DdAH: A Batalha de Skuldafn

III A História de Vorstag e Serana


“Dranctunian era o avô do rei. Seu filho Rorstag pediu em casamento Alabystir, a Bela, filha de Edwystir, que por sua vez era um descendente de High Rock. A esse casamento Edwystir se opunha, pois Alabystir era jovem e ainda não atingira a idade na qual as mulheres dos bretões estavam acostumadas a se casar.

— Além do mais — dizia ele —, Rorstag é um homem austero e já adulto, e será líder antes do que se espera; apesar disso, meu coração pressente que sua vida será curta.

Mas Vyctabyth, sua esposa, que também tinha poderes de previsão, respondeu: — Maior razão para a pressa! Os dias estão ficando escuros e trazem a tempestade, e grandes coisas acontecerão. Se esses dois se casarem agora, pode ser que a esperança nasça para o nosso povo; mas, se demorarem, a esperança não virá enquanto durar esta era.

E aconteceu que, apenas um ano após o casamento de Rorstag e Alabystir, Dranctunian foi capturado e morto por trolls das colinas de Markarth ante a Valthume; Rorstag portanto tornou-se Senhor de Valthume. No ano seguinte Alabystir lhe deu um filho, a quem foi dado o nome de Vorstag. Mas Vorstag tinha apenas dois anos quando Rorstag empreendeu uma busca em Bthardzâm, acompanhado dos filhos de Orthorn Elsinorin, e foi abatido por uma maquinação dwemeri que lhe perfurou o olho, e dessa forma ele realmente viveu pouco para alguém de sua raça.

Então Vorstag, sendo agora o herdeiro de Tiber Septim, foi levado com a mãe para morar em Markarth, com Kepplr, que assumiu o lugar de seu pai e veio a amá-lo como se fosse seu próprio filho. Mas ele era chamado de Thorek, e seu verdadeiro nome e linhagem foram guardados em segredo por ordem de Arngeir; os Sábios Barbacinza sabiam que o Império Mede estava procurando descobrir quem era o Herdeiro de Uriel Septim, caso restasse algum na terra.

Mas, quando Thorek tinha apenas vinte anos de idade, aconteceu que um dia retornava a Markarth depois de ter realizado grandes feitos na companhia dos altos elfos, filhos de Orthorn, amigos de Calcelmo; Kepplr olhou para ele e ficou satisfeito, pois viu que era belo e nobre, e precocemente atingiria a idade adulta, embora ainda fosse crescer no corpo e na mente. Naquele dia, portanto, Kepplr o chamou por seu verdadeiro nome, e revelou-lhe quem era, e o nome de seu pai; entregou-lhe então os legados de sua casa.

— Aqui está o anel de Cephorus — disse ele —, o sinal de seu antigo parentesco; e aqui também está Arandagon. Com eles você ainda poderá realizar grandes feitos, pois eu prevejo que sua vida será mais longa que a da maioria dos homens, a não ser que o mal o acometa ou que você falhe no teste. Mas o teste será longo e dificil.

No ano seguinte, na hora do pôr-do-sol, Vorstag caminhava sozinho na floresta; seu coração estava leve e ele cantava, pois sentia-se cheio de esperanças e o mundo era belo. E de repente, no momento em que cantava, viu uma donzela caminhando num gramado por entre os troncos brancos das bétulas; parou então assustado, pensando que se tinha perdido num sonho, ou então que recebera a dádiva dos menestréis-élficos, capazes de fazer com que as coisas por eles cantadas apareçam diante dos olhos de quem os escuta.

Na verdade Vorstag estivera cantando uma parte da Canção de Mara, que conta sobre o encontro de Mara e Stendarr na Floresta de Aetherius. E eis que Mara estava ali, caminhando diante de seus olhos nas árvores nevadas, vestindo um manto vermelho e negro, bela como o crepúsculo em Markarth; seus cabelos escuros esvoaçavam num vento repentino, e sua fronte estava cingida com pedras que pareciam estrelas, e em suas costas carregava um pergaminho. Por um momento Vorstag observou em silêncio, mas, temendo que ela fugisse e nunca mais aparecesse, chamou-a, gritando, Mara! Mara!, da mesma forma que Stendarr fizera na Era do Amanhecer, muito tempo atrás.

