Quatro dias depois, Ressler foi liberado para voltar para casa. Ele não se lembrava de nada, mas os médicos disseram que a memória ia voltar em algum momento, e eu não deveria forçá-lo a se lembrar.
O deixei no apartamento dele e no dia seguinte voltei ao trabalho. Ress me ligava o tempo todo, e por incrível que pareça, eu não estava irritada com isso. A última vez em que ligou, disse que encontrou fotos dele com uma mulher que não era eu, e eles estavam se beijando. Suspirei e contei que devia ser Audrey, ex-mulher dele. Fiquei com pena de dizer que ela tinha morrido, então omiti isso. Ele apenas desligou sem dizer nada.
—Não precisa ficar aqui, Jenna. –Meera disse. –Pode tirar alguns dias para cuidar de Ressler.
—Faltei muito no trabalho recentemente, vou ficar. E ele vai ficar bem, sozinho. Tenho certeza que... –Meu celular tocou. –Só um minuto. –Atendi. –Sim?
—Tem coisas de mulher aqui. São da Audrey?-Ress perguntou.
—São minhas. Você me disse pra deixar algumas coisas aí.
—Ah. Quando você vai voltar?
—Não sei, tenho muito trabalho. Talvez tarde. –Desligou. Guardei o celular e me virei para Meera. –É, ele vai ficar bem, com certeza.
Quando cheguei ao apartamento de Donald, mais tarde naquela noite, a TV estava ligada, o volume baixo, exibindo um jornal qualquer. A desliguei e olhei em volta.
—Ress?-Chamei. Entrei no quarto, ele estava dormindo. Fotos espalhadas em volta dele. Suspirei e comecei a guardá-las. Era por isso que ele perguntou sobre Audrey.
Dei uma arrumada rápida no quarto, tomei banho e deitei na sala. Era melhor Ress ter o espaço dele, mas não tanto. Depois das trinta e quatro ligações só naquele dia, eu devia ficar alerta.
***
—Como Ressler está?-Keen perguntou, enquanto levávamos os nossos relatórios para Meera.
—Acho que bem. Ele ainda não se lembra de muita coisa, mas deve começar a se lembrar em breve.
—No fim ele teve sorte, sair só com perca de memória... Poderia ter sido pior.
—Nisso eu concordo.
Entregamos os relatórios e fomos em direções diferentes. Keen precisava dar um telefonema e eu já estava indo embora.
Entrei no carro e peguei meu celular. Nada de ligações ou mensagens de Donald. Talvez ele estivesse se virando sem me ligar o tempo todo, o que devia ser um bom sinal.
—Preocupada com aquele seu namorado?-Dei um pulo, a mão indo para o coldre, mas era apenas Daniel. Ele bateu a porta, fechando-a.
—Quem disse que pode entrar assim no meu carro, Vidar? Quer me matar de susto?
—Não percebi que estava tão distraída. –Suspirei, deixando o celular no porta-luvas.
—O que você quer?
—Conversar. Somos amigos, lembra disso? Praticamente crescemos juntos. Ou se esqueceu?
—Não, Dan, eu não esqueci.
—Então vamos conversar?
—Tá. –Liguei o carro.
Minutos mais tarde estávamos nos sentando em uma cafeteria, fazendo nossos pedidos. Assim que a moça que os anotou se afastou, eu me virei para Daniel. Ele parecia o mesmo. O cabelo bagunçado, barba por fazer, roupas escuras. Esse era o Dan que eu conhecia.
—É sério que está namorando?-Perguntou. Revirei os olhos.
—Daniel...
—O que? Só quero saber o que perdi.
—Sim, estou namorando.
—Não achei que viveria pra ver isso. É aquele cara loiro que encontramos, não é?
—Sim.
—Como isso aconteceu?-Nossos pedidos chegaram. Eu havia pedido um café simples, já Daniel um com bebida alcoólica.
—Fui transferida para o FBI, estou trabalhando com Ressler desde então.
—Estão fazendo algo importante?-Segurei a língua. Não podia falar sobre Red e sua lista.
—Tipo o que?-Dei um gole no meu café, tentando decifrar a expressão estranha de Dan.
—Sei lá, algo como na Dangerous?
—Não. Eles não gostam de mortes desnecessárias no FBI.
—Então o que está fazendo lá?-Riu. Sorri.
—Já me adaptei.
—Não consigo mesmo te imaginar seguindo ordens. Parece irreal.
—Você, aparecendo do nada, é irreal.
—Essas coisas acontecem.
—Bem, e você, o que andou fazendo?
—Nada de mais. Acha que podemos ir à base depois? Ou o FBI lacrou tudo?
—A base está lá ainda. Eles não sabem o que fazer com o local. Quando se trata de esconderijos, acredite, eles não são tão bons assim. Fui lá algum tempo atrás, estava investigando o ataque. –Se inclinou na minha direção.
—E o que descobriu?
—Nada.
—Você é uma péssima detetive.
—Sou feita para caçar, e não investigar. Meu apelido no FBI é “cão de caça”.
—Uau. –Dei de ombros.
—Tem interesse em voltar? Posso falar com a substituta do diretor assistente. Ela pode te colocar na equipe.
—Por enquanto vou ficar de fora. Dar uma pausa... Deixar como está.
—Você que sabe.
Terminamos nossos cafés e seguimos para a nossa antiga base. As coisas pareciam iguais, como estavam da última vez que me aventurei por lá. Entramos em silêncio, memórias vinham sussurrar em nossos ouvidos. Ignoramos.
