—Quer saber de uma coisa? Está tudo péssimo. –Me inclinei para trás na cadeira, passando as mãos no rosto. –Eu não devia, sei que é errado... Mas...
—Mas o que, Mhoritz?-Red perguntou.
—Sinto ciúme de Ressler com Keen.
—Eu sabia. Sabia que não ia aceitar tranquilamente. Lizzy estava preocupada com a sua reação, mas depois se acalmou, após sua mentira.
—É mais forte do que eu. Eu sei que eles vão dar certo, só que... –Suspirei. –Eu sinto, e não consigo me impedir.
—Você é humana, Jen, e isso te afeta por que você tem sentimentos.
—Eu sei, e por isso deixei Donald. Eu sabia que estando com ele, ia... Ser como uma planta venenosa o envolvendo. Não acredito que estou com ciúmes. Sei que esse sacrifício é necessário, mas... Dói tanto...
—Dói. Esse é o problema dos sacrifícios, eles sempre deixam alguém machucado.
***
—Nós precisamos de reforços. –Sussurrei para Ressler, espiando pela lateral do prédio. –Apenas dois de nós não dão conta desses caras
—Não foi você que fez um plano para invadir a base da Conrad uma vez?
—Eu era irresponsável.
—Não mudou muito. –Olhei feio na direção dele.
—O que quis dizer com isso?
—Esquece. –Abaixou a arma. –Vamos pedir reforço. –Olhei por cima do ombro.
—Acho que não vai dar, não.
—Por quê?-Se virou, e então congelou.
—Código prata. Estamos cercados.
***
Me sentei, esfregando a cabeça. O espaço onde estava era bem apertado. Ressler, inconsciente, estava quase em cima de mim. Estávamos em um buraco profundo, devia ser um poço. Acima de nós, o céu escuro. Era noite.
—Ress. –Chamei. –Acorda. Ressler. Donald!-Ele abriu os olhos e se sentou.
—Onde estamos?
—Num poço abandonado, ao que parece. –Fiquei de pé. –É muito fundo, mas talvez a gente consiga subir. –Se levantou, então xingou em voz baixa e se apoiou na parede de terra. –Que foi?
—Meu tornozelo. Droga.
—Acha que quebrou?
—Não. Acho que apenas torci.
—Tudo bem. Eu vou... Tentar subir. Vem depois de mim.
—Jen...
—Confie em mim.
Olhei em volta, procurando alguma parte melhor pra subir. Não havia onde apoiar os pés, mas havia várias raízes. Segurei em uma delas e dei um puxão. Ficou no lugar.
—Acho que dá pra subir segurando nelas. –Comentei.
—Tome cuidado.
—Sempre.
Agarrei duas raízes e me impulsionei para cima. Continuei subindo, parecendo que a entrada nunca chegava. De repente, uma raiz se soltou e eu caí com tudo pro chão, derrubando Ressler comigo.
—Merda!-Gritei. –Você tá legal?
—Piorou meu tornozelo.
—Desculpa. –Sentei, tossindo.
—Se machucou?
—Não, mas perdi uma unha. Vou levar a noite toda pra sair desse buraco e encontrar algo pra te tirar daqui.
—Não. Você vai levar a noite toda pra sair e pedir ajuda. –Olhei pra ele.
—Não vou te deixar sozinho aqui, Donald Ressler. Podemos pedir ajuda depois.
—Mesmo que ache uma corda, como vai me tirar daqui? Sou mais pesado que você, e meu tornozelo está torcido. Sem chance de me tirar daqui sozinha.
—Ainda não entendeu? Eu não deixo ninguém para trás. Vamos sair daqui juntos.
Tentei escalar pelas raízes mais três vezes, e caí em todas as tentativas. Já estava fula da vida quando tentei mais uma vez, e cheguei até o topo. Faltava bem pouco. Agarrei a borda do buraco, meus braços reclamando pelo trabalho de me erguer até lá. Respirei fundo, tentando encontrar ar. Estava sem fôlego.
—Mais um pouco, Jen. –Sussurrei. –Só mais um pouco.
Com um grito e um puxão, eu consegui sair. Deitei no chão de terra, respirando o máximo de ar que podia.
—Jen? Você conseguiu?
—Sim. –Respondi, espiando-o pela borda.
—Onde estamos?-Olhei em volta.
—Numa floresta. Tem uma casinha aqui perto. Parece abandonada. Vou até lá ver se consigo encontrar uma corda.
