De Janeiro a Janeiro

Capítulo 17 "Lost Star"


Narrado por Vivi

"Por favor, não me veja como apenas um rapaz cheio de sonhos e fantasias. Me veja procurando alguém que não consigo ver.

Eram quase nove da noite e eu ainda estava na casa de Bia, esperando-a voltar, mas quem entrou pela porta foi justamente a mãe dela.

—Oi Vivi. Onde está a Bia? -ela não precisou dizer mais nada, apenas pela expressão de cansada eu sei que ela também se lembra que seu marido morreu nesse mesmo dia a onze anos atrás. Quero dizer alguma coisa gentil, mas não sai nada.

—Ela saiu de manhã, ainda não voltou. Estou esperando ela voltar, se não se importar.

—Não, você já é de casa. Como ela está? -a advogada candidata a prefeita perguntou, parecendo preocupada com a filha, todos sabem que esse dia é difícil para ela.

—Não muito bem. -respondi com sinceridade. -Ficou se culpando porque quase esqueceu a data de hoje. -Tia Carla se sentou na mesa se juntando a mim.

—Como você está? -tomei coragem para perguntar.

—Mais preocupada com ela do que qualquer coisa.

—Não se preocupe tanto, eu liguei para o Eduardo Almeida Campos! -soltei, pensando que isso iria fazê-la relaxar.

—O filho do José? -ela perguntou, com os olhos arregalados, todos sabem que ela não gosta muito da família Almeida Campos, mas será que a Bia não contou para a mãe que estava rolando algo entre ela e Duda?

—Sim, você não sabe? Eles tem alguma coisa.—não defino o “alguma coisa” porque nem os dois poderiam definir.

—Espero que esse “alguma coisa” seja algo curto. Não quero ela envolvida com aquela família. -Carla disse, queria perguntar o porquê, mas sei que ela não responde aquilo nem para Bia. Para sua infelicidade, o “alguma coisa” de Bia e Duda não deve ser nenhum um pouco curto, afinal, até agora ela não chegou.

—Vou me deitar, ok? Fique à vontade. Amanhã eu mesmo converso com a Bia. -ela disse e eu apenas assenti.

—Boa noite! -Eu disse vendo ela se levantar e caminhar até o quarto.

—Boa noite. -ela me diz antes de entrar e tenho quase certeza que ela vai chorar.

Em menos de um minuto, Bia entrou pela porta. Ela me olhou com um olhar negativo, mas logo depois sorriu inelutavelmente.

—A noite foi boa? É claro que foi. Aliás, de nada! -eu mesmo me responto sorrindo, e logo após me aproximei, a abraçando, e fomos juntas para seu quarto.

"Pegue a minha mão, vamos ver aonde acordaremos amanhã. Os melhores planos as vezes são só uma noite sem compromisso. Eu serei condenado, o cupido está pedindo sua flecha de volta.

(...)

—Ainda não posso acreditar que ela é líder de torcida. -Janu disse na mesa das líderes, no intervalo de mais um dia letivo.

—E você ainda está implicando com isso... supera, vai! -eu disse a ela, que revirou os olhos para mim.

—Eu sei que ela é sua amiga, Vivi…

—Melhor amiga! -interferi.

—Mas ela não leva jeito. Vai manchar a nossa reputação, ela se nega em se sentar com a gente…

—Na verdade, ninguém a chamou. -Cris interveio.

—E é totalmente desajeitada. -Janu completou, qualquer um percebe que ela está claramente inventando os "defeitos" de Bia.

—Ela também não quer participar, tá bom?! Ela só tá nessa porque se não é suspensa.

—Mesmo assim. -Janu deu de ombros.

Desisti de tentar retrucar, me levantei da mesa, decidindo ir até o banheiro, mesmo que só para fugir delas.

Assim que virei o primeiro corredor, avistei Samuca, ele está saindo da sala de aula com a mochila nas costas e o cabelo bagunçado como sempre. Assim que ele me vê, eu olho para o chão, esperando que ele não pense que eu estou o observando.

—Oi, Cinderela. Quanto tempo?! Estava com saudade de te encontrar em apuros por ai. -ele disse, vindo até mim.

—Ultimamente eu venho tentando não me meter em grandes encrencas. -respondi, sorrindo, também estava com saudade de conversar com ele.

