Minha segunda missão era um pouco diferente da primeira. Eu devia ir jantar na casa de um advogado (desarmada) e fazê-lo entregar uns arquivos que, de acordo com Red, estavam no cofre, e em seguida matar o advogado. Quando perguntei por que deveria ir desarmada, Reddington apenas disse que eu saberia quando chegasse lá, e se o contrariasse, ia acabar sendo morta.
—Tá legal, Raymond, continue com seus mistérios. –Murmurei.
Adotei o mesmo visual da última missão, e em vez de ser loira, decidi ser ruiva.
Quando cheguei à mansão do advogado, entendi porque devia estar desarmada. Um segurança veio me revistar assim que saí do carro (alugado). Depois da revista, pude finalmente entrar. Stephen O’Brian veio me receber. Ele nem podia imaginar que morreria em breve.
—Senhorita Dias. –Cumprimentou. Eu estava me passando por Lina Dias, esposa de um cara que foi preso por porte ilegal de armas. Red montou o caso e o passou para Stephen, que o aceitou. –Entre, o jantar já está servido.
—Ótimo.
O aquecedor estava ligado, então tirei o sobretudo que estava sendo obrigada a usar por causa do frio. Red podia ter me mandado para um lugar mais quente, onde meus disfarces de vadia dariam mais certo.
Durante o jantar, parei para prestar atenção em volta. Não havia empregados circulando pela casa, e o segurança (como Red previu) era apenas um e estava do lado de fora.
—Bom, creio que meu marido será solto em breve, se depender do senhor. –Menti, me preparando para dar o bote. –Não sei como agradecer.
—Bem... –Desviou o olhar. Agarrei a faca ao meu alcance e a coloquei contra o pescoço dele.
—Levante-se, e não pense em gritar ou mato você.
—O que você quer?
—Tudo o que está no seu cofre. E é bom não tentar me enrolar. –Me levantei. –Vamos. Me leve até lá.
—T-tudo bem... Só não...
—Vamos agora. –Se levantou e seguiu para o escritório, me mantive próxima, a faca ainda contra o pescoço dele. –Abra de uma vez essa droga.
—Calma. –Tirou um quadro do lugar, revelando um teclado. Digitou a senha e abriu o cofre. Dentro havia apenas uma pasta grossa. Só podiam ser os arquivos que Red queria.
—Maravilha. –Peguei a pasta com a mão livre.
—Pra quem você trabalha?
—Pra mim mesma. –Enfiei a faca na garganta de Stephen. Ele desmoronou no chão, sangue se espalhando pelo tapete branco.
Sem pressa, limpei as minhas digitais dos lugares mais importantes e guardei a pasta por dentro do sobretudo. Então parei, me olhando num espelho grande na sala de jantar.
Tirei quase todo o batom, deixando-o um pouco borrado, entortei o vestido e baguncei a peruca.
Saí da casa, fechando o sobretudo. O segurança me ajudou a descer a escada que levava ao jardim.
—Ah, querido, seu chefe pediu para não ser incomodado pelas próximas doze horas. –Menti, piscando pra ele. –Precisa se recuperar... –Acenei e saí, tentando não correr.
Quando estava longe peguei o celular e mandei uma mensagem à Red.
“Está feito. Documento em mãos. Alvo morto. Mensagem apagada”.
***
Enviei a pasta por um conhecido de Red que a levaria em segurança. O cara não disse como se chamava, mas Reddington me disse para confiar nele quando coisas precisassem ser entregas.
Depois disso, não houve mais missões por dias. Presa no apartamento, e sem TV, tudo o que eu fiz foi me encher de bebidas russas. O que mais devia fazer?
Fiquei me perguntando como as coisas estariam em Washintgon. Estariam me procurando com ordem de prisão? Ressler ainda estaria ultra furioso comigo e me achando uma criminosa? Red estava obtendo sucesso em provar minha inocência?
Sempre que eu perguntava, Reddington dizia que era melhor eu não saber. “Aliás, você não é Jenna Mhoritz, é Emeraude Reddington. Aquela não é sua vida”.