Então a donzela virou-se para ele e sorriu, dizendo: — Quem é você? E por que me chama por esse nome?

E ele respondeu: — Porque achei que você fosse realmente Mara, sobre quem eu estava cantando. Mas, se você não for ela, então você caminha na imagem dela.

— Muitos já disseram isso — respondeu ela num tom grave. — Mas o nome dela não é o meu. Mas quem é você?

— Thorek era meu nome — disse ele —, mas sou Vorstag, filho de Rorstag, Herdeiro de Tiber Septim, Tenente da Guarda da Alvorada.

Mas no momento em que falava ele sentiu que sua alta linhagem, que lhe trouxera alegria ao coração, valia agora pouca coisa, e não era nada em comparação á dignidade e beleza dela, e foi quando viu que seus olhos não eram azuis como o Mar, como a ilusão o havia feito acreditar, mas amarelo e terrível; pois estes eram os olhos de um vampiro.

Mas ela riu com alegria, e disse: — Então somos grandes inimigos. Pois eu sou Serana, filha de Harkon, e também sou vampira como ele.

— Freqüentemente se observa — disse Vorstag, pois não pôde ser hostil — que em tempos perigosos os homens escondem seu principal tesouro. Mas mesmo assim surpreendo-me com Harkon e com suas artimanhas malignas, pois, embora tenha lutado contra suas tropas e maquinações há um ano, nunca ouvi falar de você. Como será que nunca nos encontramos antes? Seu pai não pode tê-la trancado junto com seu tesouro?

— Não — disse ela, erguendo os olhos para uma caverna que assomava atrás — Foi minha mãe quem fez isso, mas a curiosidade dos corações malignos me libertou, e eu não venho para fazer o mal, embora isso seja de minha natureza. Faz pouco tempo que retornei para visitar meu pai outra vez. Já faz muitos anos que não caminho no Castelo Volkihar.

Então Vorstag ficou surpreso, pois ela não parecia mais velha do que ele, que por sua vez ainda não vivera muito mais que vinte anos em Tamriel. Mas Serana olhou em seus olhos e disse: — Não fique admirado! Os filhos de Molag Bal têm a vida dos imortais, que se prolonga por roubo de sangue.

Então Vorstag ficou consternado, pois viu nos olhos dela a luz vampírica e a sabedoria de muitos dias; mas daquela hora em diante amou Serana Volkihar, a Oiorielle, filha de Harkon.

Nos dias que se seguiram, Vorstag ficou calado, e sua mãe percebeu que algo estranho lhe acontecera; por fim ele cedeu às perguntas dela e contou-lhe sobre o encontro na meia-luz do bosque.

— Meu filho — disse Alabystir —, sua ambição é grande, mesmo para um descendente de muitos reis e imperadores. Pois esta senhora é a mais bela e a mais nobre que agora pisa sobre a terra. E não é adequado que os mortais se casem com alguém do povo terrível que nos mata para viver.

— Mesmo assim, todo o meu parentesco aventurou-se neste quesito — disse Vorstag —, se for verdadeira a história que me foi contada sobre eles.

— É verdade — disse Alabystir — mas isso foi há muito tempo e numa outra era deste mundo, antes que aquela raça fosse diminuída. Portanto sinto-me receosa, pois sem a boa vontade do mestre Arngeir os herdeiros de Tiber Septim logo chegarão ao fim. Mas não julgo que você consiga a boa vontade de Arngeir nesse assunto.

— Então amargos serão meus dias, e eu caminharei nas terras desertas e desconhecidas e terríveis sozinho — disse Vorstag.

— Esse realmente será o seu destino — disse Alabystir, mas, embora ela tivesse um pouco do poder de previsão de seu povo, não lhe disse mais nada sobre o seu pressentimento, nem comentou com ninguém sobre o que o filho lhe dissera.

