Darling

Strawberry, please


- Qual o sabor do chá?

- Morango, por favor. – Pediu educadamente à garçonete, os dedos graciosamente entrelaçados sob o queixo. Ela sorriu para o rapaz, retirando-se para trazer seu pedido.

Aquele lugar era tão agradável que Kaya não se incomodava de estar sozinho. A atmosfera era morna, e o contínuo aroma de baunilha dos crepes sendo preparados na cozinha lhe transmitia uma sensação acolhedora. Podia passar a tarde inteira naquela confeitaria, apesar de, infelizmente, quase nunca ter tempo de visitá-la. Era provavelmente seu lugar favorito. Mesmo as pessoas que o freqüentavam pareciam mais bonitas.

Foi sorte encontrar sua mesa favorita vazia. Era no segundo andar da confeitaria, de onde podia ver todo o primeiro andar e ainda apreciar a vista da rua. Ele gostava de observar. Acreditava que todos tinham uma vida interessante o bastante para despertar a sua curiosidade. Como se todos fossem filmes sendo exibidos diante dos seus olhos. Um hábito antigo que sempre o entretinha onde estivesse.

E passeando o olhar pelo andar inferior, algo despertou sua curiosidade. Um detalhe tão sutil, mas a forma como os pulsos do homem se moviam enquanto misturava seu chá chamaram sua atenção para o homem como um todo. Era familiar. A postura do homem ao sorver o conteúdo da xícara, onde já havia visto aquilo... Acabou por rir de si mesmo, surpreso com o tempo que havia levado para reconhecer Mana. A provável única pessoa no mundo a ainda usar um relógio de bolso – como ele o checava agora. Havia algo nele que dava critério de elegância aos gestos mais comuns.

Não era uma total coincidência, visto que havia sido ele a lhe apresentar aquela confeitaria. A decoração fazia bem seu estilo. Mesmo agora, quando não usava as costumeiras roupas clássicas, parecia se misturar muito bem ao ambiente. Estava bonito, e isso não era surpresa. Não pôde deixar de admirar a bonita combinação do sobretudo preto com a camisa clara. O cabelo também estava um pouco mais comprido do que da última vez que o vira, atingindo um pouco abaixo do ombro. Percebeu-se checando seu próprio reflexo na janela para confirmar se também fazia jus à impressão que tinha do outro.

Fazia tempo que não se encontravam... Apesar de Mana tê-lo ligado para parabenizá-lo pelo último single. Era uma pessoa atenciosa, com quem ele lamentava não ter tanto contato quanto gostaria. Talvez o que ele mais gostasse naquele lugar fossem as vezes em que ambos passaram a tarde sentados naquela mesma mesa, conversando. Sequer fazia tanto tempo assim. Não gostava da idéia de que não fossem mais tão próximos, e que os momentos em que Mana balançava a cabeça negativamente e ria de algo tolo que ele houvesse dito parecessem distantes.

Agora era ele que se surpreendia rindo para a pessoa que sequer havia notado sua presença.

- Seu chá, senhor. – Não percebeu enquanto a garçonete se aproximava. Murmurou um agradecimento, acabando por sorrir para o próprio chá com o pensamento que lhe ocorreu.

Vamos resgatar os velhos tempos, quando eu era tolo e você ria disso.

- Ahm, senhorita? – A moça olhou-o interrogativamente, enquanto ele tirava da bolsa uma caneta e escrevia algo num guardanapo – Poderia entregar isso para aquele senhor no andar de baixo?

A garçonete respondeu-lhe com um sorriso cúmplice. Obviamente estava acostumada com aquele tipo de situação. Pegou o pequeno guardanapo nas mãos, descendo as escadas. Kaya ria em antecipação, não conseguindo desviar o olhar. Conteve a risada mordendo os nós dos dedos, enquanto a moça curvava-se ao lado de Mana, sussurrando-lhe algo no ouvido e lhe entregando o papel. Mana não esboçou reação ao ser abordado. Era o que sempre fazia antes de confirmar que não havia sido reconhecido. Não fez muito diferente quando leu o guardanapo, limitando-se a erguer rapidamente as sobrancelhas.

