Código Zero

Capítulo 10 - As Desventuras de Shion


Não foi muito difícil convencer Yan a me ajudar. Eu prometi que passaria de fase para ele no videogame e que pagaria uma pizza tamanho gigante. Ele parecia bem animado, mas isso mudou Assim que vimos o escritório do shishou:

- Aaahh não Shion, Yan não quer limpar isso! Não quer de jeito nenhum!

Eu entendia perfeitamente o lado dele. Veja bem, eu também não queria. Mas o lugar estava tão acabado que, sem o Yan, eu ia morrer de velho e ainda estaria limpando:

- Por favor Yan, me ajuda! Se você ajudar, tenho certeza que a gente acaba bem rápido.

- Não! Shion só quer se aproveitar de Yan! Yan não vai limpar!

Nesse momento o shishou apareceu, saindo de um monte de entulhos:

- Yan, o Shion te arrastou até aqui para limpar também?

- Yan não quer!

- Pode ir embora. Essa limpeza deve ser feita só por mim e pelo Shion. É tradição sabe?

Só faltei chorar lágrimas de sangue quando vi o Yan saindo por aquela porta, todo feliz. Eu e o shishou nunca terminaríamos de limpar aquilo, eu tinha certeza:

- Preparado Shion? É hora da limpeza radical de primavera!

- Shishou, a quanto tempo você não limpa isso aqui?

- Uns dez anos sabe... Por isso que é radical, tem dez anos de sujeira aqui dentro!

Não era apenas sujeira. O lugar parecia uma ruína, com paredes rachadas e parte do teto desabando:

- A gente vai limpar e eu vou voltar a trabalhar aqui. Você Shion, como é meu assistente, vai ficar em uma mesa do lado de fora da sala, me ajudando no que for preciso e recebendo pessoas que vierem falar comigo. Vai ser ótimo não vai?

Que ótimo! Agora eu tenho tempo para aproveitar o resto da minha vida chorando enquanto arrumava aquela bagunça. Quando eu estava quase desistindo de arrumar aquele lixão, tive uma idéia:

- Shishou, coloque tudo que for importante para fora desta sala. Deixe aqui somente aquilo que possa ser jogado fora.

- Mas não era para ser o contrário...?

- Faça o que eu estou mandando! Só o senhor pode fazer isso! – Falei sem nenhuma gota de paciência. – Esperarei do lado de fora. Certifique-se de não deixar absolutamente nada de valor dentro desta sala.

Shishou entrava e saia daquela sala em pequenos intervalos. Depois de uma hora, as únicas coisas importantes eram livros velhos e mofados e uma pilha de papéis amarelados por causa do tempo.

Entrei naquela sala e me tranquei lá com dois Aces na mão: Um de Ouros e um de Paus. Usei o grande poder de sucção e aprisionamento para guardar toda aquela sujeira dentro da carta e, combinando com o As de Paus, queimei tudo que estava dentro da carta até não sobrar nem cinzas. Depois disso, ainda usei o As de Paus para construir uma série de prateleiras e o gabinete dele. Aproveitei também para reparar o teto e revesti as paredes com pedras, dando um toque rústico ao local (Rústico com classe, e não rústico fim-de-mundo).

Shishou quase teve um ataque quando viu que, pela primeira vez na vida, aquele pardieiro estava realmente limpo e reconstruído.

- Meu gabinete! Tão lindo! Tão limpo! Shion, se eu pudesse, te dava um aumento!

- Bem que eu gostaria... De qualquer forma, ajeite as coisas que sobraram aqui dentro, e por favor, não deixe chegar aquele estado de novo! Eu imploro!

- Não se preocupe! Agora, você viu aquela mesa lá fora? É a sua. A partir de amanhã você ficará por lá, e eu fico no meu gabinete, lidando com documentos.

- Certo. Estou livre por hoje?

- Hmmm... Infelizmente pra você, não. Hilda me mandou uma mensagem, falando que você estava devendo uma limpeza na piscina dela.

- Eu? Não estou lembrado...

- Ela falou que era uma dívida referente a um livro... Ou algo assim...

Maldita seja! Ela estava mesmo cobrando o empréstimo daquele livro! Parece que hoje era oficialmente o meu dia de faxineiro.

- Onde fica a casa dela shishou?

- Eu levo você lá, é meio longe...

- O que, ela mora em um fim de mundo?

- Você verá...