Mas Arngeir via muitas coisas e decifrava muitos corações. Um dia, antes do final do ano, ele convocou Vorstag a subir os Sete Mil Passos e disse:

— Vorstag, filho de Rorstag, Tenente da Guarda da Alvorada, ouça-me! Um grande destino o aguarda: elevar-se acima de todos os seus antepassados desde os dias de Tiber Septim, ou então cair na escuridão com tudo o que resta de sua estirpe. Muitos anos de provações estendem-se diante de você. Você não deve ter uma esposa, nem assumir compromisso com qualquer mulher, até que seu tempo chegue e que você seja considerado digno disso.

Então Vorstag ficou perturbado, e disse: — Será que minha mãe mencionou algo sobre esse assunto?

— Não, não mencionou nada — disse Arngeir. — Seus próprios olhos o traíram. Mas não estou falando apenas do Servo de Molag Bal. Você ainda não deve comprometer-se com a filha de homem algum. Mas quanto a Serana, a Bela, Senhora do Castelo Volkihar, a Terrível, ela é de uma linhagem superior à sua, e já viveu neste mundo tanto tempo que para ela você não passa de um tenro broto ao lado de uma bétula jovem de muitos verões. Ela está muito acima de você. E também acho provável que ela pense assim. Mas mesmo se não fosse o caso, e o coração dela se voltasse na direção do seu, eu ainda me sentiria triste por causa do destino que a foi imposto.

— Que destino é esse? — perguntou Vorstag.

— Que, enquanto Harkon permanecer em Tamriel, ela viverá com a juventude dos vampiros — respondeu Arngeir —, e quando ele partir ela irá assumir seu papel numa terrível profecia dos elfos da neve.

— Estou vendo — disse Vorstag — que fixei meus olhos num tesouro precioso demais, ainda que eu fosse o Imperador. Este é meu destino.

Então, de súbito, o poder de previsão do povo bretão aflorou-lhe na mente, e ele disse: — Mas veja, mestre Arngeir! Os anos da permanência de Harkon estão chegando ao fim, e a escolha logo deverá ser imposta aos seus filhos, a escolha de se separarem ou dele ou da vida.

— É verdade — disse Arngeir. — Logo, pelos nossos cálculos, embora muitos anos dos homens ainda devam se passar. Mas não haverá escolha para Serana, o monstro terrível, a não ser que você, Vorstag, filho de Rorstag, se coloque entre a derrota dela e o triunfo do bem e faça com que um de nós dois, você ou eu, sofra uma separação amarga, que ultrapassará o fim do mundo. Você ainda não compreende o que deseja. Os anos trarão o que devem trazer. Não vamos falar mais nisso até que muitos se tenham passado. Os dias estão escurecendo, e muito está por vir.

Então Vorstag despediu-se carinhosamente de Arngeir, e no dia seguinte disse adeus à mãe, e aos outros Barbacinza da Alta Hrothgar, partindo para os ermos. Por quase trinta anos trabalhou na causa contra Harkon, e tornou-se amigo de Savos Aren, o Arque-Mago, do qual ganhou muita sabedoria. Com ele fez muitas viagens perigosas, mas enquanto os anos se passavam viajava sozinho com mais frequência.

Seus caminhos eram longos e dificeis, e ele assumiu uma aparência rústica, a não ser quando casualmente sorria; mesmo assim os homens o consideravam digno de honra, como um imperador no exílio, nos momentos em que ele não escondia sua verdadeira aparência.

Pois ele circulava sob muitos disfarces, e obteve fama sob muitos nomes. Cavalgou com o Exército do Rift, lutou para o Alto Rei de Skyrim por terra e mar e depois, na hora da vitória, desapareceu para não ser mais visto pelos homens do oeste, e viajou pelo distante leste e pelos além-mares do norte, explorando os corações dos homens, bons e maus, e revelando os planos e estratégias dos servidores de Harkon.