“Você é muito bonito. Está sozinho?”

Kaya escondeu o rosto nas mãos, rindo ao se lembrar do conteúdo do próprio bilhete. Quando Mana descobrisse que era ele, provavelmente giraria os olhos, balançando a cabeça para aquela brincadeira boba. Afinal, era Kaya. Era o que Kaya fazia. Fora que a idéia de ter feito aquela brincadeira pela inegável graça de imaginar Mana flertando era perfeitamente aceitável.

- Erm... Senhor?

Kaya olhou, confuso, para a moça a sua frente. Ela lhe sorria, deixando sobre a mesa um pequeno guardanapo e se retirando. Abriu o guardanapo.

“Você não está?”

Fez menção de rir, quando apenas ruborizou. Coisa que nunca fazia num flerte, sempre mantinha o controle. Releu o papel algumas vezes, tentando entender por que Mana havia respondido em primeiro lugar. Pensou na garçonete, provavelmente uma romântica, parada ao lado do outro com um sorriso de expectativa, aguardando ansiosa pela honra de levar a resposta ao remetente. Por um momento não soube o que fazer com a resposta.

Mas a brincadeira só faria sentido se ele agisse o mais tolamente possível.

Bateu levemente com a ponta da caneta no lábio inferior, refletindo sobre o que escrever. Algo que fosse adorável, ousado e não fizesse sentido algum. Ele deveria ser o especialista nisso.

“Infelizmente sim. Poderia me fazer companhia?”

Olhou refletidamente para o guardanapo por alguns instantes. Poderia ser mais ousado. Ele nunca havia visto Mana corar. E a simples idéia já o fazia rir.

“Infelizmente sim. Poderia me fazer companhia? Você parece encantador.”

- Senhorita?

- Sim? – A jovem terminou de servir uma mesa e atendeu ao seu chamado, animadamente. Provavelmente adorava aquele tipo de ocasião, que quebrava sua rotina com um pouco de romance que ela tanto gostava. Se o diálogo se estendesse, provavelmente logo ela estaria perguntando sobre o desenrolar do flerte. Kaya sorriu de volta quando ela parou ao seu lado sorridente, aguardando a nova mensagem. Talvez ela se desapontasse se soubesse que não passava de uma brincadeira entre amigos. Mas havia tanto encanto em seus olhos que não seria ele a lhe contar isso.

A jovem desceu as escadas. Kaya observou atentamente as reações de Mana dessa vez. Ele baixou os olhos para o guardanapo, não demonstrando maior interesse. Não corou como esperava, o que o decepcionou. Kaya franziu as sobrancelhas ao ver que ele escrevia novamente no verso do papel. Meneou a cabeça em agradecimento à garçonete antes de lhe entregar o novo bilhete. Tão pouco expressivo, mas sempre educado.

Enquanto a garçonete subia novamente as escadas, Mana checou o relógio de bolso outra vez. Kaya percebeu que deveria encerrar aquela brincadeira logo, ou Mana iria embora sem entende-la. Nos curtos segundos antes que a jovem voltasse a sua mesa, teve a impressão de ter visto Mana sorrir enquanto checava as horas.

“Obrigado. Mas não gostaria que minha presença apagasse uma opinião tão gentil e errada sobre mim”.

Kaya sorriu, balançando a cabeça em incredulidade. Estava sendo dispensado. Nunca havia sido dispensado numa situação séria, e estava sendo numa brincadeira. Aquilo não feria realmente seu orgulho. Mana não o teria dispensado se soubesse que era ele e fosse sério.

Não. Provavelmente teria.

Mas ele não queria considerar esse pensamento.

Mal havia terminado de escrever sua resposta quando percebeu que a mesa onde Mana estava se encontrava vazia. Levantou-se, indo em direção às escadas e percorrendo todo o primeiro andar com os olhos. Nada. No curto segundo em que se distraiu, Mana havia ido embora. Suspirou, desapontado. Não haveria sentido em lhe ligar depois para dizer que era ele, que era uma brincadeira. Mana provavelmente já haveria esquecido isso. Ele deveria ter ido diretamente até ele... Voltou a sua mesa, aborrecido.

