SEMANAS DEPOIS
—Tudo bem, Jenna?-Lizzy perguntou, sentando do outro lado da minha mesa. –Tem estado estranha nessas últimas semanas.
—Ah, é que... Nada.
—Tem certeza?
—É Matt. A presença dele tem me deixado incomodada.
—O que tem?
—Não sei! Ele... Sei lá. Alguma coisa nele me incomoda.
—Talvez seja o fato de que você o beijou e Rivera é amigo de Ressler?
—Você realmente é uma droga de uma boa analista de perfis. Eu te odeio. –Ela riu. –Se contar a Donald, eu te mato.
—Sei guardar segredo.
—É bom mesmo. –O celular dela tocou.
—Red. –Avisou, e saiu. Levantei, com dificuldade e fui até Aram.
—Ressler e Rivera já voltaram?
—Não. –Respondeu. –Como está seu tornozelo?
—Ótimo.
—A agente Keen disse que foi uma queda feia.
—Estou super bem.
—Está mancando.
Ok, meu tornozelo estava uma droga. Na última vez que saí em missão, havia muito mais homens armados num armazém do que esperamos. Eu, muito doida, subi em uma viga pra ter melhor visão da área, e aí alguém atirou na minha direção e eu caí, torcendo meu tornozelo.
—Tá, tá! Está doendo, mas não diga pro Cooper. Ele disse que eu não saio daqui até meu tornozelo ficar melhor.
—E com ra... Só um minuto. –Colocou os fones. –Sim, estou ouvindo. –Franzi a testa. –Solicitando reforço agora mesmo.
—O que aconteceu?-Fez um gesto me pedindo para esperar.
—Senhor. –Harold se aproximou. –O agente Ressler acabou de pedir reforços. Parece que ele e o agente Rivera foram cercados.
—Vou mandar uma equipe agora. –Se afastou.
—Reforço a caminho. –Desligou e se virou pra mim. –O que dizia?
—O que houve?
—Sei tanto quanto você.
Ressler e Rivera voltaram quase meia hora depois. Donald levou dois tiros de raspão (um no ombro e outro no braço) e Matt tinha um olho roxo. Parece que o sigilo da operação havia falhado.
—Acha que alguém andou abrindo a boca?-Perguntei à Keen, enquanto os dois homens eram mandados para a enfermaria.
—Como assim?
—Isso tem cara de armadilha, emboscada.
—É impressão. Não havia muita gente sabendo dessa operação no armazém.
—É necessária uma pessoa para comprometer uma operação, Elizabeth. Tenha isso em mente.
—Acha que alguém está passando informações para fora?-Olhou pra mim.
—Sim. Duas missões deram errado. Nas duas havia gente demais e fortemente armada nos esperando. Isso é suspeito.
—Você está um pouco paranóica.
—Eu sempre estive. E você também está. Desde que Tom sumiu. Eu percebi isso.
—Vamos focar no caso?-Cruzei os braços.
—Não preciso ser uma analista de perfis pra saber que tem algo errado.
—Jenna.
—Tudo bem. Vamos ao caso...
***
Me virei mais algumas vezes e suspirei. O relógio no criado-mudo dizia que era uma e meia da manhã. Eu não conseguia dormir. Isso começou fazia algumas semanas. O que estava me incomodando e tirando meu sono? Ressler e eu.
Donald não havia feito nada de errado. Essa era a verdade. O problema era... Eu. Eu o amava, certo, mas não era a melhor pessoa do mundo. Talvez, com o treinamento da Dangerous... Algo tenha se quebrado dentro de mim, e não havia como consertar. Sequer fiquei triste ao perder o filho de Donald e eu teríamos, e depois, ao saber que estava estéril... Bom, isso não me afetou. Que tipo de mulher eu era? Uma sem sentimentos, fria... Cara, eu era horrível. Talvez eu pudesse ignorar isso, mas... E o futuro? E se Ress quisesse uma família? Jenna Mhoritz não se encaixaria nesses planos.
Algo precisava ser feito, e isso era claro.
—Vai ser melhor. –Sussurrei para o escuro. –Para os dois.
***
Me aproximei de onde Ressler estava falando com Keen, Rivera e Aram. Era hora da verdade. Não podia adiar aquilo. Só ia piorar tudo.
—Ress. –Chamei. –Eu preciso...
—Agora não dá, Jen. Estamos saindo.