—Tome cuidado, por favor.
—Eu vou. Aguenta aí, logo vai sair desse buraco.
Me levantei, com dificuldade, e rumei em direção à casinha. Eu estava exausta, mas não podia desistir. A pior parte passou, agora faltava tirar Ressler do buraco.
Casas abandonadas sempre pareciam suspeitas pra mim, então peguei um galho grosso caído no chão, já que estava desarmada. Ninguém morava naquela cabana fazia anos. As portas e janelas estavam trancadas com correntes pesadas.
—Merda. –Murmurei. –Merda. Ah, interessante.
Encontrei um galpão atrás da casa, esse não estava trancado, mas era muito escuro lá dentro. Temendo que houvesse aranhas e cobras, eu hesitei, mas acabei entrando. Encostei em algo que de inicio parecia uma corda, mas não era, então dei um grito e me afastei.
—Ai meu Deus, que é isso?-Tropecei em alguma coisa e caí, minha perna enrolou numa corda. –Obrigada, céus, obrigada.
Peguei a corda e corri de volta para o poço.
—Ress, pega!-Joguei a ponta da corda pra ele. –Pegou?
—Sim!
—Vou te puxar pra cima.
—Jen, você não vai... –Comecei a puxar, com o máximo de força que tinha. Meus braços voltaram a reclamar e a dor. –Você vai se machucar!
—Vai! Sobe!-Puxei de novo, então caí com tudo no chão. –Caramba!
—Não tem uma árvore próxima?
—Tem!
—Amarra a corda nela!-Levantei e segui as instruções de Ressler. –Acha que ela aguenta meu peso?
—Com certeza.
—Então tá. –Pouco depois ele estava aparecendo na borda do buraco. Me abaixei perto dele e o puxei para fora. Ambos fomos pro chão.
—Conseguimos! Nós conse...
Fui pega de surpresa. Nunca imaginaria que Ressler ia me beijar. Se afastou rapidamente como se eu tivesse o empurrado.
—Desculpe. –Desviei o olhar, culpada.
—Não, tudo bem. Nós... Hã... Tá ouvindo isso?-Ficamos em silêncio. Podíamos ouvir sirenes e carros se aproximando. –Acho que a ajuda chegou.
***
Bati na porta da sala de Cooper, que finalmente me deixou entrar. Franziu a testa assim que olhou pra mim.
—Jenna, o que... Você está bem?
—Ótima! Aqui. –Joguei uma pasta em cima da mesa dele.
—O que é isso?
—Minha carta de demissão.
—O que?-Sorri.
—Estou me demitindo!
—Jenna, o que é que...
—Bom, é isso. –Comecei a ir para a porta, sem me virar. –Obrigada, pelo emprego, mas estou dando o fora.
—Reddington...
—Reddington que se dane. É a minha escolha. Minha vida. Minha carreira. Com licença.
—Jenna Mhoritz!
Saí da sala dele, cantando Ghost Town. A voz de Cooper me seguiu escada abaixo. Nem liguei. Não estava sóbria, nem no meu estado normal, mas a decisão de me demitir tinha sido pensada antes de eu encher a cara.
—Você está bêbada. –Aram acusou, incrédulo. Parei na frente da mesa dele, sorrindo.
—Estou. E acabei de me demitir.
—O que?
—Finalmente... Acabou.
—Mas o senhor Reddington...
—Não, Aram, acabou. Fim de jogo. Jenna Mhoritz está dando o fora. Adeus. My heart is ghost town...
***
Eu sabia que tinha algo errado assim que Chandelier parou de tocar em alto e bom som. Me virei na direção do intruso.
—Oi, Raymond. Estava com saudade de você. O que quer?
—Colocar juízo na sua cabeça. –Ri.
—O que eu fiz de errado?
—Se demitiu. Enquanto estava bêbada.
—Ah. Mas eu queria me demitir antes de estar bêbada.
—Preciso de você naquela força tarefa.
—Não, não precisa. Já tem Keen. E isso é o suficiente.
—Desça desse sofá.
—Eu estava cantando.
—Jenna, desça desse sofá agora. –Fiz bico.
—Você não manda em mim.
—Jenna!
—Tá legal, papai. –Pulei para o chão. –Prontinho. Satisfeito?
—Por que voltou a beber?-Dei de ombros. –Vá tomar um banho e dormir.
—Não quero. –Sorri. –Sabe de uma coisa? Você bem que podia me beijar, né?-Suspirou.