Onde Mana estava sentado, olhando para ele e balançando a cabeça, negativamente, com um sorriso.

- Você é muito bobo, Kaya.

Gargalhou, surpreso, indo em sua direção e o abraçando pelo pescoço. Exatamente o que ele queria que acontecesse.

- Está bravo? – Disse, ainda sorrindo, se sentando ao seu lado.

- É algo tão típico vindo de você, não teria como ficar bravo.

Exatamente o que queria que ele respondesse.

- Como você soube que era eu, aliás?

Mana esperava que ele perguntasse isso. Ergueu pela corrente o relógio de bolso até a altura de seus olhos. O interior era espelhado.

– Segui a moça pelo reflexo quando ela veio te entregar o bilhete. Eu deveria ter imaginado, aliás.

- Ah, sim. – Lembrou-se do sorriso de Mana ao checar o relógio naquele momento, apesar de não realmente relacionar os fatos -Lembre-me de agradecê-la depois.

- Verdade, você se aproveitou da veia romântica da pobre garota para explorá-la em sua brincadeira.

- Não foi a intenção, e ela parecia tão feliz. Não teria lhe dado tanto trabalho se você não fosse tão difícil.

- Desculpe por isso. – Mana riu, apoiando o rosto numa mão – Não fiquei realmente surpreso em ver você aqui. Você sempre gostou dessa confeitaria.

- Desde a primeira vez que você me trouxe. É um bom lugar pra observar pessoas.

- Intrometido.

- Não sou intrometido! – Riu da provocação – Eu sempre gostei de conhecer pessoas, mas às vezes fico feliz só por observá-las. É algo tão estranho?

- Nisso sempre fomos diferentes, sempre odiei conhecer pessoas. – Girou os olhos. Talvez já tivessem tido aquele mesmo diálogo, naquela mesma mesa. Mas havia algo naquele lugar que tornava tudo novo e interessante.

A companhia, provavelmente.

- É uma pena, não consigo imaginar alguém que não quisesse conhecer você.

- Engano seu.

- Claro que não. Se eu não o conhecesse, teria passado a tarde o observando. Não mais do que isso já que, obviamente, você não queria mesmo a minha companhia. – Balançou o bilhete no ar, com ar de falso descontentamento. Mana riu.

- Isso diz mais sobre você do que sobre mim.

- Discordo. – Inclinou encantadoramente a cabeça ao dizê-lo. Mana gostava da quase infantilidade na gentileza de Kaya,

- Você é um doce. Provavelmente se entreteria mais olhando para um espelho.

- Nada, sou completamente desinteressante. – Balançou a mão uma mão no ar, com um sorriso – Eu falo muito, sou muito expansivo. Não tem graça em observar uma pessoa sem mistérios.

- Minha vez de discordar de você. Eu pessoalmente acho encantador.

- Mas você não gosta de observar pessoas.

- Eu posso te observar enquanto falo com você.

Kaya segurou o chá com ambas as mãos. Tentando não parecer tão interessado quanto de fato estava.

- E o que você vê?

- Pensei que você não se achasse interessante.

- Não acho. – Sorriu. Kaya era a única pessoa genuinamente modesta que Mana conhecia. – Por isso minha curiosidade.

Mana não tinha realmente uma resposta formulada. Mas o olhar de expectativa de Kaya deixava claro que ele não o deixaria mudar se assunto sem uma.

– Bom... Um tipo de pessoa que eu gostaria de ser.

Kaya ia sorrir até lembrar que Mana falava dele. Então apenas olhou, sem entender.

- Como assim? Eu?

- Por que não você?

- Pensei que você me achasse bobo.

- Eu acho. Nunca disse que isso era algo ruim.

- Não vejo por que você gostaria de ser bobo.

- Não é como se você fosse somente bobo. Você tem muitas características que me causam inveja.

Inveja. Mana. Dele. Que diálogo absurdo.

- De que tipo?

