eu acabei chorando, o que não era comum para mim. Até bem pouco tempo, casamentos não me emocionavam, me deixavam apavorada. Percebi depois que não fui a única a chorar. Diego tentou bravamente esconder as lágrimas, mas, depois de um tempo, ficou muito evidente em seus olhos inchados. Tive a impressão de que ele amava a Fran muito mais do que deixava transparecer.

Tirei centenas de fotos com meu novo e simples celular na deliciosa recepção. Mas quando os noivos assumiram o centro da pista de dança para a valsa, tive que sair dali. Não dava para não pensar em German vendo os dois rodopiando apaixonadamente pelo salão.

Fran praticamente me acertou com o buquê — de rosas azuis — deixando várias garotas com cara de desapontadas.

—Te trará sorte. — ela disse sorrindo.

— Tomara. Eu tô mesmo precisando de um pouco pra variar. — sorri um pouco. Mas não precisava ter escolhido as flores azuis por minha causa.

— Mas eu quis flores azuis! Não tem nada a ver com o que a Mãe Cleusa te disse. Eu quis!

— Sei. — retruquei desconfiada.

Fran tentava me animar de toda forma nos últimos dois meses. Eu tentava demonstrar um pouco de entusiasmo quando estava perto dela, mas parecia que eu não tinha mais esta capacidade.

— Angie será que não seria melhor se... — ela começou insegura. — Sei lá... você tentasse... esquecer?

— Não! Eu não quero esquecer, Fran. Não consigo esquecer o que vivi com o German seria como... Como tentar alimentar um tubarão só com legumes. Não dá! Eu não... Eu só...

— Desculpe, eu não queria te deixar nervosa. Só queria que pudesse ser feliz de algum jeito.

— Valeu, Fran. Mas não precisa se preocupar comigo. Eu estou bem.

Ela não disse nada, apenas me encarou. Não acreditou na minha mentira deslavada. Era inútil tentar esconder qualquer coisa dela

— Eu vou ficar bem. Você vai ver! — emendei, tentando parecer mais segura.

Peguei minha bolsinha sobre a mesa e meu buquê.

— Tem certeza que não quer ficar um pouco mais? Ainda vai demorar um pouco para sairmos para a nossa lua de mel. — Fran revirou os olhos.

— Tenho. Já está tarde e amanhã eu vou até a divisa do estado. Encontrei uma garota na internet que diz ter vivido algo parecido. Quem sabe eu descubro alguma coisa dessa vez. Além do mais, eu já vi o melhor da festa! — apontei para o Diego no centro da pista dançando animadamente uma música muito rebolativa.

— Ele sempre se empolga quando bebe um pouquinho a mais... — ela sorriu encantada, admirando seu marido com olhos brilhantes.

—Você está feliz, não está? — perguntei, constatando o óbvio,

— Muito. Imensamente feliz. Acho que eu só poderia estar mais feliz se você não estivesse tão triste.

— Esquece isso! Hoje é o seu dia! A sua noite, melhor dizendo! — pisquei pra ela, forçando um sorriso.

Ela suspirou.

— Angie, estou tão cansada que a única coisa que eu vou querer é cama! Pra dormir e mais nada. — ela fez uma careta, remexendo um dos pés. — Sou capaz de acertar a cabeça do Diego com o abajur se ele começar com gracinhas.

— Que belo começo de casamento! — zombei. Depois a abracei. — Boa viagem. Me liga quando voltarem.

— Adeus, minha amiga! — e me apertou forte.

— Ai, Fran, credo! Você só vai ficar fora por uma semana, não precisa fazer drama. — eu brinquei, mas também a abracei mais apertado. — Te amo, Fran. Fala que eu disse "boa viagem" pro seu mandão!

— Angie! — ela me soltou fazendo uma careta, e depois sorriu, enquanto eu me dirigia para a saída.

Voltei a pé para casa, não tinha táxi ali perto e não era tão longe assim. E eu gostei de caminhar com a brisa suave da noite brincando em meu rosto. A imensa lua branca deixava tudo prateado, como num quadro em branco e preto.

Parei na pracinha, perto da minha pedra que eu ultimamente tinha como meu lar —, incapaz de resistir. Fiquei no banco por uns dez minutos, contemplando a lua e pensando o que o German estaria fazendo naquele momento.

E então, vindo do nada, a mulher que procurei incessantemente nos últimos dois meses se materializou bem diante dos meus olhos.

— Acredito que esteja procurando por mim. — ela disse e sorriu gentilmente.