—Posso falar com você um segundo?-Perguntei. Ressler tirou os olhos do computador e olhou pra mim por um longo tempo.
Eu sabia o que estava passando na cabeça dele. Sumi por quase um mês após dois dias fazendo a guarda de Red. Meera e Keen achavam que Raymond havia dado um sumiço em mim, mas a verdade era que ele havia me mandado para uma clínica, onde havia psicólogos, psiquiatras e todo esse tipo de gente.
—Claro. –Respondeu. Me sentei em frente à ele. A decisão que havia tomado tinha sido difícil.
—Eu... Pensei muito nisso. Não ache que foi algo que decidi de um dia para o outro. Eu... Acho que é a melhor opção no momento.
—Do que está falando?-Suspirei.
—Ress, por um tempo, acho que devíamos... Nos separar.
—Nos separar?
—Seguir... Como apenas amigos. Entende?
—Por quê? É aquele russo, não é? Demetri.
—Não. Não. Eu... Donald, eu não estou... Bem. Preciso de espaço. E nós estamos desandando faz um tempo. Sinto como se não compreendêssemos um ao outro. Acho que precisamos desse tempo.
—Jen...
—Por favor, Ress, entenda o meu ponto de vista.
—Se duas pessoas se amam, não tem sentido se afastar.
—Não estou repensando sobre o que sinto, só... Não envolve isso.
—Envolve o que?
—Nossas vidas. Tudo. O trabalho está sendo afetado, as coisas à nossa volta, o... Ress, eu... Eu passei por muita coisa, que no momento, sei que vai nos afastar. Nos repelir. Só quero estar cem por cento, pra ficar com você. Quero estar bem de novo e... Preciso de espaço. Entende?-Longos segundos de silêncio se passaram. A aflição me cercou.
—Se é o que você quer...
—Por favor, não fique magoado. Juro que... O que eu sinto não mudou nada. Só preciso desse tempo e voltar a ser a Jen de antes.
—Você é. - Balancei a cabeça negativamente.
—Não tenho certeza.
***
—Esse é o Clube Striller. –Elizabeth disse, apontando para uma das fotos nos telões. –É frenquentado por todo o tipo de criminosos.
—Todos estão na lista de Red?-Perguntei, me apoiando na mesa de Aram.
—Não. Mas o lugar está sendo acusado de prostituição infantil. Infelizmente, provas são difíceis de se obter. Ou você está acompanhado de um criminoso, ou não entra.
—Há anos o FBI tenta obter provas. –Meera disse, cruzando os braços. –Mas nenhum dos criminosos que capturamos tinha o nome na lista do clube.
—Reddington tem. Ele vai nos levar lá dentro. Ou melhor, vai levar Jenna. –Meera, Lizzy e Aram olharam pra mim. Ressler não estava ali, não consegui imaginar onde tinha se metido.
—Eu?-Perguntei.
—Sim. Ele a quer disfarçada lá dentro. E Ressler também. –Olhou em volta, como se o procurasse.
—Certo. Só me diga o que ele quer.
—Uma acompanhante. –Suspirei. Red adorava me ver vestida de vadia, só podia ser. -Encontre-o na casa dele, e vão pra lá logo.
—Escutas?
—Ressler estará usando. –Mais uma vez olhou em volta, Meera fez o mesmo.
—Ok. Estou indo me arrumar.
***
—Por que seu nome está na lista vip do Clube Striller?-Perguntei, enquanto Red estendia a mão pra me ajudar a sair do carro, achei um pouco difícil fazê-lo sem mostrar o que não devia. O vestido era muito curto e decotado.
—Por que sou um dos maiores criminosos do mundo. –Respondeu, sorrindo e me fazendo entrelaçar o braço com o dele. –E criminosos importantes são o que mantém esse lugar. Acha que o dinheiro vem de onde?
—Prostituição infantil.
—Ora, Jenna, não acha que eu faço parte disso, acha?
—Me diga você.