Acabei repetindo a cena, como havia feito algum tempo atrás e me tornado uma alcoólatra de novo. Sem as missões, eu ficava o dia todo enfurnada naquele apartamento enchendo a cara.
Será que o que eu estava fazendo era errado? Eu estava matando de novo, exatamente quando era como Dangerous. Red não disse que meus alvos eram criminosos. E se eles fossem inocentes? E se eu estava matando sem razão? Isso me fazia ser igual à Reddington.
Gastei boa parte do meu dinheiro em bebida. Passava quase o dia todo largada no sofá, bebendo, e ignorando as mensagens e ligações de Red.
Dessa vez não havia fantasmas me infernizando, havia apenas a dúvida, e alguma coisa a mais, que eu não consegui identificar.
—Estou falando sério, Emeraude. –A voz de Red ecoou pelo apartamento, saindo da secretária eletrônica. –Não me faça ir até aí. Tem cinco horas para me ligar, ou pego o primeiro vôo para São Petersburgo.
Como sempre, ignorei. O que Reddington achava que eu estava fazendo? Revirei os olhos para o drama dele e fui para a cozinha, procurando por alguma garrafa que ainda tivesse bebida dentro. Só encontrei vazias, então suspirei, indo procurar minha bolsa.
Eu ainda tinha dinheiro o suficiente para comprar algumas garrafas. Peguei o suficiente para comprar uma, e saí para o mercadinho mais próximo.
***
Minha cabeça parecia ter sido pisoteada por cem elefantes. Sem abrir os olhos ou me mexer, tentei lembrar do que tinha acontecido. Ah, claro. Eu tinha desmaiado na rua por beber demais. Isso. Era isso mesmo.
Abri os olhos lentamente, estava de volta no apartamento. Uma figura grande se colocou entre mim e a luz. Demorei alguns segundos para ver que tinha uma forma humana... E masculina.
—Reddington me mandou aqui. –Avisou, se afastando. Me obriguei a sentar. –Ele sabia que você ia fazer isso em algum momento... –Ficou de costas. Agarrei a garrafa de bebida que estava na mesinha, levantei, e acertei a cabeça do grandalhão.
O cara caiu no chão, apagado.
Agarrei o telefone e disquei o número de Reddington. Dembe atendeu.
—É bom passar pra ele, ou as coisas vão ficar feias!-Gritei. Dembe murmurou alguma coisa, e logo depois Red estava falando comigo.
—O que aconteceu?
O que aconteceu? Quem é esse cara que tá aqui?
—Demetri. Ele trabalha pra mim e vai manter um olho em você.
—O que? Eu acabei de acertar a cabeça dele com uma garrafa.
—Você fez o que? Verifique se não o matou.
—Eu não.
—Emeraude!-Nunca vi Red gritando, isso foi meio bizarro. Cutuquei Demetri com o pé, ele se moveu um pouco, mas não acordou.
—Tá, ele tá vivo.
—Ótimo. Ele vai ajudar você nas missões e cuidar para que não entre em coma alcoólico. –Bufei.
—Não preciso de babá.
—Parece que precisa. –Desligou.
—Isso, filho da mãe, desliga na minha cara!-Coloquei o telefone de volta no gancho e parei.
Demetri ainda estava caído no chão. Ele era alto, e tinha cabelos escuros. Algumas tatuagens eram visíveis pela gola da camisa e pulsos. Pelo sotaque, era claramente russo.
Fui trocar de roupa, peguei um pouco de dinheiro e saí de novo. Demetri não ia me atrapalhar. Lá ia eu encher a cara de novo.
***
Revirei o quarto todo. Minha carteira estava vazia. Havia apenas os documentos em nome de Emeraude Reddington e só. Onde estava meu dinheiro? Eu sabia que ainda tinha o suficiente.
Desci as escadas correndo, quase escorregando no último degrau.