—Saindo?
—Encontramos nosso suspeito. Temos que ir agora.
—Mas nós precisamos...
—Vocês não vêm?-Lizzy perguntou, parando perto do elevador. Olhei dela, para Matt, então para Ressler.
—Tudo bem, vamos.
Mattew dirigia como se fizesse parte do filme Velozes e Furiosos. Acho que foi por isso que o deixaram dirigir. Parecia que estávamos fugindo após roubar um banco.
—Você já foi piloto?-Keen perguntou.
—Já. Participava de corridas quando era mais novo. Depois desisti.
—Pena que ainda dirige assim. –Alfinetei. –Não pode ir mais devagar? Ou quer nos enfiar num poste?
—Sei o que estou fazendo, agente Mhoritz. Fique tranquila. –Como ele podia pedir isso, estando à quase duzentos por hora?
Estacionou com um movimento rápido, a traseira quase atingindo outro carro. Quis dar um tapa em Matt, mas precisávamos ir.
Saltei do carro, sacando a arma. Ressler se aproximou.
—Por que parece que não gosta de Matt?-Perguntou.
—É impressão sua. Só não gosto do jeito que ele dirige.
Houve um som alto, então um tiroteio começou. Me joguei pro lado, ficando com a proteção de uma caçamba de lixo. Keen se escondeu atrás do carro. Matt sumiu, eu não conseguia vê-lo. Ressler estava tentando se juntar à Lizzy, então levou um tiro na perna e caiu.
—Ress!-Gritei. Saí do meu esconderijo, atirando na direção dos homens armados que não estavam muito longe de nós.
—Jen, sai daí!-Keen gritou.
—Me dá cobertura!-Puxei Ressler para o carro e abri uma das portas traseiras, nos escondendo da linha de fogo. –Precisamos dar o fora! Tem um exército aqui!
—Onde Matt está?
—Que?-Olhei em volta. –Merda! Entra no carro, eu vou atrás dele.
—Jen...
—Vai!-Eu devo ter gritado muito alto, por ela me obedeceu na hora.
Contornei o carro e localizei Mattew do outro lado do prédio abandonado. Havia um cara com ele, arma em mãos. Atirei na cabeça dele, acertando-o. Matt se virou.
—Você está bem?-Perguntei.
—Sim.
—Temos que ir, Donald levou um tiro. Precisamos de reforços.
—Claro. Vamos.
***
—Talvez você tenha razão. –Lizzy disse, se afastando da máquina de café com um copo em mãos. –Três missões, e todas deram errado.
—Alguém está passando informações pra fora. –Me inclinei para trás no banco. –Quando Ressler ia sair mesmo da cirurgia?
—Já saiu. A enfermeira disse que daqui meia hora alguém pode entrar pra falar com ele.
—Será que pode ser eu?
—Óbvio. Você é a namorada dele. –Desviei o olhar. –Jenna. –Suspirou. –O que foi agora?
—Nada.
—Sabe que não precisa mentir pra mim, não sabe?
—Não estou mentindo.
—Está. –Sentou ao meu lado, soprando o café. –Vocês brigaram ou...
—Não. Está... Tudo bem, na medida do possível. Eu só...
—Vocês estão aqui por Donald Ressler?-Uma enfermeira perguntou.
—Sim.
—Ele já acordou. Uma pessoa pode entrar. Alguma das duas é da família?
—Sou a namorada dele.
—Então pode entrar.
—Obrigada. –Levantei.
—Jen. –Lizzy chamou. Olhei pra ela. –Espero que saiba o que está acontecendo.
—Não tenho certeza se sei. Mas algumas coisas são necessárias. –Me afastei antes que ela me parasse.
Quando entrei no quarto, Donald estava sentado, inclinado contra os travesseiros. Parecia entediado, e eu podia apostar que estava. Porém, eu sabia que um tiro na perna não ia detê-lo e ele voltaria o mais rápido possível para o trabalho.
—Como está?-Perguntei, me sentando na beirada da cama.
—Bem. Já posso ir?
—Não. Precisa receber alta primeiro.
—Estou bem, eles já podem me liberar. Jen, tem algo errado?
—A primeira coisa que precisa saber... É que eu te amo. De verdade. E sei que me ama, mas...
—Jenna...