- Não sei. Nós passamos pelo mesmo caminho e somos completamente opostos. Eu olho para você e não vejo mácula. Você absorve coisas tão puras e alegres para o seu espírito, e é o que você transmite. Eu faço o exato oposto. Não é como se eu me arrependesse de algo no meu passado, ou da forma como as coisas aconteceram. Mas eu de fato invejo a forma como você vê as coisas com o encanto que elas merecem. Olhar pra você me faz pensar se eu seria assim se uma ou duas coisas não houvessem acontecido. Ou eu tivesse tomado uma postura diferente para com elas.

Por mais que Mana sorrisse educadamente ao dizê-lo, a cada palavra o sorriso de Kaya se esvaía, até que fossem apenas seus lábios entreabertos e um olhar levemente confuso. Aquelas coisas não pareciam um elogio. Não quando eram de Mana para ele.

- Parece desapontado. – Mana brincou, vendo que Kaya se mantinha em silêncio por muito tempo.

- Não parece certo ouvir essas coisas vindas de você...

- E por quê?

- Bom, nessa mesa você é o ídolo e eu sou o fã. – Mana riu e Kaya fez o mesmo – Eu que deveria estar dizendo essas coisas.

- Uma hora ou outra você acabaria descobrindo que não há nada de admirável na minha pessoa. – Mana ainda ria ao dizer aquilo.

E mais uma vez o sorriso de Kaya se esvaiu.

- Por que isso te chateia tanto? – Mana disse mansamente, ao perceber que suas palavras afetavam Kaya novamente.

- Porque não é verdade. Não gosto de te ouvir desmerecer alguém especial para mim.

- Fico honrado em ouvir isso. Vou parar de falar, então. Como eu disse no bilhete, não gosto de desfazer opiniões gentis e erradas sobre a minha pessoa.

- Então você estava sendo sincero?

- Eu sou sempre sincero.

Kaya baixou a cabeça, contrariado. Parecia sua culpa que a conversa tivesse recaído sobre um tema tão desagradável.

- Você deveria se ver como eu te vejo. – Disse suavemente, com um fraco sorriso nos lábios.

- E como é isso?

Kaya ergueu o sorriso para ele antes de responder. Talvez por tê-lo olhado tão diretamente, a resposta não veio. Os olhos de Mana eram muito penetrantes, pareciam prestar atenção em tudo que ele tivesse a dizer, ao mesmo tempo em que pareciam ler o que ele apenas pensava. Era tão discreto, mas cada palavra sua parecia atrair cada vez mais o ouvinte para o seu mundo. Kaya podia o ouvir falar por horas sem nunca perder o fascínio. Havia algo de brilhante nele, que sempre fazia com que ele quisesse conhecê-lo mais.

Kaya percebeu que não tinha uma palavra que definisse isso.

- Então? – Mana não estava realmente curioso com a sua resposta. Mas Kaya estava em silêncio há muito tempo e isso não era do seu feitio.

As palavras não se organizavam corretamente na sua cabeça. E mesmo se fizessem, Mana não entenderia. Ao menos não inteiramente. E pareceu importante que ele entendesse. Não que ele fosse uma pessoa difícil de ser interpretada. Mas não confiava totalmente em suas palavras para creditá-las tanta responsabilidade.

Como Mana, ele também era sempre sincero.

E não queria correr o risco de ser mal compreendido.

Mana não se moveu quando ele começou a se inclinar em sua direção. Nem quando estava tão perto que Kaya podia sentir seu perfume quase diretamente de sua pele. Kaya fechou os olhos, instintivamente, ao sentir a respiração de Mana em seu rosto.

- Ahm... Kaya...

Kaya abriu os olhos, interrogativo. Mana ainda não havia se movido. Apenas baixou os olhos, indicando a própria camisa. Kaya percebeu que a xícara ainda estava em sua mão.

E o chá estava se espalhando pela camisa de Mana.

- Ai, meu Deus! – Exclamou, pondo a xícara vazia sobre e mesa e buscando desesperado pelo lenço em sua bolsa.

- Não tem problema. – Mana tentou acalmá-lo, observando a enorme mancha rósea começar a colar o tecido à sua pele. – Ao menos não estava quente.

- Droga, como eu sou desastrado. – Tentou, aflito, absorver o excesso do líquido com o lenço. – Devo ter arruinado sua camisa.