Shishou me deu uma hora para descansar, e depois disso iríamos até a toca da serpente... Em que tipo de lugar ela morava? Bem, eu acreditava que não deveria ser muito difícil, afinal, era só usar minhas cartas.

Quando nos encontramos, a primeira coisa que o shishou fez foi colocar uma venda em mim:

- O-o que é isso shishou?

- Desculpe Shion, mas Hilda não quer que mais ninguém saiba o caminho até sua casa. Não precisa se preocupar, eu tiro assim que a gente chegar lá

Era só o que me faltava, além de mercenária, a Rainha também era paranóica! Achei melhor não reclamar, e deixei que o shishou me guiasse até um carro. A viagem deve ter durado cerca de uma hora. Assim que chegamos, o shishou tirou a venda, como prometido, e o meu queixo foi direto ao chão.

Aquilo era um palácio! Nunca na minha vida tinha visto uma casa tão grande! O lugar parecia gritar RIQUEZA. Foi quando eu fiz a ligação: Rhyca - Rica. Meu Deus, ela era rica até no nome! Como eu não tinha percebido isso antes? Eu sempre achei que ela era apenas obcecada por dinheiro, não que tivesse tanto assim...

O que me levou a outro problema: se a casa dela era daquele tamanho, como seria sua piscina?

No portão daquele palácio estava a senhorita Rhyca me esperando com um leve sorriso malicioso.

- Siga-me. Vou lhe mostrar onde fica a piscina. – Ela falou enquanto parecia estar segurando o riso.

Aquela mansão era muito maior por dentro do que aparentava! Entramos por uma sala toda trabalhada no estilo vitoriano com diversos móveis em madeira. Passamos também por uma sala extremamente moderna, com vídeo-games de ultima geração. Alguns eram protótipos enquanto outros eram verdadeiras máquinas. Eu havia visto tanta coisa até chegarmos à piscina, que eu já estava ficando tonto de tanta informação. E a piscina só reforçou isso.

- A piscina dos fundos é uma das maiores que tenho e é a que uso para eventos em minha humilde residência.– Hidelgarde explicou. - Preciso dela limpa para ontem. O Kuroda vem mais tarde para... Hmm... Resolvermos assuntos pessoais e vou precisar da piscina limpa.

Piscina dos fundos?! Humilde residência?! Como ela tinha a cara-de-pau de dizer que aquilo era humilde? Então quer dizer não havia só aquela piscina naquele palácio? Ela era maior que o meu quarto! Comecei a desconfiar de que ela tinha o tempo todo o livro que me “emprestou” e que era só um meio de me fazer limpar o humilde oceano dela.

- Vai precisar disto para limpar o fundo dela. – Ela falou enquanto me mostrava um tubo de oxigênio. - Às vezes a uso para treinamentos então mandei fazer um pouco funda. Como ela terá que estar limpa ainda hoje, segundo os meus cálculos, não haverá tempo para você subir para respirar. Se você começar agora, terminará antes do jantar, por isso pode ir tratando de trocar de roupa e fazer seu serviço antes que as coisas piorem. – Ela falou num tom realmente assustador.

Passei toda a tarde limpando aquele pedaço do oceano. Tanto que, quando sai de lá, eu estava mais enrugado do que uma uva passa. Novamente fui vendado e permaneci assim até chegarmos á Ordem Zero.

Ainda estava na hora do jantar quando cheguei. Não fiz outra coisa a não ser ir direto a cafeteria do nosso esquadrão, mas a mesma já se encontrava fechada. No caminho ao meu quarto, encontrei o Kuroda por acaso e aproveitei para perguntá-lo onde eu poderia jantar:

- Sei não truta! Mas se cê quiser rangar no meu cafofo, pode vim.

A fome foi tão grande que aceitei o convite.

O quarto do Kuroda me pareceu bem legal, embora eu não gostasse muito do estilo dele. Era um lugar mal iluminado. Haviam algumas luminárias grandes com um tipo de gel luminoso com cores fortes. Uma musica tocava extremamente alto lá dentro, mas não se ouvia por fora pelo fato do quarto ser revestido internamente para que não “vazasse” o som. Havia também algumas almofadas gigantes no chão e uma enorme caixa de pizza no centro de uma mesa de metal. Nada mais me chamou a atenção naquele quarto depois que localizei a pizza de queijo com calabresa. Ela parecia ser recente e ainda estava quente quando a mordi. Fiquei tão hipnotizado pelo cheiro e sabor que o Kuroda me deu um soco para me “acordar”.

