New Jersey – Atlantic City 1995

Mais uma noite chegava e lá estava ela em seu habitual shorts jeans curto e blusa branca de alças finas. Zanzava confiante pelo quarteirão em seu All Star vermelho gasto. O vento quente do verão encontrava seus cabelos tom de cobre compridos e os jogava para trás, tão nova e tão má.

Encostou-se na parede fria desbotada e encarou o vazio da rua. Ela sempre estava por ali, a partir de um horário a pequena ninfeta sempre aparecia, era como um vício pra mim observá-la.

Um carro parava e ela logo sorria. Corria até o automóvel e vendia suas drogas ilícitas. Olhava cautelosa para os lados, mas a noite era quente e por sorte vazia. O carro partia e ela voltava para sua posição anterior.

Parecia impaciente e solitária. Às vezes alguns traficantes meia-boca a faziam companhia, outras vezes eram as prostituas noturnas. Ela sorria e bebia de sua cerveja pabst blue ribbon.

A garota era como uma miragem naquela semi penumbra da quadra. Os postes de luz mal iluminavam a garotinha solitária no outro lado da rua vivendo na ilicitude. A noite se estendia e ela não se preocupava, bom, muito menos eu que adorava admirá-la.

Tão bela…

Algumas vezes já pensei em fingir-me de cliente e lhe comprar algo, para poder apenas ouvir o som de sua voz, deveria ser doce e suave como seu harmonioso rosto.

Fumava quieto em minha janela, a observava com fervor, ela nunca havia notado-me. A alta janela de meu apartamento dava-me uma vista privilegiada da pequena gangster. Seu rosto perigosamente angelical enfeitiçava os homens que passavam por ali e o melhor, ela não os temia, tão nova e tão confiante.

Não a daria mais que dezenove anos, deve ser uma depravada perdida, porém muito bela, pois enfeitiçou até a mim, um mero solitário sem esperanças.

No começo preocupei-me com a bela mocinha zanzando até altas horas da madrugada por meu bairro, depois a agradeci pela miragem noturna. Ela me era a única coisa bonita a apreciar ultimamente, nada de belo se via em minha vida.

Acendi outro cigarro e apoiei os cotovelos na janela. Sem camisa alguma, o vento frio da meia-noite batia em meu tronco, a sensação era boa. Abaixei o olhar para a minha garota fascinadora e pela primeira vez em todo esse tempo encontrei seu lânguido e perdido olhar direcionado pra mim.

— Sinto muito, Jake – disse Margaret num tom pesaroso – Amanhã mesmo você irá para o turno da noite.

Soltei um suspiro cansado e dei de ombros, pelo menos estaria recebendo por isso.

— Entendi, sem problemas.

— Outros professores também estarão sendo remanejados – a senhora me explicava numa tentativa falha de amenizar as coisas – Como sabe, alguns professores desistiram do noturno por causa da… pressão dos alunos.

Assenti sorrindo de canto de modo debochado. Eu sabia bem da fama do noturno: repetentes e traficantezinhos do gueto próximo ao colégio. Eu lecionava apenas no turno da tarde na Damage High School, as coisas eram fáceis com os alunos do turno vespertino.

Quando noticiei que Josh – amigo meu e professor de história – abriu mão do turno noturno, soube que a bomba explodiria pro meu lado, seria remanejado para lá. Se estivessem a me pagar pelas aulas a mais, por mim ótimo!

— Como disse, sem problemas.

A senhorinha de cabelos grisalhos sorriu, a mulher mal tinha forças para comandar este colégio.

— Ótimo, Jake! Você é sempre tão prestativo, tão bom.

Sou trouxa, isso sim. Pensei enquanto sorria falsamente pra mulher enrugada a minha frente, sentada atrás de sua mesa envernizada.

— Posso ir agora?

Ela assentiu e tão rápido quanto entrei, saí.

Dei um suspiro pesado e ajeitei minha gravata marrom deixando-a um pouco mais frouxa. Comecei a andar calmo pelo corredor cheio do colégio, olhar baixo e passos calmos. Sentia o olhar petulante dos alunos, ergui o olhar e me direcionei até a sala da primeira aula, seria um dia longo.

Estacionei em minha habitual vaga no estacionamento do colégio. Primeiro dia de aula no noturno, vamos ver o que vai dar.