—Ainda não acredito no que aconteceu. –Comentei, parando na porta da sala onde encontrei minha equipe morta. Daniel entrou, olhando em volta.
—Nem eu.
—Dan, eu podia jurar que no dia vi você caído no chão, mas nas fotos você estava sentado. Você saiu do lugar?
—Eu... Não. Apaguei depois de levar aquele tiro.
—Foram dois. No relatório diziam dois.
—Ah. É. Dois. Certo. –Franzi a testa.
—O que aconteceu naquele dia?
—Os caras entraram atirando. Não tivemos tempo de reagir. Foi tudo muito rápido.
—Quantos eram?
—Três. –Pisquei. No relatório diziam que havia apenas um atirador. Não havia sinais de mais ninguém ali.
—Tem certeza?
—Claro. Eu estava aqui, lembra?-Se apoiou na mesa, olhando para qualquer lugar, menos pra mim.
—Ainda não entendo porque não me mataram. Só acertaram minha cabeça com força. Não faz sentido.
—Talvez as balas tenham acabado.
—Há mais maneiras de se matar uma pessoa, Daniel. Nós dois sabemos disso. –Deu de ombros. –Sente saudade da Dangerous?
—Não. Nem um pouco. Nunca gostei de ser um pião do governo. Odiava. Faria qualquer coisa pra sair da equipe. –Minha garganta apertou, desci a mão devagar, parando-a perto do coldre.
—Qualquer coisa?
—Sim.
—No relatório disseram que alguém de dentro pode ter facilitado a entrada dos “atiradores”.
—Jura? O FBI não parece tão bom.
—Daniel, você os matou, não foi? Você matou nossa equipe. –Olhou pra mim.
—Jen...
—Por quê?
—Por que eu não aguentava mais.
Ele avançou na minha direção, me derrubando. Não consegui alcançar a arma, e mesmo se conseguisse... Não saberia se a usaria contra o cara que eu considerava meu irmão.
Bom, parece que ele não se importava tanto com o passado. Suas mãos encontraram meu pescoço, o apertando.
—E... O papo... Sobre me amar?-Perguntei, tentando empurra-lo.
—Eu te amo. Não menti sobre isso. Mas não posso deixá-la viver já que sabe a verdade.
—Monstro.
Acertei o rosto dele, fazendo-o se afastar. Isso me deu abertura para empurrá-lo para o lado e inverter os papéis, ficando em cima. Bati a cabeça dele no chão, até senti-lo amolecer. Assim que desmaiou, saí de perto dele, pegando meu celular e discando rapidamente.
—Meera? Preciso de alguém na antiga base da Dangerous. Acho que encontrei quem matou minha equipe.
***
—Você não precisa fazer isso. –Elizabeth avisou, me seguindo.
—Sim, preciso. Me entenderia se estivesse no meu lugar. Uma das pessoas em quem eu mais confiava mentiu pra mim, me enganou. Como se sentiria se Tom tivesse feito algo assim?
—Tom não faria...
—Foi o que eu pensei de Daniel. –A deixei para trás e entrei na sala, onde Dan estava algemado, sentado em frente a uma mesa. O que mais doeu foi ver que ele não tinha expressão de culpa ou algo assim.
—Jenna... –Tentou.
—Eu nunca vou perdoar você. Matou meus irmãos. Nossos irmãos. Crescemos todos juntos, treinamos juntos, vivemos juntos, nos divertimos juntos... E você atirou contra eles sem hesitar. –Meus olhos começaram a arder. Queria chorar, mas de raiva. Como Daniel podia ter feito aquilo?-Matou nossa família.
—Eu não tive escolha!
—Teve. Claro que teve. Havia mil escolhas possíveis, e você escolheu essa. Lembra o que Tian falava? “Escolhas fáceis geralmente são as piores”. Escolheu o mais fácil: matar nossos irmãos.
—Você não entende...
—Não entendo o que? Que aquele cara que cresceu comigo é um monstro sem coração? Eu entendo, sim, entendo, infelizmente.
—Não é assim, Jen. Não é como pensa que é.
—Então me diz. Explica. Estou ouvindo. –Esperei. Ele não falou nada, apenas olhou para a mesa. –Covarde. Eu odeio você, Daniel. Odeio os dias em que passei gostando de você, amando-o como meu irmão. Odeio o dia que te conheci. Espero que morra na prisão. Espero de verdade.
Me virei e saí. Tentei ir o mais longe possível antes de começar a chorar, mas não consegui. Keen se aproximou, me perguntando se eu queria conversar, mas eu apenas me afastei sem responder. Daniel havia destruído nossa família. Eu o odiava por isso.
Quando estava longe o suficiente ouvi tiros. Parei no lugar, ouvindo. Eram tiros. Alguém estava atirando. Corri na direção do som. Algumas pessoas correram na direção contrária. Saquei a arma, então parei.
Daniel estava no meio do corredor. Dois agentes mortos perto dele e uma arma em mãos. Ergui a arma, ele fez o mesmo.
—Não quero atirar em você, Jen. –Avisou.
—Tentou me enforcar antes. E agora não quer atirar em mim?
—Abaixe a arma.
—Abaixe você, ou vou atirar. –Vozes começaram a se aproximar. Daniel percebeu.
—Jen...
—Não. Abaixe a arma agora, Daniel. –Olhou por cima do meu ombro.
—Sinto muito.
Atirou.