Fazer as malas sempre fora algo que eu detestara. Sempre que minha família e eu íamos viajar para algum lugar, Sean arrumava minhas malas. Claro que ele não fazia isso de graça. Muitas vezes eu tinha que esconder algo de errado - ou algo que meus pais julgassem errado- que ele havia feito e, em troca, ele arrumava minha mala. Mas eu não tinha Sean ali naquele momento e estava me virando sozinha.
Não me importei em dobrar tudo impecavelmente. Também não levaria muitas coisas. Pego algumas peças de roupa de frio e coloco dentro da mala, meias, calcinhas e sutiãs. Levo um par de All Star e outro par de botas.
Ao terminar de arrumar a mala, vou até a cama e checo os papéis junto com a passagem para ver se não estou esquecendo de nada. Pego o passaporte e os documentos e os coloco em cima da mala vermelha de rodinhas em pé ao lado do closet.
Decido tomar um banho quente e rápido. A água quente me aquece e relaxa meus ombros. Estou ansiosa para ver meu irmão. É sempre ótimo vê-lo.
Coloco uma camiseta branca que Kyle deixara ali no meu apartamento para dormir e vou para a cama. O perfume dele está nela e espero que isso não me impeça de dormir. Amo o cheiro dele. Deito-me na cama grande e encaro a janela de vidro. Os prédios iluminados são uma distração e tanto. Não sei o porquê mas não estou com sono.
Pego o celular e vou até a lista de contatos. Pairo o dedo sobre o nome de Kyle e logo desisto. Ele já deve estar na estrada. Não é uma boa ideia.
Fecho os olhos e tento me concentrar para que o sono me atinga.
***
Os táxis pareciam estar todos ocupados naquela manhã cinzenta de novembro. Eu já estava começando a ficar desesperada com a demora. Era exatamente seis e meia da manhã e eu embarcaria ás oito horas. Eu não podia chegar atrasada no aeroporto. Ainda tinha que fazer o check in.
Por uma ajuda divina, um táxi para ao lado da calçada onde estou, em frente ao prédio quando faço sinal. O taxista sai do carro. Ele é moreno e tem cabelos grandes encaracolados.
–Posso ajudá-la com a mala senhorita?
Sorrio.
–Sim, por favor.
Entrego-lhe minha mala e ele a coloca no porta-malas enquanto entro no táxi.
–Obrigada. - digo quando ele entra e fecha a porta.
Seus olhos castanhos bem escuros encontram os meus no retrovisor e ele pergunta:
–Para onde?
–Para o aeroporto.
Ele faz um breve maneio com a cabeça e começa a dirigir. Não posso deixar de olhar por todas as ruas que deixamos para trás e para os prédios imensos que nos cercam enquanto uma garoa fina começa a cair.
–Está indo viajar para onde, se a senhorita me permite perguntar?
Olho para ele e nossos olhos se encontram no retrovisor novamente. Sorrio.
–Los Angeles.
–Irá para a casa da sua família?
–Sim.
Ele tem um sotaque diferente que permite que eu conclua que ele não é americano.
–Passar tempo com a família é algo muito bom. Sinto falta de minha família.
–De onde o senhor é?
–Vim do Irã há mais ou menos quatro anos.
Arqueio as sobrancelhas.
–Seu sotaque é mesmo diferente. - comento.
–Sim. Minha família ficou lá. Sayd sente falta dos pais e das irmãs. Família é tudo. Sente falta da sua família?
Dou de ombros e sorrio de lado. Olho pela janela no momento em que passamos em frente a uma loja da Bloomingdales.
–Acho que sim. Minha família é um pouco complicada, mas claro... amo eles.
Sayd diz:
–Toda família ter problemas, sim?
–Acho que sim. - dou uma risadinha.
Sinto o meu celular vibrar na mão e olho para ele ansiosa. Sorrio ao ler o nome de Kyle. Abro a mensagem.
"Acabo de chegar e notei que estou muito longe de você. Vem me buscar".
Sorrio e digito uma resposta.
"Que bom que chegou seguro- e um pouco antes do previsto. Já estou com saudades. Mas estou levando sua camiseta comigo".
–A senhorita tem namorado?
Essa pergunta me faz olhar para Sayd. Seus olhos encontram os meus no retrovisor.
–Sim. - assinto com a cabeça e sorrio.
–Ele não ir viajar com a senhorita?
–Não. -olho para as minhas mãos e depois olho para o retrovisor. - Ele foi para a casa do pai dele em Ohio.
–Entendo. Há quanto tempo estão juntos?
–Quase seis meses.
Ao dizer isso até me assusto. Nem parece que já faz esse tempo todo.
O celular vibra novamente e eu abro a mensagem dele.
"Por que não me deu um vestido para trazer comigo? Não tenho nada aqui para lembrar de você".
Após ler isso abro o aplicativo da câmera. Olho-me na câmera frontal e aproveito que o carro está parado no semáforo. Arrumo meu cachecol vermelho e o sobretudo preto. Sorrio e bato a foto. Clico em compartilhar em mensagem e digito:
"Agora pode lembrar de mim. Te amo".
–O amor é uma coisa linda. - Sayd diz e o sinal fica verde novamente.
Olho pela janela e sorrio.
–É, ele é.
***
Cheguei na fila para fazer o check in ás sete e meia. Estava aliviada por isso. A fila não estava muito grande e ainda daria tempo de eu andar um pouco pelo aeroporto e comprar um café e donuts para comer.