—Que pena, porque eu meio que vou me apresentar em um lugar hoje e queria muito que você fosse. -ele falou, me convidando.

—Eu posso dar um jeito! -respondi rápido. Já tinha desistido da possibilidade de realmente haver algo entre Samuca e eu, e era melhor assim, as líderes iriam odiar se rolasse algo. Mas então por que eu topei tão rápido?

—É um lugar meio rock in roll, posso te buscar na sua casa e vamos pra lá, se quiser.

—Claro! -concordo sorrindo. Estou mesmo precisando fugir um pouco.

—Eu estou um pouco nervoso. Acho que é porque é a primeira vez que vou tocar em um lugar assim e pra tanta gente… -ele falou, parecendo mesmo um pouco assustado.

—Você vai se sair bem, sempre se sai. -eu falei e ele sorriu pra mim.

—Obrigado. Te vejo as sete então?

—Certo. -concordei novamente e ele começou a andar na direção oposta, mas então se virou para mim novamente.

—Só não se meta em encrencas até lá, Cinderela.

Eu não ousaria.

(...) Então vamos nos embebedar em nossas lágrimas. E Deus, nos diga o motivo da juventude ser desperdiçada nas mãos dos jovens.

—Você acredita que ele me convidou? Ahhh! -perguntei, no telefone com a Bia, não conseguindo evitar os gritinhos.

—Já estava na hora, né?! O cara finalmente tomou coragem, acho que vou ligar para ele para zoá-lo! -ela respondeu do outro lado da linha, rindo.

—Será que essa roupa está boa? O que eu faço agora?

—Relaxa, Vivi. Você já teve muitos encontros, sabe como fazer isso. -ela disse, quase me taxando de piriguete ou algo assim, mas ignorei porque é verdade.

—E se não for um encontro e eu estiver entendido errado?

—Ele te convidou para vê-lo tocar, e tocar é a cosia que ele mais gosta de fazer, então sim, é um encontro. -ela diz, me fazendo acreditar.

—O que deu em você? Não vai fazer piadinhas ou ignorar a minha alegria? O Duda realmente faz milagres! -eu disse, conhecia a amiga que tinha e podia sentir sua felicidade a quilômetros de distância.

—Há-há-há. -ela dá uma risada falsa. -Boa sorte! -falou antes de desligar.

Em menos de três minutos a campainha tocou e eu sei que se trata dele na porta, dei uma última conferida no espelho e corri para atender.

Abri a porta, e lá está o rapaz: me olhando com o queixo caído, o que me fez cair no riso imediatamente. Estou usando um vestido preto e fiz uma trança vertical no cabelo.

—Esse é o momento que você se apaixona por mim, não é? Você está louco por mim! -eu digo brincando, enquanto fecho a porta atrás de mim.

—O quê? Eu não... Você está linda!

—Obrigada. Então… vamos?! -digo, já ao seu lado e nós dois entramos no carro.

(…) É temporada de caça e os cordeiros estão correndo. Procurando por um significado.

Quando chegamos na festa, percebo que realmente é um lugar rock in roll. Têm um palco enorme em que no momento uma banca está tocando um cover de Hear Me Now fazendo todo clima parecer mágico.

—Oi, cara, tudo bom? Essa aqui é minha amiga Vivi, ela está comigo. -ele diz ainda na entrada, e o porteiro cumprimenta Samuca e nos deixa entrar, e logo mais percebi que Samuca poderia não ser popular na escola, mas naquele lugar ele era, com certeza. Ele cumprimentou praticamente todos com abraços e sabe o nome de todo mundo.

—Você é bastante famoso por aqui. -eu disse quando finalmente conseguimos ficar a sós.

—Quando não se tem uma família, precisa arrumar uma. -ele contou, me fazendo assentir com a cabeça.

Logo encontramos Rafa e Binho, que também estão lá, nesse mesmo momento eu avisto Débora, ela é uma das líderes, a melhor amiga de Janu. Que droga! Nem se quer ali eu posso ficar em paz. Eu bebo minha bebida com um gole só enquanto ela se aproxima.

—Oi Vivi, você por aqui?

—É a primeira vez que venho. -respondi com um sorriso falso. -Já conhece os meninos? -me virei para os três conhecidos como o "trio nerd da escola".