—O que fez com meu dinheiro, seu russo estúpido?-Perguntei, me apoiando no corrimão, exausta.
—Reddington me disse para guardá-lo, antes que o gastasse todo em bebida. –Respondeu, sem erguer os olhos do jornal que lia.
—Como é que é?-Olhou pra mim.
—Escondi o seu dinheiro. Entendeu agora?
—Me devolva.
—Para que? Para gastar em bebidas e desmaiar na rua?
—É. É bem pra isso mesmo.
—Desista.
—Então diga pro seu chefe que ele mande você matar pra ele!-Voltei pro quarto e bati a porta com força.
***
Eu estava completamente sem dinheiro. Mas Demetri se esqueceu de confiscar minhas jóias, então vendi um par de brincos que nem usava mais e consegui comprar uma garrafa de bebida.
O “capanga” russo de Red não gostou nada, e disse que ligaria para o chefe. Dei de ombros, não estava dando bola, o que é que Reddington poderia fazer, estando em Washington?
Acabei me estrepando. Não achei que Red viria para São Petersburgo atrás de mim, e fiquei incrédula (tanto quanto podia estando bêbada) quando ele passou pela porta, Dembe logo atrás. Reddington trocou palavras rápidas com os “capangas”, que saíram do apartamento, então andou até mim, parando na minha frente.
—De onde você saiu?-Perguntei. –Eles te deixaram vir?
—Por que está fazendo isso de novo?-Pisquei confusamente.
—Isso o que?
—Isso. –Apontou para a garrafa que eu segurava, a apertei com mais força. –Por que está se embebedando de novo?
—Não sei. –Dei um gole longo. –Acho que... –Solucei. –Sei lá. Altas paradas confusas aqui. –Apontei pra minha cabeça. Red revirou os olhos.
—Temos um acordo, Jenna. Você mata pra mim e eu ajudo você a limpar sua ficha.
—Quero férias.
—Completou apenas duas missões. Ainda não acabou. –Red parecia bem zangado. Me perguntei se ele ia me bater. O pensamento me deu vontade de rir.
—E daí? Eu tô cansada, quero respostas e quero... Descansar.
—Jenna...
—Não. Eu falo aqui. Será que estou matando pessoas que realmente deviam morrer? Ou são inocentes? Por que... Porque eu não quero ser como você. –Segundos de silêncio. Nenhum de nós sequer se mexeu. Então Red agarrou a garrafa de bebida e a lançou longe. Ela bateu na parede e caiu, em pedaços. –Raymond!
—Você e eu temos um acordo, se o quebrar, vai ter que lidar sozinha com seus amigos do FBI.
—Mas o que...?-Pisquei de novo, tentando entender. Red me puxou pra levantar, quase me arrastando escada acima. –Reddington... Me... Solta, caramba!
Gritei o suficiente para torcer que alguém me ouvisse, mas lembrei que o apartamento todo era a prova de som. Não, Red não ia me matar, ia? Ele precisava de mim, e não me matou antes, quando decidiu se livrar da minha equipe. Eu, com todo o treinamento que tive, não precisava ter medo de Reddington, mas bêbada não era lá muito eficiente.
Meu cabelo caiu no meu rosto, atrapalhando a visão. Tropecei e caí, Red não me ajudou a levantar. Quando água fria caiu em mim, num jato poderoso, eu entendi tudo. Ele estava me dando um banho frio, tentando me tirar da minha embriaguez. Não conseguiu.
—Que diabos, Raymond!-Gritei, tentando levantar e sair de baixo da água. Red me empurrou de volta. –Eu quero sair daqui!
—Temos um acordo, Mhoritz?
—Temos! Temos! Me deixa sair!-A água parou. Cuspi, tirando o cabelo rosto. –O que...
—É bom não quebrar o acordo. Preciso de você tanto quanto precisa de mim. Volta ao trabalho amanhã, então é bom se preparar e estar sóbria.
Se virou e saiu do banheiro. Permaneci um bom tempo sentada ali, tentando me acalmar.