Com minha bolsa preta pendurada em meu braço com documentos e outras coisas, saio da fila do check in depois de fazê-lo e começo a andar pelo aeroporto procurando por algum lugar para comprar um café.
Paro em uma fila parcialmente grande de uma cafeteria. Parece que o cliente está discutindo com o atendente. Percebo com muita infelicidade que a fila não andará tão cedo naquele ritmo.
Viro-me para ir embora e procurar outro lugar. Ando mais um pouco olhando para os dois lados e não vejo quando esbarro em alguém.
Me sobressalto e arfo quando sinto algo quente em cima de mim. Olho para meu sobretudo e vejo um líquido caramelo escorrendo por ele. Franzo o cenho e olho para cima. Minha boca seca quando vejo um par de olhos verdes me olhando. Não posso acreditar!
–Me desculpe, eu estava olhando para o celular. -Matt diz.
Pisco algumas vezes sem saber o que dizer e balanço a cabeça negativamente.
–Não, está tudo bem. Eu também não vi você vindo.
Olho para meu sobretudo. Estou cheirando a café e caramelo. Desabotoo os botões e torço para que a blusa branca de manga cumprida de baixo não tenha molhado também já que o tecido do sobretudo é grosso.
–Então... que coincidência.
Olho para Matt enquanto estou tirando o sobretudo. Para minja sorte a blusa de baixo não molhou. Ele morde o piercing de argola preta em seu lábio inferior. Sua barba loira está aparada e seu cabelo está desgrenhado. Ele está vestindo um suéter de lã preta com gola V que permite que eu veja alguns ds pêlos de seu peito e calça jeans preta.
–É, pois é. -digo desviando o olhar. - Estou indo viajar.
–Para onde você vai?
–Los Angeles.
Olho para sua mão segurando a alça de sua mala cinza.
–E você?
–Austrália. Minha família é de Sydney.
–Ah, nossa é uma viagem grande.
–É. Eu odeio avião. Já vou tomar meu remédio para dormir.
Olho em volta procurando algum lugar que não esteja muito cheio para que eu possa comprar os donuts e o café.
–E o Kyle, cadê?
Minha atenção se volta para Matt. Ele me olha atentamente.
–Ah... Ele foi para Ohio, para a casa do pai dele.
Ele franze o cenho.
–O sr.Blake saiu da clínica?
O modo como ele chama o pai de Kyle me faz perceber que talvez eles tivessem intimidade.
–É, pois é. Ele saiu faz um mês mais ou menos.
–Ah. - Matt diz e morde o piercing.
Desvio o olhar mais uma vez.
–Estava indo comprar alguma coisa?
–Sim, eu... Estou procurando um lugar para comprar um café. Um lugar que não esteja muito cheio.
–Vá onde eu comprei. Não estava cheio. É logo ali. - ele aponta para o balcão de uma cafeteria com o nome amarelo fluorescente e o fundo vermelho.
–Eu vou ter que voltar lá já que eu derrubei todo o meu café em você. - ele sorri de lado.
Meu coração se acelera e eu desvio o olhar de seu rosto ao sentir minhas bochechas corando.
–É, pois é. Então vamos.
Andar ao lado de Matt é uma situação constrangedora e estranha. Me sinto desconfortável por todo o pequeno trajeto que tivemos que andar lado a lado e em silêncio.
Paro en frente ao balcão e peço um café grande com caramelo e chantilly e dois donuts de chocolate. Matt pede um café com caramelo extra.
–Dá dezessete dólares e quinze centavos. - o atendente diz para mim.
Abro a bolsa para pegar a carteira.
–Eu pago. - Matt diz.
Olho para ele com os olhos arregalados e para a nota de cinquenta dólares que ele está entregando ao atendente.
–Não, eu... -começo a dizer.
–Pode cobrar o meu e o dela. - ele diz para o atendente, ignorando-me.
Sinto meu rosto em chamas e minhas mãos trémulas. Meu coração parece que vai saltar do peito.
–Matt eu...
–Relaxa, é só um café, okay?
Ele olha para mim. Seus olhos verdes fitam meu rosto com intensidade. Respiro fundo e concordo com a cabeça.
–Obrigada. - digo e torno a colocar a carteira dentro da bolsa.
Tento ignorar o fato de ter visto de relance um sorrisinho em seus lábios.
–Aqui está. - o atendente diz.
Olho para cima e vejo Matt segurando seu café em uma mão e o meu com o saco pequeno de papelão com os donuts dentro na outra.
–Obrigada. - agradeço e pego da sua mão.
Meus dedos tocam nos seus e sinto um choque neles. Minhas mão estão suando e estou nervosa.
–Você está bem? - ele pergunta.
Pego o café e os donuts.
–Sim, estou. Obrigada.
A voz nos alto-falantes soam alto indicando o embarque do meu voo.
–Eu tenho que ir. É o meu voo. - digo e olho para seu rosto.
Ele assente e leva o copo de café até a boca olhando para mim. Seus olhos verdes e puxados olhando para mim.
–É, tchau. - dou as costas para ele e começo a andar rapidamente. O salto fino da bota batendo no piso de linóleo branco do aeroporto.
–Alice.
Paro e viro-me para olhar para trás. Ele está há uns dois metros de mim.
–Feliz Ação de Graças.
Engulo em seco.
–Pra você também.