—É claro! -ela respondeu, mas nem se quer olhou para eles ou os cumprimentou. -Já vou indo, nos falamos depois. -ela se despediu com um olhar de desprezo e voltei rapidamente de onde tinha vindo.

—Como você consegue? -Rafa foi quem me perguntou. -Sério mesmo, eu não conseguiria enfrentar pessoas assim com um sorriso na cara.

—Eu precisei de um copo de álcool. -respondi, e ele sorriu. -Mas elas não são tão ruins assim, são?

—Sim. -Binho e Samuca respondem ao mesmo tempo.

—Acho que eu nunca troquei uma palavra com qualquer uma de vocês, com exceção de você e da Bia. -pensei em como eu era antes de conhecer esses meninos, se eles me viam como uma delas. E pela primeira vez, decido que não é isso que eu quero ser, não só mais uma colegial que só se importa com popularidade, o resto da nossa vida começa agora, e já não me orgulho da pessoa que sou ás vezes. Me perguntei se apenas eu que pensava assim.

—Acho que é minha vez! -Samuca falou, assim que a última banda sai do palco, ele me imita, tomando um copo inteiro de bebida com apenas um gole e depois respira fundo.

—Não fique nervoso, você ainda vai tocar para palcos muito maiores! -eu digo a ele, e em seguida Rafa e Binho também dão palavras de consolo. Então chamam o nome dele no palco.

Fico vendo ele subir e em como se posiciona lá em cima: realmente parece um cantor famoso, e por um súbito momento, eu sei que ele será.

Ele fechou os olhos assim que o toque de Lost Star invadiu o lugar, ele toca com tanto coração que sei que todos já estavam com os olhos fechados também, apenas sentindo as palavras quando ele começa a cantar.

"Mas não somos todos estrelas perdidas, tentando iluminar a escuridão?

Todos estão cantando juntos, meus olhos marejam e eu entendo também porque ele e Bia gostam tanto de música. É mágico. Estou entendendo tantas coisas essa noite!

A música para de tocar, e os aplausos ecoem o lugar.

Quem somos nós? Apenas uma partícula de poeira na galáxia? Ai de mim. Se não formos cuidadosos e tudo virar realidade.

—Esse é o momento que você se apaixona por mim, não é? Você está louca por mim! -ele repete minhas palavras assim que desce do palco, me encontrando boquiaberta e sem palavras.

—O quê? Eu não… Você foi incrível lá em cima!

—Obrigado. -ele agradeceu e então nós dois ficamos nos olhando. Eu quero tanto beijá-lo naquele momento, mas não faço isso. Ele acha que somos apenas amigos, então por que raios ele fica me olhando assim?

—Quer dá o fora daqui um pouco? -ele perguntou e eu concordei, então ele pegou na minha mão me guiando para fora do lugar, todos o cumprimentam e o elogiam, e assim que chegamos do lado de fora começamos a caminhar.

"Não deixe que nossas melhores lembranças te tragam tristeza. Ontem eu vi um leão beijar um veado. Vire a página.

—Eu não te convidei antes para sair… Mas não pense que é porque eu não gosto de você ou algo assim... -ele começou a explicação.

—Tudo bem, a Bia disse alguma coisa? Eu nem me preocupei... -interrompi, mas ele voltou a falar:

—O problema é que eu não sou muito bom com isso de relacionamentos, eu até tive alguns. O ponto é que eu tenho vontade de ir falar com você, de demonstrar o que sinto. Mas como fazer isso sem saber se é recíproco? Pode doer, pode machucar, e de tristeza já basta essas que eu carrego comigo. -ele explica, enquanto caminhamos e eu fico olhando para o chão pensando em como realmente deve ser complicado não ter uma família por perto. Mas ele ainda queria saber se era recíproco?!

Nesse momento eu não digo nada, apenas levanto a cabeça, olhando-o, ele ainda está com aquele jeito de cantor famoso, e sem nem pensar, eu o beijo.

Já beijei muitos garotos, mas naquele momento eu percebi que daquela vez era diferente, eu realmente sinto algo. Mas o que eu sinto em seguida é diferente: é um flash sobre nós, me afasto do beijo, Débora tirou uma foto nossa?!

Talvez nós encontremos um novo final, onde estaremos dançando em nossas lágrimas. Mas não somos apenas estrelas perdidas, tentando iluminar a escuridão?"