Assim acabou se tornando o mais resistente dos homens vivos, habilidoso em seus ofícios e erudito nas suas tradições, e apesar disso era mais do que eles; pois tinha a sabedoria dos altos elfos, que lhe fora ensinada por Calcelmo durante toda a sua infância e dos nórdicos, que os barbacinzas lhe haviam ensinado, e havia uma luz em seus olhos que, quando se acendia, poucos podiam suportar. Seu rosto era triste e austero por causa do destino que lhe fora imposto e apesar disso a esperança sempre morou nas profundezas de seu coração, do qual a alegria ás vezes jorrava como uma fonte que jorra de uma rocha.

Veio a acontecer que, aos quarenta e nove anos de idade, Vorstag estava retornando de perigos nos escuros confins de Skuldafn, onde Alduin passara a morar de novo, ocupando-se do mal. Vinha cansado e desejava voltar a Markarth para descansar um pouco, antes de viajar para terras distantes; em seu caminho passou pelas fronteiras do Forte da Guarda da Alvorada e foi recebido em seu quartel general por Isran, Senhor e Alto Chefe dos Guardiões da Alvorada.

Ele não sabia, mas Serana Volkihar também estava lá, pois estava estranhada com seu pai, e agora conspirava profundamente contra ele e seus terríveis planos e profecias. Mudara pouco, pois os anos mortais haviam passado por ela sem deixar marcas; mas seu rosto estava mais sério, e raramente se ouvia seu riso. Mas Vorstag crescera, atingindo a plenitude no corpo e na mente, e Isran pediu que tirasse suas vestes gastas pela viagem e o vestiu em prata e marrom, com um manto da Guarda, colocando uma pedra brilhante sobre sua testa. Então sua aparência ficou superior à de qualquer homem, e ele mais parecia um Senhor Imperial de Cyrodiil. E foi assim que Serana o contemplou pela primeira vez após a longa separação; e enquanto ele veio caminhando ao encontro dela sob os pilares do Forte da Guarda da Alvorada, ela fez sua escolha e selou seu destino.

Então por um tempo os dois passearam juntos nas clareiras do Forte, até que chegou a hora de ele partir. E, na tardinha do Solstício de Verão, Vorstag, filho de Rorstag, e Serana, filha de Harkon, foram até a bela colina das Montanhas Velothi, acima daquele lugar, e andaram descalços sobre a relva sempre verde ao redor de seus pés. E ali, sobre aquela colina, olharam para o norte, na direção de Skuldafn, e para o oeste, na direção do Crepúsculo, e comprometeram-se um com o outro e sentiram-se felizes.

E Serana disse: — Escura é a Sombra, e mesmo assim meu coração se alegra; pois você, Thorek, estará entre os grandes cuja coragem irá destruí-la.

Mas Vorstag respondeu: — Infelizmente não posso prever esse fato, e o modo como virá a acontecer está oculto para mim. Mas com sua esperança hei de esperar. E rejeito o Devorador de Mundos com todas as minhas forças. Mas da mesma forma, senhora, o Crepúsculo não é para mim; pois sou mortal, e se você ficar ao meu lado, Beleza Eterna, deverá também renunciar a imortalidade.

Ela então ficou imóvel como uma árvore branca, olhando para o oeste e norte, onde ficava seu Castelo; por fim, disse: — Vou ficar ao seu lado, Ronaan, e dar as costas para a imortalidade. Apesar disso, lá fica a terra de meu povo, e a antiga casa de toda a minha família.

Ela amava o pai intensamente, embora ele fosse o terrível.

Quando Harkon foi destruído e Valerica, sua mãe, libertadas dos terríveis planos do Marco d’Alma, e ficou sabendo da escolha da filha, ficou em silêncio, embora seu coração se tivesse entristecido, percebendo que o destino tanto tempo temido não era nada fácil de suportar. E então Valerica, a vampira, que também era da pura linhagem das Filhas de Coldharbour, chamou-o á parte e lhe disse:

— Meu filho, aproximam-se os anos em que a esperança vai desaparecer, e além deles pouco está claro para mim. E agora uma sombra paira entre nós. Talvez assim tenha sido prescrito, que por minha perda o poder dos reis dos homens possa ser restaurado. Portanto, embora o ame por ter me tirado da perdição e do exílio, digo-lhe isto: Serana Volkihar não diminuirá a dádiva de sua vida por uma causa menor. Ela não será a noiva de ninguém que não seja o rei de Haafingar e de Marchaleste. Para mim, até mesmo nossa vitória só poderá trazer tristeza e separação, mas para você poderá trazer esperança de alegria por um tempo. É uma pena, meu filho! Receio que para Serana o destino dos homens possa ser difícil no final.

