Com os vazamentos das informações da Dangerous, eu tinha que tomar cuidado, muito cuidado. Sair nas ruas sem disfarce era pedir pra ser linchada, então não podia bobear. A população estava irada.
Passei dois dias longe do FBI, por ordem direta de Meera, enquanto representantes do presidente iam até a base, tentar arrancar algumas informações sobre a Dangerous.
Esses dois dias eu fiquei no apartamento de Ressler, porque agora meu endereço não era segredo.
Não liguei a TV em momento algum, pois sabia o que ia ver: informações que deviam ser confidenciais, e todo mundo muito bravo com uma equipe que nem existia mais.
Sem TV, minha mente acabou vagando e indo parar em algo que eu acabei esquecendo: o suposto lar adotivo onde vivi por quatro anos. Por que eu não me lembrava de lá? Era como se tivesse sido apagado.
Tinha que fazer algo sobre isso, mas minha primeira preocupação agora não era essa.
***
—A população está completamente revoltada. –Meera disse. Aram estava deixando algumas imagens no telão de manifestações na rua, que pediam por respostas. –Estão acusando sua equipe de matar civis.
—Isso é um absurdo! Matávamos criminosos!
—Eles não acreditam nisso. –Suspirei. –Outros países não gostaram de saber que os Estados Unidos mantinha uma organização assassina, e estão repensando sobre as alianças com nosso país. E podemos entrar em guerra, a qualquer momento.
—Guerra?
—A Rússia e a Coréia do Norte estão acusando a Dangerous de matar políticos e militares dos países deles.
—Merda. Bem os paranóicos. Eles não podem acusar ninguém de nada. Ambos deviam se meter com suas bombas nucleares e sei lá mais do que e ficar na deles. –Cruzei os braços.
—Acho que eles não entenderam isso. –Saiu.
—Aram, para com essas imagens. –O telão apagou. –Não entendo. Certos países explodem bombas e fica por isso mesmo. Os Estados Unidos tem uma organização que mata criminosos e eles ficam bravinhos e querendo treta? Não parece justo.
—Na verdade o lance das bombas não ficou por isso mesmo.
—Dane-se, você me entendeu. Se eu pudesse pelo menos me explicar... Espera. Ascendeu uma lâmpada aqui. Vem comigo, e traz uma câmera.
—O que vai fazer?
—Já vai ver...
***
—“A Dangerous nunca matou um inocente, um civil, ou pessoas de outros países. A Dangerous não era uma organização do governo, nenhum presidente sabia da existência dela. Nós matávamos criminosos de alto nível de periculosidade. Todos receberiam pena de morte se fossem presos, só adiantamos isso. Todos os dias pessoas inocentes morrem e vocês reclamam por isso. Agora querem reclamar a morte de criminosos que cometeram monstruosidades?...”.
—Obrigada, Aram. –Agradeci, me apoiando na mesa dele. –Enviou para todos os jornais?
—Sim. Todos estão exibindo o vídeo agora, e já está até na internet.
—Espero que entendam o recado e parem de querer me queimar viva.
—Alguns comentários são positivos.
—Parece que ainda existem pessoas de bom senso.
Sorri e fui em direção à “minha sala”, descontar a tensão no saco de areia. Ao chegar, dei de cara com Red.
—Quem bom que está aí, assim não preciso te procurar.
—O que precisa agora?-Perguntou.
—Andei lendo uns arquivos sobre mim, e descobri que passei quatro anos num lar adotivo. Mas não me lembro disso. Queria ajuda pra saber o que realmente aconteceu.
—Você morou comigo por esses quatro anos.
—Que?-Me virei, completamente em choque. Inicialmente achei que era uma brincadeira, mas pela expressão dele... Não era. –Não... Não pode... Não pode ser verdade, eu...
Fazia sentido. Claro. Explicava muitas atitudes que Red tinha comigo. O lance de me conhecer bem, de eu ser “especial”, de querer me ajudar, e de ver algumas coisas em comum entre nós.
Mesmo assim... Era inacreditável.
—Não... Não pode estar falando sério.
—Martin e Cassandra não eram seus pais.
—Pare de mentir.
—Tudo o que eles te contaram era uma mentira.
—Para!-Puxei a arma do coldre, apontando-a pra cabeça dele. Red não se abalou. –Não minta pra mim, Raymond.
—Não estou mentindo.
—Jenna, abaixe a arma. –Keen mandou, se aproximando. Red ergueu a mão, sem tirar os olhos de mim.