—Vou mandar Dembe apagar você.
—Acho que eu te amo.
—Vá dormir. Agora.
***
—Quem deixou um elefante pisotear minha cabeça?-Resmunguei, me sentando. –Ai.
—Ninguém mandou você encher a cara. –Olhei na direção da voz.
—Red? O que você...? Esquece. –Me estendeu uma xícara de café. –Valeu. Se você está aqui, alguma coisa aconteceu.
—Você bebeu demais e se demitiu.
—Wou. Eu finalmente tomei coragem?
—O que?
—Desde que Ress e eu saímos daquele buraco, dias atrás, eu comecei a pensar nisso. Queria me demitir, mas não tinha coragem. Parece que a bebida resolveu isso.
—Preciso que desfaça isso. –Balancei a cabeça negativamente.
—Não vou voltar atrás.
—Jen.
—Não. É a minha escolha. Não quero mais fazer isso. Não posso mais fazer isso. –Dei um longo gole no café.
—Não há como mudar de ideia?
—Não.
—Raymond. –Dembe chamou, parando na porta do quarto. –O agente Ressler está na sala, disse que quer falar com Jenna.
—Ressler está aqui?-Larguei a xícara no criado mudo e levantei. Pisquei, confusa. –Quem me trocou?
—Sua roupa estava encharcada de bebida. –Red disse, como se isso explicasse tudo.
—Não quero detalhes. –Fui pra sala, encontrando Donald. Ele parecia bem preocupado. –Aconteceu algo?
—Você se demitiu. –Disse. –Por quê?
—Por que eu quis.
—Jenna...
—Estou cansada, Donald. Precisava fazer isso. Não espero que entenda, mas gostaria que respeitasse minha decisão.
—Volte pra equipe, por favor.
—Não. Não vou fazer isso. Agora se puder ir...
—Tudo bem. Foi... Bom trabalhar com você, Jenna Mhoritz. –Se virou e foi embora. Algumas lágrimas escaparam.
—Adeus, Ressler. –Sussurrei.
Me sentei no sofá, e comecei a pensar para onde iria. Não podia continuar na cidade.
***
—Jenna. Jenna!-Abri os olhos, assustada.
—Por que está gritando?-Franzi a testa. –Por que estou caída no chão?
—Você desmaiou.
—Jura?
O desmaio deixou Red preocupado. Ele me obrigou a fazer uma série de exames idiotas, alegando que algo estava errado. E estava. De tanto beber, eu finalmente adoeci.
—Não vou te deixar aqui sozinha. –Avisou, enquanto entrávamos no meu apartamento, minutos depois de pegar o resultado dos exames. –Arrume suas coisas, vai morar comigo.
—O que? Não. Estou saindo da cidade, não vai me obrigar a...
—Você está doente, Jenna. Ficar aqui, e sozinha, é perigoso pra você.
—Red...
—Sem discussão.
Dembe e eu começamos a colocar minhas coisas em caixas. Não havia como escapar, não havia nenhuma desculpa. Reddington não ia mesmo desistir de me levar com ele.
No fim do dia, tudo estava empacotado, embalado, e no pequeno caminhão que levaria minhas coisas para casa de Red. O apartamento já era mobiliado, então não havia tanto o que levar.
—Podemos ir. –Red declarou, pegando o chapéu de cima da mesinha.
—Eu posso... Ficar por uns minutos?
—Jen...
—Por favor. Morei aqui por anos. Gosto desse lugar.
—Tudo bem. Mas chegue em meia hora na minha casa, ou venho te buscar.
—Pode deixar. –Peguei uma bolsa que deixei no sofá. –Só vou tomar um banho, me despedir do apartamento e entregar a chave. Tudo bem pra você?
—Não demore. –Saiu com Dembe.
O apartamento foi a primeira coisa que comprei com meu salário de Dangerous. Na verdade ele era alugado, mas tudo bem. Eu gostei dele de primeira. Era pequeno, mas parecia um lar de verdade, diferente do grande complexo onde fui criada durante o Projeto Dangerous. Era por isso que eu gostava tanto dele.
Com esses pensamentos, eu saí do banho e me vesti. Então parei. Tinha algo errado. Um cheiro de queimado estava me incomodado. Rumei pra cozinha, fumaça saía de trás do fogão.
—Merda. –Me aproximei, tentando ver o que tinha acontecido, mas uma tontura me cercou e eu fui pro chão.