—Nem todos lá dentro fazem esse tipo de coisa. –Passamos pela porta, dois homens nos esperavam depois dela, em frente a cortinas vermelhas. Um deles tinha um tablet em mãos. Ambos estavam armados. –Raymond Reddington. Ah, um amigo chegará logo.
—Certo. Pode passar, senhor Reddington. –O do tablet disse, sem nem verificar o nome.
Nos sentamos nos fundos, eu ao lado de Red, olhando discretamente em volta. O lugar estava cheio.
—Vem muito aqui?-Perguntei.
—O que é isso, Mhoritz, uma cantada ruim?
—Para de gracinha. Estou falando sério.
—Não. O lugar passou a ficar mal frequentado, e as garotinhas que estão lá atrás, escravizadas... Isso me afastou daqui.
—Entendi. –Meu olhar bateu em alguém familiar. –Ele chegou. –Ressler se sentou na nossa frente. –Finalmente apareceu. Onde estava?-Olhou pra mim.
—Resolvendo uns assuntos. –Respondeu. –Tudo bem, Reddington, estou aqui.
—Vai até o balcão, - Raymond começou. –e pedir por uma garota. Vão trazer um tipo de álbum de fotos, e vai escolher.
—Como se fosse um cardápio?-Perguntei, me sentindo enjoada.
—Exatamente. –Quis vomitar ali mesmo. Como podia haver tanta gente monstruosa no mundo?-Então, agente Ressler, colha suas provas. Vamos, não temos o dia todo.
—Espera, vão desconfiar se Ressler não tocar na garota.
—Ele sabe o que fazer. –Donald se levantou, segurei o braço dele.
—Jen. –Murmurou, voltando pra olhar pra mim. –Não vou fazer nada.
—Tome cuidado. –Assentiu e se soltou, indo para o balcão.
—Ele vai ficar bem, Mhoritz. –Red assegurou, chamando um homem com um gesto. –Quer beber o que?
—Sabe que não posso beber, imbecil.
—Resposta certa. –Olhou para o homem que se aproximou e pediu duas bebidas, a minha sem álcool. Nossos pedidos chegaram pouco depois.
—O que pretende fazer?
—Nada. Apenas ficar aqui, beber, fumar e fingir que está me distraindo. –Olhei pra ele, erguendo uma sobrancelha.
—Não vou beijar você.
—Ah, que pena. –Sorriu.
—Velho sem vergonha. –Bufei.
—Irritar você é tão fácil, Mhoritz, que é até sem graça. –Espiei na direção do balcão, por cima do ombro.
—Daria tudo pra atirar na cabeça do dono disso aqui. Como ele pode... Oferecer garotinhas como se fossem bebidas?
—Há pessoas ruins no mundo, Jenna, mas nem todos são assim.
—Todos esses anos trabalhando para a Dangerous, então para o FBI, me fez perder a esperança no mundo.
—Enquanto houver uma única pessoa boa, ainda há esperança. –Não podia ter ficado mais surpresa.
—Acredita nisso?
—Algum problema? Só por que sou um criminoso não posso acreditar nisso?
—Você é uma caixinha de surpresas, Raymond Reddington. É incrível.
Ressler apareceu quase uma hora depois, um pouco pálido demais. Saiu com a gente, mas pegou outro caminho e se foi rapidamente. Alguma coisa estava o perturbando.
Nos reencontramos no esconderijo. O relato de uma menininha de uns nove anos passava em um dos telões.
—E então?-Perguntei.
—Meninas de oito a catorze anos. –Ele contou. –Duas são gêmeas, dez anos, só atendem juntas.
—Vou vomitar. –Cobri a boca com a mão. Aram empurrou um lixeiro na minha direção, despejei toda a bebida que Red havia me dado, e mais nada. Eu estava com o estômago praticamente vazio.
—Jenna. –Meera disse, pondo a mão nas minhas costas. –Acho melhor que fale com a Dra. Friedman. Você não parece bem.
—Estou ótima. Apenas fiquei enjoada, só isso. Esse... Caso, as crianças... –Outra onda de enjôo. Não havia nada o que sair. –Como alguém consegue fazer esse tipo de coisa?
