Dangerous

Eliminar Suspeitos


—“... Por fim, imaginou como seria essa mesma irmãzinha quando, no futuro, fosse uma mulher adulta; e como conservaria, em seus anos maduros, o coração simples e amoroso de sua infância; e como iria reunir outras criancinhas à sua volta e tornar os olhos delas brilhantes e impacientes com muitas histórias estranhas, talvez até com o sonho do País das Maravilhas de tanto tempo atrás; e como iria sofrer com todas as mágoas simples dessas crianças, e encontrar prazer em todas as alegrias simples delas, lembrando sua própria vida de criança, e os dias felizes de verão”.
Depois de uma semana meio adormecida e paralisada, morando na escuridão, eu finalmente consegui despertar. Abri os olhos, a claridade me cegou por um momento, então me refugiei no escuro de novo. Minha segunda tentativa funcionou melhor. Pisquei algumas vezes, o quarto tomou forma.
Red estava sentado ao lado da cama, um exemplar surrado de Alice no País das Maravilhas em mãos. Era o mesmo que havia na prateleira do meu quarto na casa dele. O mesmo que eu pegava e implorava para que lesse mais uma vez. Como eu me lembrava disso? Talvez estivesse recuperando minha memória aos poucos.
—Bem-vinda de volta ao mundo, Bela Adormecida. –Red saudou, fechando o livro.
—Você estava lendo pra mim. –Limpei a garganta, minha voz estava horrível.
—Estava. E você estava me ouvindo. Exatamente como fazia dezoito anos atrás.
—Bem. Red, não o culpo pelo que aconteceu. Aquilo... Você não sabia que aquilo ia acontecer.
—Não, não sabia.
Uma enfermeira apareceu, e logo chamou o médico responsável pelo meu caso. Muitos exames depois, e eu fui liberada, com ordens para não fazer e esforço e me alimentar direito. Apenas fingi concordar.
Precisei de duas semanas (insistindo e ligando de minuto em minuto para Meera) para voltar ao trabalho. Finalmente fui aceita de volta, e com força total. Bem, no começo Malik não quis me deixar participar das missões, mas digamos que ela não teve muita escolha.
—Você não pode desobedecer as minhas ordens, Jenna. –Avisou, fiquei tentada em desligar o celular na cara dela. –Sou a diretora assistente enquanto Cooper está desaparecido.
—Eu sei, Meera, eu sei. Mas você me aceitou de volta só pra me deixar num canto acumulando poeira. Eu quero estar em movimento, ação. Quero ajudar. E sou essencial para as missões.
—A aceitei, mas tem que me obedecer. Não quero ter que dizer ao diretor do FBI que você não me escuta.
—Bem, vamos ser sinceras? Cooper era melhor dando ordens, e você é da CIA.
—E...?
—A CIA não pode mandar no FBI, entendeu agora?-Estacionei. –Preciso desligar. Tchau.
—Jenna Mo... –Desliguei.
Coloquei o celular no bolso, peguei a arma, e saí, trancando o carro.
Peguei a missão na metade, então estava um pouco desatualizada. Red, Keen e uma equipe pequena invadiram um hospital em construção (que mais parecia abandonado, tenho que confessar), procurando por um suspeito. Agora, do que o cara era suspeito eu já não sei. Tinha a ver com Red, mas os detalhes... Bem, eu saberia se certa pessoa (Meera Malik) não tivesse tentado me colocar de fora.
Entrei no hospital. Dois agentes estavam no primeiro andar, e se assustaram quando me viram. Eram novatos.
Com a arma em mãos, parti para o segundo andar, andando devagar e tentando não fazer barulho. Havia muitos lugares para se esconder, muitos plásticos escuros pendurados, caixotes de materiais e salas. O criminoso tinha um bom esconderijo ali.
Mais à frente, escutei alguma coisa atingir o chão. Comecei a correr na direção do som, então parei.
O que tinha caído era a arma de Ressler. O agente estava lutando com um homem de capuz, que estava com uma faca. Tinha sangue no chão, alguém tinha se machucado.