- Eu precisava mesmo de um pouco de cor no meu vestuário.

- Engraçadinho. – Censurou-lhe, guardando o lenço. Abriu a carteira e deixou o valor da conta sobre a mesa. – Vamos para a minha casa, eu te empresto alguma coisa para vestir.

- Realmente não é necessário. – Mana fechou completamente os botões do sobretudo, cobrindo-lhe até o pescoço.

- Você está é com medo de usar uma das minhas roupas. Vamos. – Mana riu enquanto Kaya o puxava pelo pulso escada abaixo.

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Mana estava sentado na cama, observando enquanto Kaya passava as mãos pelos cabides em seu armário procurando por algo para ele vestir. Não estava totalmente insatisfeito com a camisa que usava. Agradava-lhe o cheiro de morango.

- Essa daqui? – Kaya virou-se, segurando uma camisa preta contra o peito.

- Está ótima.

- Hmn... – Ergueu-a a altura dos olhos, olhando-a insatisfeito – Você vai parecer um agente funerário. Vou escolher outra.

- Qualquer uma está boa. – Mana balançou a cabeça, sorrindo, enquanto Kaya se voltava para o armário.

- Ah, essa. Adoro essa camisa. – Virou-se, segurando uma camisa azul escura com um laço abaixo do pescoço.

- É realmente bonita.

- Veja se serve. – Entregou nas mãos de Mana, indo em direção a porta – Vou preparar algo.

- Que não seja chá. – Disse pouco antes de Kaya encostar a porta.

Kaya mal havia tocado o pé na cozinha, quando se lembrou de algo. Girou nos calcanhares de volta ao quarto.

- Ah, Mana-sama, eu já ia es–

Mana olhou-o por sobre o ombro quando ele abriu a porta. A camisa já descobria metade de suas costas, deixando a mostra a pele clara de suas espáduas. O traço de suas omoplatas era bem marcado, como um espaço deixado por asas recém arrancadas. Seus ombros e quadris se delineavam de forma harmoniosa, criando uma curva perfeita. Mana estava contra a claridade vinda da janela, fazendo com que Kaya não pudesse ver o seu rosto.

Fazendo com que Kaya desejasse que ele também não pudesse ver o seu. Já que provavelmente estava corando.

- Ah... – Abaixou a cabeça, estendendo a mão sem olhar para Mana novamente – Sua camisa. Tenho que botar para lavar. Antes que manche.

- Ah, sim.

Quando Mana terminou de tirar a camisa e se aproximou, Kaya olhava apenas para sua sombra. Que bobeira sua, sentir vergonha numa situação tão corriqueira. Não havia nada de mais em vê-lo sem camisa, Mana era uma pessoa como qualquer outra.

Exceto que ele não era.

- Não precisava se preocupar com isso, eu tenho várias desse –

- Preciso sim, me dá. – Kaya pegou a camisa de suas mãos e saiu do quarto no instante em que o antebraço descoberto de Mana entrou em seu campo de visão. Fechou a porta atrás de si como se dela dependesse a salvação da sua vida.

Lembrou-se de respirar após programar a máquina de lavar. Tirou da geladeira duas latas de chá gelado – Mana faria alguma brincadeira com aquilo – e se sentou à mesa, com um suspiro. Estava agindo como um idiota. Ele deveria rir daquela situação toda, e disfarçar com humor a vergonha de ter derramado chá na camisa de Mana. Era o que faria numa situação normal. Ele não gostava de agir daquele jeito perto de Mana.

Mas ele agia daquele jeito perto de Mana.

Como podia aceitar ser admirado por uma pessoa que o afetasse tanto? Se eu te afetasse dessa forma, você provavelmente me odiaria. Ou me amaria. Não existem outras opções nesse caso.

E certamente eu não te odeio.

- Chá? – Sobressaltou-se quando Mana surgiu ao seu lado, terminando de fechar as abotoaduras. – Não basta de experiências com chá por um dia?

- Ah, pare! – Kaya riu, tentando mudar o foco de seus pensamentos. – Não teria sido uma tragédia tão grande se você tivesse me lembrado que a xícara estava na minha mão. Você sabe como eu sou distraído.