—Acho melhor sair do caso.
—Não, não! Eu consigo. Eu posso fazer isso.
—Ótimo. Precisamos de uma das crianças. Ressler e você irão tirá-la de lá.
—Vou trocar de roupa. Apenas me avise quando quer que a gente saia.
Me afastei, andando rapidamente. Não me sentia bem, isso era claro, e todos haviam percebido. Com certeza eu não ia escapar da Friedman por muito tempo.
—Jenna. –Lizzy chamou, andando ao meu lado. –Tem certeza de que está bem? Você não precisa...
—Preciso. É como se fosse pessoal, entende? Menininhas machucadas e... –Cobri a boca com a mão, outra onda de enjôo me atingido.
—Jenna...
—Vou ficar bem. Vou ficar.
***
—Pode escolher, senhor. –O homem disse, empurrando o álbum na direção de Ressler. Virei o rosto, não querendo olhar para as pequenas meninas nas fotos. –Ótimo, boa escolha. –Ress segurou meu braço, como se pressentisse que eu queria socar a cara daquele monstro na nossa frente. –Quarto 7. Vou mandar a menina lá.
Ress e eu seguimos até o quarto indicado. Era grande e luxuoso. Fiquei de pé, andando de um lado para o outro, e me recusando a sentar na cama, onde coisas ruins aconteciam.
—Jen...
—Estou bem, Ressler, estou bem. –Interrompi.
O enjôo do dia anterior já havia acabado, mas eu ainda não me sentia bem. O caso estava me afetando. A porta abriu e uma pequena menina entrou. Devia ter oito anos. Tinha cabelos enrolados, negra e de expressão triste. Tive vontade de chorar ao ver os olhos cheios de lágrimas dela. Me apressei para perto da menina, mas parei ao vê-la recuar um pouco.
—Está tudo bem. –Garanti. –Vamos ajudar você. Vamos te tirar daqui.
—Vão?-Perguntou.
—Sim. Eu vou... Nós, vamos te ajudar, te devolver pros seus pais.
—Não tenho pais.
—Vai ter. Vai ter uma família. Eu prometo.
Passos apressados do outro lado da porta. Puxei a menina para longe, enquanto Ressler sacava a arma. A porta abriu com um chute, tiros começaram a ser disparados.
—Corre, Jen!-Ressler gritou, lançando a chave do carro na minha direção. –Sai daqui!
Joguei uma cadeira contra a janela, quebrando-a, então pulei pra fora, puxando a menina comigo. Ela começou a chorar. A peguei no colo.
—Tudo bem. –Sussurrei, correndo. –Tudo bem.
Parei em frente ao carro de Ressler e coloquei a pequena menina no chão. Ela gritou. Me virei. Alguma coisa me lançou no chão. Meu cabelo cobriu meu rosto, e mãos grandes apertaram meu pescoço.
—Jenna Mhoritz. –A voz era masculina. –Lembro de você, mas não deve me conhecer. –Tentei afastar as mãos da mim. –Meu pai te sequestrou, quando você tinha treze anos. Lembra disso? Ele engravidou você...
Minhas mãos escorregaram para longe do homem. Ele era filho do monstro que havia me machucado. A surpresa me atingiu com força. Uma arma foi engatilhada.
—Se afaste dela ou explodo sua cabeça. –A voz era de Keen. O homem me soltou, mas não se afastou. –Não estou blefando, sou capaz disso. Se afaste. –O cara saiu de cima de mim. Me sentei. Keen o algemou. –Jenna, está tudo bem?
—Estou. –Respondi, levantando e pegando a menina de volta no colo. –Estou bem.
***
—Como é o seu nome?
—Nitta. –A menina respondeu, balançando as pernas. Estava sentada na minha mesa, com um suco de caixinha e um sanduíche em mãos. De acordo com ela, não comia há horas.
—Quantos anos você tem, Nitta?
—Oito. Como é o seu nome?