—Não. Não me interrompa. Eu preciso fazer isso. –Assentiu. –Pensei bastante nisso. É algo que tem me tirado o sono. Ress, eu sou... Imperfeita. E não diga que todos são, por que eu sou imperfeita num nível que... Beira à monstruosidade. Não me afetei ao perder nosso filho, e nem ao saber que Alexandra me deixou estéril. Eu... Que tipo de mulher não sente algo em situações assim? Eu sou errada demais para alguém, Ress. E, pensando nisso, em você, e em mim... Estou terminando tudo. Ainda trabalharemos juntos, isso não dá pra evitar, mas... Qualquer interação será apenas profissional.
—Jenna...
—Um dia você vai entender que isso é o melhor, para ambos. Não fui criada para amar, e sim para destruir. E se eu não me parar agora, vou destruir nós dois.
—E se eu disser que não?
—Não pode me obrigar a ter um relacionamento com você. –Fiquei de pé. –Vai encontrar alguém melhor. Alguém que não seja um monstro.
—Jen...
—Desculpe. Espero que entenda. –Me virei e saí, segurando as lágrimas.
Eu não ia voltar atrás. Tinha certeza disso.
***
Reddington precisava ser escondido. Foi isso que me disseram assim que voltei para a base. Keen, Matt e eu começamos a debater estratégias para tirá-lo do esconderijo, sabendo que estávamos sendo observados pelo lado de fora, e que poderíamos ter outra invasão prestes a acontecer.
—Tudo bem, ouçam. –Matt pediu. –Keen sempre está com Reddington, então vão assumir que ela está saindo com ele daqui. Vocês duas saem juntas num carro. E eu saio em outro, com Reddington.
—Eu vou com você. –Avisei. –Se eles perceberam que estão sendo enganados, virão com força total. Vai precisar de mim.
—Acho melhor ir com Elizabeth. Sem ofensas, Jenna, mas acho que é o melhor a se fazer.
—Não me ofendi. –Mas queria socá-lo. –Só acho que talvez eles não caiam nesse seu truque. Vamos juntos com Raymond. Lizzy vai sozinha.
—O agente Ressler está lá embaixo. –Aram avisou. –Pode ir com a agente Keen.
—Ótimo. Assunto encerrado. –Subi até a sala de Cooper para buscar Red. –Estamos saindo.
—Maravilha. –Murmurou, me seguindo. –Acho que devíamos levar Dembe.
—Eu estou indo com você. Vamos ficar bem. Lizzy e Ressler vão no outro carro. Se o plano do agente Rivera der certo, eles vão seguir os dois, então vamos sair sem problemas.
—E se não der?-Dei de ombros.
—A gente mete bala em quer ficar no caminho. –Sorriu.
—Esse é o espírito de uma Dangerous.
O plano de Mattew deu certo. Dois carros foram atrás de Lizzy e Ressler, acreditando que eles estavam com Raymond. Saí, dirigindo em alta velocidade, e seguindo as orientações do GPS.
—Deu certo. –Comentei. –Uma pena, queria um tiroteio básico. –Red, no banco de trás, riu.
—Controle-se, Dangerous.
Meia hora depois nós estávamos na pequena estrada que levava ao esconderijo que seria lar de Red por um tempo.
—Vou procurar Dembe depois e passo o endereço. –Avisei. –Nada de ligações ou mensagens. Podemos ser rastreados.
—Você é bem esperta, Jenna. –Mattew comentou.
—Hã... Obrigada.
—Só que eu sou mais ainda.
Quando vi, ele já tinha esticado o braço e dado um tiro na direção de Red. Era apenas uma arma de choque, mas faria um bom estrago. Parei o carro bruscamente e tentei segurar a arma. Mattew me acertou no pescoço. Mesmo com o choque, abri a porta e me joguei pra fora, tentando levantar. Matt me seguiu.
—Achei que me descobriria antes.
—Filho da mãe. –Murmurei, tentando permanecer consciente. –Pra quem... Você trabalha?
—Você logo vai descobrir.
***
—Tom. –Murmurei, abrindo os olhos. O ex-marido de Lizzy cruzou os braços, parado na minha frente. Meu pulsos estavam amarrados com força. –Você fica melhor sem óculos, não volte a usá-los.
—Sem gracinhas, Mhoritz.
—Como quiser. –Olhei em volta. Parte do local estava escuro, não dava pra ver muita coisa. –Então Matt trabalha pra você.