- Não teria acontecido se você não tivesse tentado me beijar.

Mana tirava o sorriso de seu rosto tão rapidamente quanto o estampava. O olhar do outro para si era inexpressivo, enquanto por dentro ele entrava em ebulição. Sentiu seu rosto queimar como brasa, tão intensamente que ele quis escondê-lo. Se houvesse qualquer brecha para sair do foco do olhar de Mana, ele fugiria por ela. Ele não queria falar sobre isso. Não agora. Não sem uma explicação convincente.

Não quando você me olha com tanta naturalidade, como se minha resposta não importasse. Eu adoraria que você risse e girasse os olhos quando eu dissesse que era uma brincadeira. Afinal, sou eu. É o que eu faço. Eu não fui feito para ser levado a sério.

Mas não era uma brincadeira. E eu não posso lidar com a idéia de que você não me leve a sério se souber.

- Por que aquilo, aliás? Se você ficou penalizado pelas coisas que eu disse, ou algo assim – A expressão de Mana ainda era impassível – sinto em dispensar a sua piedade. Estava apenas sendo sincero.

Mana o estava dispensando pela segunda vez naquele dia. E ele ainda não havia sequer contado que ia beijá-lo naquele momento porque queria beijá-lo naquele momento.

- Não estava com pena de você. Nunca te ofenderia dessa forma. Eu só... tive medo de dizer algo errado quando você perguntou como eu te via.

- O que poderia haver de errado numa opinião sua? Eu não ia me ofender.

- Eu sei. Sei que poderia falar por horas e o que quer dissesse, no final você diria que me entendeu. Mas isso provavelmente diz mais sobre mim do que sobre você. Seria eu que ficaria depois pensando naquilo que eu deveria ter dito e esqueci. Não queria correr o risco de ser mal compreendido. Principalmente por você.

- E por quê?

- Eu tenho essa idéia idiota de que se você me entendesse, eu te entenderia.

- Não vejo nada de idiota nisso.

- Se você me conhecesse, você veria.

- Você não é idiota.

- A forma como eu te vejo é idiota. Se não fosse eu saberia te explicar.

Mana ficou em silêncio. Desviou o olhar para um ponto perdido no chão. Kaya aproveitou para fazer o mesmo, baixando o rosto. Gostaria de não ter precisado dizer nenhuma daquelas coisas. De não ter obrigado Mana a ir até a sua casa. De não ter se encontrado com ele naquele dia.

- Deve ser... algo muito especial. Para que você se preocupe tanto em me mostrar da forma correta.

Kaya ergueu o rosto para ele. Mana sorria, da forma complacente e encantadora que só ele sabia fazer. Afinal, ele era Mana. Era o que Mana fazia.

Derretia o seu coração.

Coração este que falhou uma batida quando Mana tocou a sua face. Sua mão era quente, e seus dedos acariciavam seu rosto com gentileza. Mana o olhava tão diretamente que Kaya se sentia preso. Mas dessa vez ele não queria uma brecha para escapar.

Ele não queria sequer piscar enquanto Mana o olhasse daquela forma.

- Era assim? – Mana curvou-se sobre ele, segurando seu rosto entre as mãos. Como uma preciosidade – Era assim que eu ia entender você?

Kaya fechou os olhos ao sentir os lábios de Mana encostar-se aos seus. Tão ternamente que era como se o acariciasse. Aquilo era muito franco. Num beijo não importaria nada além do que se sentisse. E ele sentia os dedos de Mana em seu rosto. Sentia a pele quente de sua nuca, quando entrelaçou os braços em seu pescoço e o puxou para perto de si. Sentia o cheiro doce de morango ainda impregnado em seu corpo. Sentia que naquele momento seu espírito podia falar diretamente com o de Mana. Não poderia haver mal entendidos onde não havia palavras. E ele não precisava de mais do que isso.