Assim ficou acertado entre Valerica e Vorstag, e eles não falaram mais desse assunto; mas Vorstag partiu outra vez na direção do perigo e do trabalho árduo. E enquanto o mundo escurecia e o medo caía sobre Tamriel, á medida que o poder de Alduin crescia e Skuldafn se erguia cada vez mais alta e forte, Serana permaneceu no Castelo Volkihar, e, quando Vorstag estava fora, de longe ela cuidava dele em pensamento; e na esperança fez para ele um estandarte grande e majestoso, digno de ser exibido apenas por alguém que reivindicasse o trono dos cyrodiílicos e a herança de Tiber Septim.

Depois de alguns anos, Alabystir despediu-se de Markarth e retornou para o seio de seu próprio povo em High Rock, e viveu sozinha; raras vezes viu o filho de novo, pois ele passava muitos anos em terras distantes. Mas uma vez, quando Vorstag tinha retornado do leste, ele foi vê-la, e ela lhe disse antes de sua partida:

— Esta é a nossa última despedida, Thorek, meu filho. Estou envelhecida pela preocupação, mesmo para uma pessoa pertencente á raça dos homens inferiores; e, agora que se aproxima, não posso enfrentar a escuridão de nosso tempo, adensando-se sobre Skyrim. Deixarei este lugar em breve.

Vorstag tentou consolá-la, dizendo: — Apesar disso, ainda pode haver uma luz além da escuridão; se for assim, eu gostaria que a senhora a visse e se alegrasse.

Mas ela respondeu apenas com este verso na língua bretã: Renkel deus goanag orth impalaer, renkel-genel erth hevelep, e Vorstag foi-se embora com o coração pesado. Alabystir morreu antes da primavera seguinte.

Assim se aproximaram os anos da Crise dos Dragões, sobre a qual se conta mais em outro lugar: sobre como se revelou o meio inesperado pelo qual Alduin poderia ser derrotado, e sobre como uma esperança além de qualquer esperança foi concretizada. E aconteceu que na hora da derrota Vorstag surgiu do mar e desfraldou o estandarte de Serana na Batalha de Solitude, e naquele dia foi pela primeira vez aclamado como rei. E por fim, quando tudo estava consumado, ele assumiu a herança de seus antepassados e recebeu a Coroa do Rei Harald da linhagem de Ysgramor, e virou o Rei de Marchaleste; e o Palácio Azul, e virou Rei de Haafingar; e no Solstício de Verão do ano da Queda de Alduin ele tomou a mão de Serana Volkihar, e os dois se casaram na cidade dos reis.

A Quarta Era continuou em vitória e esperança; apesar disso, melancólica entre as tristezas daquela Era foi a despedida de Serana e Valerica, pois os dois foram separados pelo tempo e por um destino que ultrapassava o fim do mundo. Serana tornou-se uma mulher mortal, mas apesar disso não era seu destino morrer até perder tudo o que ganhara.

Como rainha dos elfos, criaturas e dos homens, ela viveu com Vorstag por cento e vinte anos em grande glória e felicidade; mas por fim ele sentiu a aproximação da velhice e sabia que seu tempo de vida estava se esgotando, por mais longo que pudesse ter sido.

Então Vorstag disse a Serana: — Finalmente, Senhora da Beleza Eterna, belíssima neste mundo, e muitíssimo amada, meu mundo está se acabando. Eis que acumulamos e gastamos, e agora a hora do pagamento se aproxima!

Serana sabia o que ele pretendia, tendo previsto tudo muito tempo antes; não obstante, foi derrotada pela tristeza: — Então iria, meu senhor, antes de seu tempo, abandonar seu povo, que vive graças ao seu comando? — disse ela.