—Parado!-Gritei. O homem não parou. Atirei na perna dele, derrubando-o. Ressler se apressou em algemá-lo, então se afastou, olhando para a mão direita. –Você está ferido?-Coloquei a arma no coldre e me aproximei.
—Um corte superficial. –Me aproximei, vendo o estrago que estava na mão dele.
—Estou vendo. –Puxei o capuz do suspeito, ele tinha um sorriso irritantemente satisfeito no rosto. –Está se achando muito espertinho machucando um agente, né? Sorte sua que não posso atirar na sua cabeça. –Pisei na perna machucada dele, arrancando um grito do homem.
—Jenna!
—Que?-Keen e outro agente apareceram, levando o suspeito. –Isso, podem levar. E você, Donald Ressler, vem comigo.
De volta ao esconderijo, lidei com o machucado na mão de Ressler. Anos cuidando dos ferimentos de Daniel, Luke, Paul e Ivan, e até dos meus, me deram experiência.
—Achei que Meera não tinha deixado você sair para a missão. –Ressler disse, enquanto eu terminava de enfaixar sua mão.
—Não deixou, eu fugi.
—Jen, você não pode sair sem permissão.
—Eu sei. Mas ninguém vai me deixar de fora. Ela não me aceitou de volta? Então, o que acha que vou fazer aqui?
—Um dia vai se encrencar por não seguir regras.
—Aviso se isso acontecer.
***
“O corredor era longo e branco. As luzes verdes e fracas. Tudo parecia muito grande, mas na verdade eu é que era pequena. Red estava ao meu lado, segurando minha mão. Eu estava chorando e tremendo. Tinha alguma coisa errada comigo, um peso estranho em mim.
—Tio Ray, estou com medo. –Sussurrei.
—Vai ficar tudo bem, isso já vai acabar”.
Me sentei, sem ar. O que tinha sido aquilo? Fazia meses que eu não sonhava. E agora... Sonhava com uma infância esquecida? Não... Era uma lembrança. Uma lembrança que estava voltando.
***
—Demetri? Entra. –Eu não o via desde... Bem, desde que nos agarramos aquela noite. Expulsei o pensamento. –Então, o que aconteceu?
—Eu... Estou indo embora.
—Como assim?
—Estou voltando pra Rússia. Tenho umas coisas pra resolver.
—Volta em algum momento?
—Não tenho certeza, mas acho que sim.
—Bem, então... Faça... Uma boa viagem.
—Tá. –Foi pra porta, mas parou e voltou. –Jen, Adrian está vivo.
—O que?
—Reddington não o matou. Adrian é um “empregado fantasma”. Como todos acham que está morto, ninguém o procurará. Ele trabalha para Red agora. Preciso ir.
E se foi antes que eu pedisse por maiores explicações.
***
O resto da equipe estava ocupado com um caso, e eu estava afastada de novo. Estava na “minha sala”, pensando como convenceria Malik que podia voltar ao trabalho normalmente. Como se soubesse o que eu estava planejando, a diretora assistente substituta apareceu.
—Mhoritz. –Me levantei num pulo.
—Sim.
—Tenho um caso pra você. –Me entregou uma pasta. –Mais uma vez, alguém está tentando provar a ligação de Reddington com o FBI. Isso pode não prejudicar não apenas o acordo, como todas as pessoas envolvidas aqui. –Assenti. –Da última vez, muitas pessoas morreram. Quero que descubra o nome de agora, e o elimine.
—Eliminar tipo matar?
—Sim. –Ok, me surpreendi. Desde a Dangerous que eu não recebia ordens de matar ninguém (tirando de Red).
—Tudo bem, posso cuidar disso. Mas... Quero uma coisa em troca. –Meera cruzou os braços, curiosa. –Quero uma sala nova, de verdade, como a de Keen e Ressler.
—Quando terminar sua missão, terá sua sala. Mas só se concluí-la.
—Eu vou. Vá arrumando tudo. Só volto quando terminar.
E saí.
Na pasta, havia muitas fotos de uma das casas de Red. Essa eu conhecia, era perto de onde eu morava com Cassandra e Martin. Além disso, fotos de Red indo para o esconderijo (que na pasta, estava identificado como do FBI) e fotos de Keen, Ressler e eu com o criminoso.