Kaya se levantou, permitindo que Mana o envolvesse pela cintura. Mana o puxou em sua direção, sentindo o coração do mais novo bater descompassado contra o seu peito. Kaya emanava um perfume doce, dos quais normalmente Mana queria distância. Mas de alguma forma, combinado a pele do outro, era simplesmente atordoante. Mana desceu os lábios até o pescoço de Kaya, para senti-lo mais diretamente. O gosto de sua pele era tão único quanto aquele aroma.

“Era assim?”

Kaya suspirou prazerosamente ao sentir o toque quente em seu pescoço, segurando os ombros do outro para conter um arrepio. Sob o toque frio da camisa de seda que lhe havia emprestado, pôde sentir suas omoplatas. Lembrou-se de como elas eram lindas, e de como gostaria de tê-las observado por mais tempo.

Aquela camisa estava atrapalhando.

Kaya levou suas mãos até o peito de Mana, abrindo calmamente os botões que ocultavam sua pele. Mana afrouxou o enlace ao seu corpo, facilitando o trabalho de despí-lo. No último botão, a camisa deslizou pelos ombros de Mana e caiu embolada aos seus pés. Kaya baixou os olhos para a pele descoberta. Tão clara. Aproximou lentamente a mão ao peito de Mana, olhando-o diretamente caso ele quisesse impedí-lo. Ele não o fez. O toque sob suas digitais era quente e macio. Tracejou delicadamente a pele do outro com as pontas dos dedos. Ergueu o rosto para beijá-lo novamente, interrompendo-se a apenas observá-lo quando estavam a poucos centímetros. Ele nunca parecera tão lindo. Ele nunca estivera tão perto.

- ... Vamos? – Sua voz saiu quase num murmúrio.

Mana não respondeu. Retirou gentilmente a mão de Kaya de seu peito. E segurando-a, foi em direção ao quarto conduzindo o outro.

“Era assim que eu ia entender você?”

Sentados no meio da cama, Mana começou a remover a camisa de Kaya, observando atentamente a pele que se revelava a cada botão aberto. Kaya respirava pesadamente enquanto ele o fazia, incapaz de desviar os olhos de seu rosto. Ao terminar, Mana sorriu para ele. Da forma gentil e encantadora que sempre fazia. Mas a curtos centímetros de distância do seu rosto.

- O que foi? – Perguntou, timidamente, após alguns segundos em que Mana apenas o observava sem nada dizer.

- Você é lindo, Kaya-chan.

Você já deve conhecer perfeitamente o meu coração

Para fazê-lo acelerar com tanta facilidade.

Mana beijou delicadamente seu ombro, sua mão deslizando pelas pernas de Kaya até dentro de sua saia. Percorrendo de forma lenta e torturante o caminho até onde ele queria ser tocado. Kaya deixou escapar um gemido suave quando a mão de Mana deslizou para dentro de sua roupa íntima e começou a estimulá-lo. Apoiou o rosto no ombro de Mana, aspirando profundamente o perfume de seus cabelos. Os alternados pontos de pressão dos dedos de Mana em seu membro lhe enviavam descargas de prazer cada vez mais fortes. A cada estímulo seu corpo se retesava, como se involuntariamente implorasse por outro. E como ele queria implorar.

Seus gemidos se tornaram mais constantes quando Mana começou a mover-se mais rapidamente. Apertou involuntariamente os ombros de Mana contra si, quando seu prazer tornou-se insuportável. Perdeu completamente o controle de seus sentidos, mas não se importava. Naquele momento não importava nada além do torturante prazer que sentia e a exatidão com que seus gemidos o retratavam.

- Mana...sama... – Escapou sofregamente de seus lábios, antes que todo seu corpo se contraísse num orgasmo. Respirava pesadamente, sentindo uma descarga elétrica percorrer e entorpecer cada músculo de seu corpo. A mão de Mana saiu, úmida, de debaixo de sua saia. Ambos olharam para aquilo por alguns instantes. Era tão íntimo. Conhecendo um ao outro, eles criaram um segredo. Ao menos uma parte de um já vivia no segredo do outro.

Eles já estavam tão próximos. Poderiam ser um só?

