Quase me esquecera de como era comer em casa. Sempre tivemos uma regra bastante rigorosa de que as refeições deveriam ser feitas na mesa da sala de jantar. Nunca comíamos na sala enquanto assistíamos a algum programa na televisão. Isso me fazia sentir saudades do meu apartamento ou do apartamento de Kyle, onde podíamos comer na cama ou em qualquer lugar confortavelmente.
–Então Alice, - Tilly quebra o silêncio enquanto comemos a lagosta que fora preparada para o jantar - o Sean me disse que você namora um cara de cabelos vermelhos. Ele é bem vermelho mesmo?
Aprecio o esforço dela quebrar o silêncio, mas era uma coisa bem idiota para se perguntar. Apenas dou de ombros e suspiro.
–É, é uma cor bem vibrante. - digo e sorrio de lado. - Eu não acho muito bonito, mas particularmente gosto muito dele com esse cabelo. Acho que combina.
Ela sorri e o silêncio se instala novamente. Não deveria ser um almoço tão constrangedor. Tento ignorar minha mãe me olhando o tempo todo, mas está cada vez mais difícil.
– Por que está me encarando desse jeito? - pergunto olhando para minha mãe do outro lado da mesa.
Ela pousa o garfo no prato branco quadrado e arqueia as sobrancelhas.
–Eu disse alguma coisa?
Olho para o rosto da minha mãe, analisando-o com vigor. As linhas de expressão em sua testa pareciam mais evidentes agora. Seus olhos castanhos me encaravam de volta e ela tinha um leve sorriso nos lábios o que me irritou de maneira profunda.
–Isso tem a ver com o Kyle, não tem? - estreito os olhos. - Diga-me mãe, o que ele fez ou faz que faz com que você não o aprove?
–Alice... - Sean diz.
– Não, eu quero saber. - interrompo Sean olhando para ele e depois para minha mãe. - Diz pra mim, mãe. O que faz com que você desaprove meu namoro com ele?
–Além do óbvio? - ela dá uma risada sarcástica.
Tento manter a calma. Consigo sentir minhas mãos tremendo.
–Não tem nada óbvio para mim.
–Cecile, por favor. - meu pai entra na conversa e olha para a minha mãe.
Eu e ela nos encaramos firmemente.
–Me diga, por que não o convidou para passar o feriado conosco?
–Isso não é óbvio? - indago e forço um sorriso. - Além de eu não querer que ele fosse mal tratado ou humilhado por você, ele foi passar o feriado com o pai dele. O pai dele precisa muito dele.
–Ah sim, eu imagino. O velho maluco que tentou se matar.
– Cecile. - meu pai a repreende.
Levanto-me da cadeira bruscamente e digo para ela:
–Olha, eu sinto muito por você não enxergar as pessoas de uma maneira boa. O pai dele não é louco. Ele teve traumas, ele é uma pessoa muito forte e muito boa. Ao contrário de você.
–Alice. - Sean de levanta da cadeira.
–Olha, vocês me desculpem, mas eu perdi a fome. Podem continuar sem mim. Preciso descansar.
Dou as costas para a mesa e ouço Sean chamar meu nome, contudo, não me viro para olhá-lo. As lágrimas de raiva já estão transbordando por meus olhos e eu quero me trancar no quarto o resto da tarde.
***
Eu passo o resto da tarde trancada dentro do quarto deitada na minha cama e chorando. Estava com raiva da minha mãe, já havia perdido as contas de quantas vezes eu me sentira assim sobre ela. Estava chateada por estar longe da única pessoa que eu gostaria de estar agora e me sentia mal por, de alguma maneira, ter estragado o almoço de todos. Gostaria de ir para casa. Talvez não tivesse sido uma boa ideia passar o feriado de Ação de Graças ali.
***
Eu acabo adormecendo sem ao menos perceber, quando ouço uma batida na porta e me sento na cama. Meus olhos estão úmidos e sinto meu nariz entupido.
–Quem é? - pergunto.
–Ah... Sou eu, Tilly. - uma voz baixa e vacilante fala por detrás da porta.
Fecho os olhos e suspiro. Não queria a companhia de ninguém, mas não quero ser mal educada com ela.
Limpo o rosto com as costas da mão e me levanto. Vou até a porta e destranco-a. Quando a abro, vejo a menina branca de cabelos pretos e lisos me olhando com um sorriso sem mostrar os dentes. Ela parece um pouco constrangida.
–Me desculpe incomodar, só... Queria saber se estava bem.
–Pode entrar. - digo e fungo.
Ela passa pela porta e eu a fecho. Observo-a olhar ao redor e quando ela me vê olhando-a, olha para baixo.
–Eu... Queria me desculpar.
Franzo o cenho.
–Pelo quê?
Tilly olha para mim.
–Se eu soubesse que vocês brigariam, não teria perguntado nada sobre seu namorado.
Engulo em seco e franzo o cenho. Balanço a cabeça negativamente. Ando até minha cama e me sento no meio dela com as pernas cruzadas como um índio.
–A culpa não foi sua. Você só fez uma simples pergunta. Não tem o porquê se desculpar.
Ela sorri e senta-se na beirada da cama.
–Eu sinto muito. Vocês não parecem se dar bem.
Dou uma risada sarcástica.
–É, nós não nos damos bem. Não é como se eu fosse perfeita, sabe? Mas é quase sempre ela que arruma um jeito de brigar. Digo, ela é tão esnobe! Você tem sorte de ela pelo menos respeitar o Sean. Acho difícil ela difícil desrespeitar você ou te ofender. - respiro fundo e continuo - Mas não consigo aceitar a ideia errada que ela tem do meu namorado. Ele é incrível. A pessoa mais incrível que eu já conheci, sabe? Não aceito ela falar essas coisas dele ou julgá-lo pelo comportamento do pai, que também é uma pessoa maravilhosa. Ambos são! Não quero ela humilhando ele por ele não ter nascido numa família bem de vida, com uma casa em uma colina. Entende o que quero dizer?
Tilly assente e sorri amareladamente.
–Eu ia convidá-lo para vir comigo. Mas não quero que ele se sinta... Inferior de modo algum. Não quero que ela humilhe ele e nem o constranja com perguntas maldosas sobre a família dele.
–Eu entendo. - ela dá de ombros. - Olha... Sei que não nos conhecemos direito mas, se quiser conversar sobre alguma coisa, saiba que pode conversar comigo.
Sorriso de lado.
–Tem certeza de que você é mesmo uma líder de torcida?
Tilly dá risada.
–Sim, mas não sou má.
–Fico feliz por achar uma excessão.
Ficamos em silêncio por um tempo.
–Você não quer comer nada? Passou a tarde toda aqui. Já tiraram a janta também, mas se você quiser eu posso trazer algo...
–Não. - interrompo-a. - Não estou com vontade de comer, mas obrigada.
Ela se levanta da cama e assente.
–Tudo bem. Tente descansar e... Se precisar de algo...
–Pode deixar. Obrigada, Tilly. Fico feliz que Sean tenha encontrado alguém como você.
Ela sorri radiante e sai do quarto. Apago a luz do abajur ao lado da cama e fecho os olhos tonando a sentí-los arder. Vai ser uma noite longa.