—Como é que isso foi parar nas mãos de Meera?-Murmurei, jogando a pasta no banco do carona. Liguei para Red, mas foi para caixa postal. –Tem alguém atrás de você, de novo. Uma das suas casas estava sendo vigiada, a que fica perto de onde morei. Estou indo pra lá agora. Não vá pra lá. Estou indo verificar.
Eu nunca entendi por que Red tinha tantas casas. A maioria nem estava no nome dele, só pra começar. Talvez servissem de esconderijo, um plano B, ou algo assim. Red atuava de maneira misteriosa. Talvez um dia eu o entendesse.
Estacionei algumas casas antes do meu objetivo e desci.
A casa da vez era comum, não aparentava ser do criminoso mais procurado do mundo. Tinha um ar de... Casa de família. Engraçado, não?
Entrei pelos fundos, a arma em mãos, atenta para qualquer som suspeito. Passei pela cozinha, pela sala, e quanto ia para o segundo andar, alguém saiu de uma porta lateral e começou a atirar.
Um dos tiros passou de raspão no meu braço. Me joguei de volta para a cozinha, tentando me esconder e atirar. Quem quer que seja saiu pela porta principal e correu. Fiz o mesmo caminho, mas quando cheguei à porta era tarde. O cara já tinha embarcado numa moto (onde outro cara dirigia) e sumiu. A placa estava coberta.
—Filho da...
—Olha a língua, Mhoritz. –Me virei.
—Sua casa foi invadida.
—Já percebi. –Olhou para a construção perto de nós. –Então essa é sua missão?
—É.
—Trouxe reforços. –Apontou para um ponto atrás de mim. Me virei. Adrian e Demetri se aproximaram. –É nossa missão também.
—Ótimo. Vamos começar. Quando terminá-la, vou ganhar uma sala nova.
***
—Cadê o Dembe?-Perguntei. Havíamos montado uma sala de operações na casa “oficial” de Red.
—De férias. Demetri estará assumindo o posto dele por um tempo.
—Hum, falando nisso... –Me aproximei, abaixando o tom de voz. Demetri estava do outro lado da mesa, concentrado em uns papéis, e Adrian na cozinha. –Que papo é esse de “empregado fantasma”? Quando ia me dizer que Adrian estava vivo?
—Não ia. Não saio por aí espalhando o nome dos meus fantasmas.
—Isso não é justo.
—Por que não?-Olhou pra mim, entretido.
—Você é um filho da mãe, sabia disso?-Me afastei, puxando alguns papéis para perto. –Tudo bem, de novo, tem alguém atrás de você. Tem ideia de quem seja?
—Pode ser qualquer um dos quatrocentos e noventa e quatro inimigos que, por acaso, deixei vivos.
—Engraçadinho.
—Red. –Demetri chamou. –Será que não é o... –Olhou pra mim rapidamente, então de volta para o patrão. –Você sabe. Aquele da última vez.
—Não, não é. - Negou, sem se importar com a minha cara de interrogação. –É outra pessoa.
—Tem certeza? Ele ainda está por aí.
—Eu sei, mas não é ele.
—De quem vocês estão falando?-Perguntei.
—Se meta com seus papéis, Mhoritz. –Se aproximou de Demetri, embarcando numa conversa com ele. Adrian voltou da cozinha, e me estendeu uma xícara de café.
—Obrigada.
—Que é que esses dois estão cochichando ali?-Perguntou, indicando os dois homens com um gesto da cabeça.
—Boa pergunta. Então... Você está vivo. -Dei um gole no café.
—Sim... Jenna. –Sorri.
—Sobre o que aconteceu na Rússia... Sem ressentimentos?
—Claro.
—Como é que foi trabalhar para Red? Ele queria matar você.
—Eu sei. Mas... Ele paga bem. –Riu, me fazendo rir também. –Ele disse que a única garantia de que não ia me matar, é você.
—Como assim?-Deu de ombros. Espiei na direção de Red. Ele estava olhando para Adrian e eu, com uma cara bem estranha, então voltou a falar com Demetri.