Kaya deitou-se sobre os lençóis macios, permitindo que Mana deslizasse sua saia e sua roupa íntima pelas suas pernas. Inclinou a cabeça, observando enquanto o outro terminava de despir a si mesmo. Gostaria de ter ele mesmo feito aquilo. Mana pôs-se entre suas pernas, olhando-o de cima. Segurou-o gentilmente pelos quadris enquanto se punha dentro dele. Assistindo a forma como as feições do outro se ruborizavam enquanto o fazia. Belo e delicado como uma rosa. Kaya estendeu os braços, envolvendo o corpo de Mana e o colando ao seu. A pele de Mana aquecia qualquer parte da sua que entrasse em contato. Era isso que ele queria. Sentí-lo em todos os centímetros de seu corpo que pudessem ser tocados por ele.

Abraçou-o com força quando ele começou a se mover dentro de si.Sentia sua excitação voltar a crescer a cada vez em que Mana o penetrava, ofegando prazerosamente em seu ouvido. Os dedos do guitarrista afundavam na carne de suas coxas, criando linhas vermelhas. Kaya arqueou os quadris, de forma a permitir que ele o penetrasse mais profundamente. E quando ele o fez, Kaya se esqueceu de respirar.

O prazer em seus quadris começava a se acumular, reduzindo-o às suas melhores e mais instintivas sensações. Tão quente e manipulável. Seu corpo parecia moldar-se de acordo com os desígnios de Mana, arquejando, reagindo a cada toque. Ele odiava se sentir dominado, mas naquele momento simplesmente não se importava. Enquanto fosse apenas ele, Mana e seu êxtase, ele seria dominado com prazer.

Gemeu mais alto quando sentiu os dentes de Mana em seu pescoço, mordendo a pele macia. Acariciou com a língua a marca deixada por seus dentes, sentindo o gosto de Kaya agraciar seu paladar. Kaya sabia que aquilo ficaria semanas em sua pele, e a idéia lhe agradava. Como que a provar que aquilo fora real, mantendo a memória daquele momento em si por mais tempo.

Ele queria que fosse muito além daquilo.

Um som rouco e prazeroso escapou da garganta de Mana quando suas unhas deslizaram pelas suas costas, deixando linhas vermelhas na pele clara. De uma forma quase primitiva, era bom. Seus corpos agiam em perfeita sintonia, como se conversassem diretamente. Ele podia não saber o que exatamente Kaya teria lhe respondido naquela tarde. Mas as reações de seu corpo o ajudavam a entender. Seus gemidos, seu ofegar, seus beijos. A forma como olhava para ele. Cada gesto lhe explicava um pouco.

E a figura que se formava era apaixonante.

Cerrou com força os olhos ao atingir o auge de seu prazer, sentindo cada músculo do seu corpo se desmanchar num orgasmo. Nos segundos seguintes, era apenas o som da respiração de Mana em seu ouvido, seu peso sobre seu corpo. Ele nunca parecera tão lindo. Ele nunca fora tão seu.

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Quanto terminou de se vestir, já estava clareando. Fechou os últimos botões da camisa azul levemente amassada e voltou ao quarto. Kaya ainda dormia, enrolado em seus lençóis brancos. Já o havia visto dormir antes, sempre com aquele suave sorriso de boneca de porcelana. Ajeitou uma mecha do cabelo castanho, sorrindo para o rapaz adormecido. Lindo de se admirar. Apaixonante em cada centímetro e não apenas por ser encantador.

Mas por ser muito fácil se apaixonar por uma pessoa assim.

Sentiu algo sob seus pés ainda descalços. Abaixou-se para pegar o pequeno pedaço de papel que escapava do casaco de Kaya. Por um instante havia esquecido como fora parar lá. Debaixo de sua última resposta, descobriu uma que não havia lido.

“É um risco que eu só correria se te conhecesse. Você estaria disposto a me deixar tentar?”

Buscou nos bolsos do sobretudo pela caneta que usara no dia anterior. Apoiou o papel na cômoda e escreveu rapidamente. Antes de sair deixou sua resposta sobre a cama. E um beijo no rosto de Kaya.

“É um risco que eu só correria se te conhecesse. Você estaria disposto a me deixar tentar?”

“O quanto você quiser”