—Não interfira, Lizzie.
—Ela vai atirar.
—Ela não vai. Pode sair.
—Mas...
—Vá. –A agente suspirou e saiu. –Não precisa fazer isso.
—Você está mentindo. –Acusei. –Está mentindo e eu quero saber o por que.
—Não estou mentindo pra você. Eles não eram seus pais.
—Mentiroso...
Não sei por que não atirei. Estava com raiva e queria atirar, mas acabei guardando a arma e saí correndo antes que alguém tentasse me impedir. Tinha um destino certo, e ia pra lá.
Devo ter arrumado umas cinco multas por excesso de velocidade, mas nem me importei. Tinha que chegar lá de uma vez.
Estacionei na frente de casa e andei até a porta, hesitante. Fazia anos que eu não vinha até ali, mas me lembrava perfeitamente de cada detalhe do interior e do exterior. Três quartos, a cozinha grande, assim como a sala, dois banheiros e uma lavanderia pequena. Era minha casa. A casa onde cresci e onde meus pais foram assassinados.
Abri a porta com um grampo e entrei. Não havia um móvel sequer. Tudo foi retirado e vendido. A casa estava à venda também, mas ninguém queria comprá-la. E morar ali seria doloroso demais pra mim.
Me sentei no terceiro degrau da escada que levava ao segundo andar, lembrando da minha infância. Red tinha que estar mentindo. Não podia ser verdade. Aqueles dois eram sim meus pais. Foram eles quem me colocaram pra dormir, contando histórias; foram eles que cuidaram de mim quando eu me machucava; foram eles quem me amaram por dez anos, e me amariam por muito mais se estivessem vivos.
A porta abriu e alguém entrou, sentando ao meu lado. Eu sequer ergui a cabeça, sabia quem era louco o suficiente para me seguir até ali, mesmo sabendo que eu podia explodir em qualquer segundo.
—Sua verdadeira mãe era pobre, e não podia cuidar de você, mesmo assim não quis te entregar a ninguém. Você era tudo o que ela tinha. –Fechei os olhos, algumas lágrimas estavam escapando. –Um casal apareceu, e começou a ajudá-la, dando presentes e coisas que bebês precisam. Eram Martin e Cassandra. Sua mãe era inocente e jovem, e aceitou a ajuda, confiando neles cegamente. Um dia, eles te levaram enquanto ela dormia. Quando percebeu o que havia acontecido, ficou desesperada. Temia que te machucassem, mas rezava para que cuidassem bem de você. Alguns anos depois, eu consegui encontrar você, e como consequência seus falsos pais. Contratei Karl Ignez para matá-los e trazer você até mim, porque eu a devolveria para sua mãe. Mas as coisas ficaram fora de controle, e ele tentou te matar. –Apertei os olhos com força, tentando não lembrar daquele dia. –Eu estava do outro lado da rua, e vi quando fugiu dos policiais, com medo. A segui por um quarteirão e a fiz entrar no carro. Sua mãe não podia mais cuidar de você, então acabei ficando com essa função. No começo você tinha medo de mim, se escondia em baixo da cama e gritava se eu tentava te tirar de lá. Depois se acostumou. Quando fez catorze anos te entreguei para o FBI. Essa é a verdade, queira você ou não.
Abri os olhos, limpando as lágrimas com a mão e me aproximando de Red. Ele passou o braço em volta de mim, me abraçando. As lágrimas voltaram. Tentei forçar minha mente a lembrar de algum detalhe dos quatro anos vivendo com Red, mas não conseguia me lembrar de nada. Então me lembrei de algo. Caída no deserto eu havia visto algumas coisas, mas essa lembrança estava embaçada e escura.
“-Por que está cuidando de mim, tio Ray?
—Por que alguém tem que cuidar de você, pequena Jenna.
—Eu quero meus pais.
—Eles não estão mais aqui, querida. Estão mortos.”
O tom de voz me lembrava do de Red, devia ser ele o tal “tio Ray”, mas não dava pra ter certeza. Tinha que ser. Ele havia dito que meus pais estavam mortos.
—Você me contou?-Perguntei, sem me soltar dele. –Me contou a verdade quando morei com você?
—Não. Não consegui. –Assenti lentamente. Claro que não contou, eu era só uma criança.
—Um dia você vai me contar tudo?-Ele demorou a responder.
—Um dia. Um dia eu conto.