—Trabalhamos juntos.
—Ah, achei que ele fosse seu cachorrinho. Considerando o que sei sobre você, é possível que seja, no pior sentido da palavra.
—Mais uma gracinha dessas e eu corto sua língua.
—Vá em frente. –Se abaixou, ficando da mesa altura que eu.
—Acha que eu não te mataria?
—Lizzy ficaria chateada. Se quiser testar...
—Não vai escapar. Não deveria estar aqui, mas já que foi teimosa e se meteu nos meus planos...
—Ah, você é o “cabeça” disso tudo? Bom... Achei que fosse melhor em estratégias.
—Muito engraçadinha pra quem vai levar um tiro na testa.
—Cadê Reddington?
—Ainda vivo. –Sorri.
—Não vai matá-lo, por que você não é o “cabeça”, não é? É outro cachorrinho. Trabalha pra quem?
—Não interessa pra você. Só saiba que vai estar morta antes do meu chefe chegar.
—Seu chefe não vai durar. Você pegou Raymond Reddington. Ele é o cara mais escorregadio desse país. Vai mandar Matt e você pro inferno em dois tempos.
—E você vai antes que nós.
—Vou adorar jogar cartas com você lá. –Se levantou.
—Vou sentir saudade da sua língua afiada.
—E eu dessa sua cara de psicopata bonitão. E então, como vamos fazer isso? Vai só atirar, ou tem tortura? Ah, também tem a opção “solte a garota e deixe-a lutar”.
—Acha que eu te soltaria, Mhoritz? Eu treinei você. Sei do que é capaz.
—E eu sei que um dia vão te pegar. Você não é tão esperto, Tom, ou seja lá qual for seu nome. Pode até me matar. Mas Red e Lizzy vão estar aqui, e ambos vão acabar com você.
—Liz me ama. –Ri.
—Acredita mesmo nisso? O amor gera ódio. Agora atira logo em mim porque está me entediando. –Puxou meu braço, me deixando de pé.
—Tudo fica melhor com platéia, não acha? Ainda me lembro dos seus amigos assistindo nossas lutas, de como Daniel ficava desesperado ao te ver levando uma surra.
—Que isso, Tom? Vai bater numa garota amarrada?
—Não. Vou atirar em você, diante de Reddington. –Saiu me puxando. Ainda não tinha força pra correr ou fazer algo que parasse Tom. Porém, um plano começou a tomar forma. Uma luz foi acessa, clareando o lado contrário do grande galpão. Red estava sentado no chão, os pulsos e tornozelos amarrados. Tom me fez ajoelhar. Matt se aproximou um pouco. –Mais alguma gracinha, Mhoritz?
—Na verdade, não. –Apontou a arma pra minha cabeça. –Mas tenho um último pedido.
—Estamos ouvindo.
—Você bem que poderia me beijar. Não é?-Matt riu.
—Posso fazer isso se não quiser, Tom. –Avisou. –Seria uma honra. –Deu um passo para frente, meu antigo tutor barrou o caminho dele.
—Nem pense nisso. –Avisou, em voz baixa. Franzi a testa.
—Pode ser ou tá difícil?-Perguntei. –Posso beijar Red então. –Meu padrinho sequer se moveu, tentando entender onde eu queria chegar. –Ele é bem charmoso pra um cara da idade dele.
—O que você realmente quer, Jenna?
—Um beijo, só isso. Pode ser você, ou Matt, ou Red. Por mim tanto faz. –Dei de ombros. –Quem vai fazer as honras?-Abaixou a arma e se aproximou. –Ótimo, só não conta pra Lizzy.
Entrei no meu “modo atriz total”. Parte de mim estava gritando “JENNA! ESSE É O LOBO! PARA!”, mas me mantive neutra, e calma. Realmente, foi um plano desesperado e de última hora. Eu não estaria beijando Tom Keen se tivesse um plano melhor.
Agarrei a arma com as duas mãos e atirei nele, que recuou. Matt tentou pegar a arma, mas o acertei duas vezes.
Levantei, depressa, e me aproximei de Red, que já tinha soltado as cordas que prendiam seus tornozelos.
—Você beijou mesmo Tom Keen?-Soltei meus pulsos e o ajudei a fazer o mesmo.
—Nem me lembre. Preciso lavar a boca urgentemente. Agora vamos. Antes que os dois se recuperem.