—Então... É... Quem é a verdadeira Jenna?
—Uma agente do FBI, com ligações... Bem bizarras com aquele criminoso ali.
—E a verdadeira Jenna é casada?
—Não. Mas tem namorado.
—Ah. Bem, eu pelo menos tentei.
—O que?
—Nada. –Estreitei os olhos na direção dele.
—Sabe, você me lembra alguém.
—Jura?
—É. Mas talvez seja impressão. –Deu um passo na minha direção. Perto demais.
—Talvez precise chegar mais perto pra descobrir. –Red limpou a garganta, nos interrompendo.
—Nada de interações românticas entre meus empregados no horário de trabalho. –Avisou.
—Empregados?-Perguntei. –Eu não sou sua empregada, querido.
—Tem certeza?
—Olha aqui a certeza. –Mostrei o dedo do meio.
—Mal educada.
—Você me criou por quatro anos, então não pode falar muito.
—Te criei muito bem, obrigado. –Revirei os olhos. –De volta ao trabalho.
—Sim, senhor. –Demetri, Adrian e eu murmuramos ao mesmo tempo.
Pouco depois, Demetri e Adrian saíram da sala, fazendo ligações. Eu continuei olhando os papéis, impressionada pela mega operação de vigiar Red.
—Jenna.
—Hum?-Olhei para Reddington.
—O que exatamente está acontecendo entre você e Adrian?
—Nada.
—Ele parece interessado.
—Parece, mas eu não. Caso não saiba, Ressler e eu voltamos.
—Você poderia arrumar alguém melhor, não poderia?
—Cala a boca, Raymond.
—Consegui uma coisa. –Demetri avisou, voltando para sala, com Adrian atrás dele. –Temos nosso suspeito.
—Ótimo. –Red murmurou, levantando. –Hora de fazer sua parte, Mhoritz.
***
—Esse é o cara?-Perguntei completamente desconfiada. Alguma coisa estava me incomodando no comportamento de Demetri e Reddington. Adrian parecia sentir a mesma coisa. O cara que pegamos não parecia ter inteligência o suficiente pra armar uma operação daquelas sozinho. –Não quero matar o cara errado.
—Malik te deu uma missão, e você está a cumprindo. –Red disse. –Se não quiser terminá-la...
—Só quero ter certeza de que é ele quem andou vigiando você. –O suspeito estava de joelhos, a cabeça baixa, em frente à Demetri.
—É ele. –Red deu um chute no homem. –Não é?-O suspeito fez que sim, rapidamente. Estreitei os olhos na direção dele.
—Red, eu não tenho certeza.
—Eu tenho. Adrian. –Um tiro. O homem estava morto. –Pronto. Trabalho terminado. Demetri, ligue para Kat e mande-a vir lidar com isso aqui. –Se afastou, indo para o carro. O segui.
—O que é que não está me contando, Reddington? Aquele cara não era o nosso alvo, era?
—Era. Se não acredita... –Deu de ombros.
—Estamos dentro de algo maior, não estamos?
—Jenna, aquele realmente era um dos meus inimigos. Sinto muito se não confia em mim. É melhor voltar ao trabalho e fazer seu relatório. –Entrou no carro, me ignorando.
Alguma coisa estava muito errada.
***
—Então o alvo foi eliminado?-Meera perguntou, andando ao meu lado.
—Sim, está morto e o corpo... Já foi devidamente... Hã... Sumido.
—Ótimo. Qualquer um que esteja pronto para matar Reddington precisa desaparecer. Não podemos lidar com mais um criminoso de alto nível. Aqui, essa é sua sala. –Abriu uma porta. Minha sala era como a de Keen e de Ressler, comum e pequena, mas mesmo assim... Era meu espaço.
—Obrigada. –Ela assentiu e saiu. Ressler entrou.
—Finalmente assumiram você como uma agente?-Perguntou.
—É, consegui minha sala.
—O que andou fazendo o dia todo?
—Saí por aí caçando um cara que queria ferrar com Red. Mas tudo já foi resolvido. –Supostamente. Eu tinha certeza de que Reddington estava mentindo pra mim. Porém, era melhor guardar segredo sobre isso.