—Jenna. –Inclinou a cabeça para o lado.
—Você é policial?
—Agente federal. FBI.
—Ah. –Assentiu, como se entendesse bem.
—Jenna. –Ressler chamou, parando na porta. –A assistente social já chegou.
—Nitta, você precisa ir agora. –Expliquei. –Vai com uma moça, que vai te levar para uma casa cheia de outras crianças. Lá você vai esperar, até encontrar uma família. Ok?
—Ok. –Murmurou. –Obrigada, Jenna. –Largou o que segurava e me abraçou. –Obrigada.
—De nada, pequena. –Dei um beijo na testa dela. –Boa sorte. –Ela pulou da mesa e deu a mão para Ressler, que sorriu e a levou.
O dia tinha acabado. O monstro dono do Clube Striller foi preso, assim como o filho do homem que havia me machucado, e diversos outros criminosos. Todas as meninas foram levadas para lares adotivos e orfanatos. Tudo estava bem.
***
—Você parece exausta, Mhoritz. –Demetri disse, lidando com as panelas no fogão.
—Nem faz ideia. E aí, o que pretende fazer para o jantar de hoje?
—Não encontrei muita coisa, de novo, na sua dispensa. –As compras que Red fez já não incluíam alimentos para jantar. –Então vai ser estrogonofe mesmo.
—Nunca comi isso aí.
—Pra tudo tem uma primeira vez. –Sorri.
—E essa garrafa de vinho, aqui? Estamos comemorando o que?
—O fato de você ter se recuperado com sucesso.
—Desculpa por acertar sua cabeça com um abajur. –Sorriu.
—Já desculpei. E eu é quem devia pedir desculpas. Devia ter parado quando pediu.
—Tudo bem. Já passou. –Se virou pra mim.
—Ei, está tomando todo o vinho, Dangerous. –Ri.
—Não estou não, e você também está. –Apontei pra taça dele. –Já encheu isso aí três vezes! Eu vi!
—Não exagera, foram duas.
—Ah, sei, duas.
—Não enche, Mhoritz.
***
—Ok, você definitivamente é o melhor cozinheiro do mundo. –Elogiei, de boca cheia. Demetri riu. –Esse negócio parece esquisito, mas é gostoso. Parabéns.
—Obrigado. –Me levantei para colocar o prato na pia, então peguei a taça. O vinho, em excesso, me deixou lenta, então acabei derrubando metade do conteúdo em Demetri.
—Ai, droga, desculpa. –Comecei a rir. –Cara, acho que fiquei tonta, espera. –Me apoiei na mesa. –Desculpa.
—Desastrada. –Sorriu.
—Tira isso, vamos jogar água, ou vai manchar. –Tirou a camiseta branca, relevando a pele toda tatuada por baixo. –Uau.
—“Uau” o que?
—Nada. –Peguei a camiseta. –Já volto, vou jogar isso aqui na pia.
Meu apartamento não tinha lavanderia, e eu não ia descer tão tarde para a área compartilhada do prédio. Então coloquei a camiseta de Demetri na pia do banheiro. Depois de lavar como pude, a pendurei no box.
—Deve resolver. –Murmurei, saindo do banheiro e batendo com tudo em Demetri. –Ai.
—Desculpa.
—O que significam todas essas tatuagens?-Inclinei a cabeça para o lado.
—Nas costelas, a palavra “Paz”, em várias línguas. –Reconheci algumas. –As armas... Bem, entendo muito de armas.
—Tem facas aí.
—Sim, sou bom com facas. –Ri.
—E isso aqui?–Toquei um brasão marcado no peito dele. –O que é?
—O brasão da minha família.
—Hum... É bonito...
Nem tive tempo de piscar. Demetri agarrou minha cintura com as mãos e me beijou. Eu não sei por que correspondi (sabia que não devia ter bebido demais), apenas... Segui em frente.
Demetri me pegou no colo, e não interrompeu o beijo enquanto íamos pro meu quarto... Eu devia ter parado ali. Mas não parei.