— Não antes de meu tempo — respondeu ele. — Pois, se não for agora, deverei ir em breve, à força. E Thadgeir, nosso filho, é um homem maduro para o trono.

Então, dirigindo-se para o Salão dos Mortos, Vorstag deitou-se no longo leito que lhe fora preparado. Ali disse adeus a Thadgeir, e entregou-lhe nas mãos a coroa denteada de Marchaleste e sua espada, Arandagon; depois todos o deixaram, com exceção de Serana, que ficou sozinha ao lado do leito. E, com toda a sua sabedoria e nobreza, ela não pôde evitar de implorar que ele ficasse ainda por mais um tempo. Ainda não estava cansada de seus dias, e assim provou o gosto amargo da mortalidade que assumira para si.

— Senhora Volkihar e Septim — disse Vorstag —, a hora é realmente dificil, mas ela foi feita no mesmo dia em que nos encontramos sob as bétulas brancas no jardim das montanhas, por onde agora ninguém caminha. E sobre as Montanhas Velothi, quando rejeitamos tanto o Devorador de Mundos como a imortalidade, foi este o destino que aceitamos. Aconselhe-se consigo mesma, minha amada, e pergunte-se se realmente gostaria que eu esperasse até mirrar e cair de meu alto trono, sem virilidade e sem razão. Não, senhora, sou o último dos cyrodiílicos, e o último rei de sangue puro. Agora, portanto, vou dormir. Não lhe direi palavras de consolo, pois não há consolo para uma dor assim nos círculos do mundo. A escolha suprema se coloca diante de você: arrepender-se e procurar a doença que um dia lhe foi pura, e agora será suja e vulgar, levando para a imortalidade a lembrança dos dias que passamos juntos, que lá serão sempre negros, e não passarão de lembrança, ou então conformar-se com o destino dos homens.

— Não, querido senhor — disse ela. — Essa escolha há muito não existe mais. Agora não há um vampiro que pudesse me transformar novamente, e devo de fato me conformar com o destino dos homens, quer queira quer não: a perda e o silêncio. Mas digo-lhe, Rei dos Nórdicos e Imperiais, só agora entendo a história de seu povo e de sua queda. Desprezei-os como tolos miseráveis, mas por fim sinto pena deles. Pois, se realmente esta for, como dizem os vampiros, a dádiva dos Divinos concedida aos homens, é uma dádiva amarga de receber.

— Assim parece — disse ele. — Mas não nos deixemos derrotar no último teste, nós que há muito tempo renunciamos ao Devorador de Mundos. Devemos partir com tristeza, mas não com desespero. Veja! Não estamos para sempre presos aos círculos do mundo, e além deles há mais do que lembrança.

— Adeus! Thorek, Thorek! — gritou ela, e nesse momento, na hora em que tomou sua mão e a beijou, Vorstag adormeceu.

Então revelou-se nele uma grande beleza, tanto que todos os que vieram depois para vê-lo olhavam-no admirados, pois viam que a graça de sua juventude, a coragem de sua virilidade, a sabedoria e a majestade de sua velhice estavam mescladas em seu rosto. E por muito tempo ficou ali deitado, uma imagem do esplendor dos Reis dos Homens, numa glória que não se apagou antes da destruição do mundo.

Mas, quando Serana saiu do Salão, a luz de seus olhos se apagara, e seu povo teve a impressão de que ela se tornara fria e cinzenta como o cair de uma noite de inverno, que chega sem uma estrela. Então ela disse adeus a Thadgeir e às filhas, e a todos aqueles a quem amava; partiu da cidade de Solitude e passou para o Castelo Volkihar; e viveu lá com sua mãe, sob as árvores que iam murchando, até que o inverno chegou.

Então, por fim, quando as folhas das árvores estavam caindo, mas a primavera ainda não chegara, ela se deitou para descansar sobre as folhas no Jardim do Castelo Volkihar, e lá está seu túmulo verde, até que o mundo se altere, e todos os dias de sua vida sejam completamente esquecidos.

Aqui termina esta história, como nos chegou do norte enviado por Valerica; e com a passagem da Rainha de Solitude nada mais se lê neste livro sobre os dias de outrora."