Saí do carro e atravessei o estacionamento escuro, as luzes do prédio escolar tinham uma falsa imagem de aconchego. As lamparinas rústicas ao longo do caminho iluminaram meu caminho até a entrada.

Nos bancos de concreto identifiquei alunos que bebiam e fumavam; típico. Adentrei o prédio e olhares me foram direcionados, logo senti a diferença. Os alunos eram mais velhos, aparentavam estar na casa dos vinte. Alguns negros de gangues ali, alunos vagabundos acolá, a diferença no comportamento era severa. Não minto, senti-me oprimido.

Passei por eles com meu habitual olhar baixo, segurei forte em minha pasta de couro marrom e movi-me para a sala dos professores. Foi como passar pela linha de fogo e conseguir escapar dela. Abri a porta branca e deparei-me com rostos conhecidos.

— Parece assustado Watson – debochou o idiota do Lopez, professor de inglês.

Sentei-me à mesa e afrouxei a gravata num ato típico meu. Merda, nem eu mesmo sabia do porquê usava essa maldita gravata. Para transparecer autoridade? Puff! Eu transparecer autoridade? Estava mais pra pau mandado.

— Noite difícil – falei pegando papéis de minha pasta.

Os demais na mesa riram.

— Acostume-se Watson – disse professora Rose – Alguns alunos podem se achar os donos do mundo, mas há turmas calmas.

Um dos professores riu, um velho que eu não conhecia.

— Sim, claro. Tão calmas que você mesma já foi ameaça com um canivete, Rose – falou sarcástico.

Arregalei meus olhos.

— Cale a boca, Costner – ela se virou para mim e afagou meu braço – Não se preocupe, querido Jake. Agora temos revistas diárias nas mochilas e armários dos alunos.

Assenti de sobrancelhas erguidas.

— Me reconforta saber – segurei minha língua sarcástica.

Entrei na sala de aula e a diferença logo foi vista. Havia menos alunos em sala de aula, alguns aparentavam idades avançadas, talvez vadios acomodados. Alguns alunos logo se ajeitaram nas cadeiras ao me verem, outros continuaram em suas rodas depravadas.

Apresentei-me como o novo professor de história, pois como o último não havia aguentado a “pressão”, tive de substituí-lo até o final do ano letivo. Que ótimo!

Não que eu odiasse dar aula, claro que não. Se não gostasse, não estaria aqui. Mas é que eu não sou uma pessoa tão ativa assim, a noite é um refúgio pra mim, gosto de estar sozinho a maior parte do tempo e esses adolescentes não são a melhor companhia.

Mais aulas foram e vieram, até agora foi fácil, nenhum aluno esfregou minha cara no chão. Bom, na verdade, sempre fui taxado como o “professor legal”, aquele que os alunos gostam de vir para aula. Talvez por eu ser pulso fraco, ter a fala mansa, dar chances possíveis e impossíveis para que passassem de ano letivo. Os dava apenas o necessário, pois eu também desgostava estar aqui.

Pra ser sincero, sempre fui do jeito que se contenta com qualquer coisa, acomodado. Sempre levei uma vida monótona desde que me conheço por gente. Nada de novo acontece e não deixo que aconteça, estou bem em minha vida chata e ajeitada milimetricamente.

Mas dar aula é o que gosto de fazer, mesmo que me enfadonhe, é o que escolhi para a vida. A Damage High School não é nenhuma escola exemplar, muito pelo contrário, é quase uma decadência, mas do que um professor de trinta e cinco anos oprimido poderia reclamar? Tenho um bom salário, uma boa casa, estou bem.

— Por hoje é tudo, pessoal – disse para os gatos-pingados na sala.

Logo percebi o primeiro de muitos problemas, a falta de alunos. Na chamada se vê vinte e cinco alunos, apenas dezoito estão em sala.

O sinal bateu segundos depois e todos saíram apressados pela porta afora, havia sido a última aula, graças a Deus. Bufei, apoiei-me no quadro e constatei as horas em meu relógio de pulso: 10:45 p.m. Aposto que a essa hora minha menina gangster já deve estar zanzando pelo quarteirão.

Meneei a cabeça por estar pensando nela, pois é extremamente doido. Nem a conheço, mas ela já se tornou parte de meu dia. Olhá-la virou uma rotina, uma viciante rotina.