- Por que você fez isso?! Eu estava finalmente colocando algo no estômago depois de ser escravo o dia inteiro! – Falei enquanto migalhas voavam da minha boca.

- Foi mal aê. É que eu falei cuntigo, mas o truta pareceu que tava viajando. Achei que os zumbi tinha cumido teu celebro. – Kuroda falou cheio de gírias.

- É cérebro. – Corrigi ele.

- Tanto faz. O que importa é que cê tá comendo alguma coisa, né. O truta é da minha área. Num ia deixa o muleque com fome. – Ele falou todo sem jeito.

- Obrigado, eu acho.

O Kuroda não era um dos mais inteligentes do mundo, mas era uma pessoa com um grande coração. Eu me sentia feliz por haver pessoas que se importavam comigo naquele lugar. Desde que me lembro moro nas ruas e, oito anos atrás me “mudei” para o galpão onde senhorita Houkiboushi me encontrou. Normalmente, eu falaria como o Kuroda, mas a maior parte do tempo que morei nas ruas eu passei na biblioteca do porto e geralmente eu só saia quando fechava.

O dono dalí, o senhor Vincent me conhecia e, de vez em quando, me emprestava uns livros. Acabei melhorando minha linguagem e aperfeiçoando minhas habilidades que me acompanham desde que me lembro. Eu não tinha muitos amigos e os únicos que andavam comigo eram o Frederick e a Misha. O senhor Vincent nos tratava como filhos dele e o Kuroda acabou me lembrando disso.

Fred e Misha... Devem estar cuidando de mim lá de cima...

O Kuroda me acordou de minhas lembranças com o rosto preocupado.

- Cê tá chorando? Mano, o que foi? Se tiver com o gosto ruim, pode falar. Posso pedir outra se você quiser...

- N-não é isso... – Falei enquanto me recuperava das lembranças.

- Já sei! Algum truta te fez mal, num é? Me diz o nome pra eu ir lá quebrar a cara dele e...

- Também não é isso. – Falei enxugando o rosto. – Eu só... Lembrei de coisas tristes, mas tá tudo bem. – Tentei forçar um sorriso.

- Hmm... Num sei não... Olha, se cê quiser, pode jogar nesse vídeo-game que a Hilda-chan me deu de presente. Tenho a “Galáxia Mortífera 3000” e o “Sobreviva por Sete Dias e Seis Noites Com Uma Faca Contra 1000 Zumbis Tentando Comer Seu Cérebro”.

- Agora você falou “Cérebro” corretamente.

- Eu sei falar como cês falam, mas é muito chato... Tá duvidando disso? Pera um pouquinho. – Ele pigarreou e continuou falando. – Boa noite querido mestre, Christopher Manson. Estou apresentando o novato, Shion Walker, cuja habilidade é baseada em cartas de Pôquer. Lutador versátil, pode lançar cartas para um combate a distância ou...

Ele continuou falando enquanto eu ficava cada vez mais espantado com aquilo. De fato, não havia ninguém com um pingo de juízo naquela organização. A única pessoa que parecia ter algo na cabeça era a Pandora...

Eu esperava que a Pan acordasse logo. Não agüentava mais vê-la naquele estado. Acabei passando no hospital para visitá-la, mas não houve nenhuma mudança ou melhora. Mas, só de saber que ela não estava mais respirando por aparelhos, já era um alívio.

No dia seguinte, fui para o treino diário da general Lewinsk e isso se repetiu durante um mês. Eu já me sentia mais forte, mas não o suficiente para derrotar um príncipe. Eu também já havia conseguido compactar o naipe de Ouros numa única carta e agora eu poderia controlar a força do aprisionamento e variar o nível durante o uso.

Durante a tarde, Yan veio atrás de mim no campo de treinamento do quinto esquadrão. Ele parecia eufórico e usou sua habilidade para chegar até mim.

- Shion! Shion! O Yan trás boas notícias! A Pandora acordou e disse que queria te ver!

- I-isso é sério?! A Pan acordou?! – Me virei para a general Lewinsk para pedir permissão de interromper o treino, mas antes que eu o fizesse ela balançou com a cabeça, permitindo que eu saísse.

Corri o máximo que pude para chegar ao hospital que quem precisaria ser internado era eu! Foram momentos realmente felizes e, é claro, Alexis também foi visitá-la.

Segundo os médicos, Pan ainda teria que ficar internada até que estivesse completamente curada, o que não iria demorar. Depois disso, ela até poderia treinar, mas sem muitos esforços.

Passamos a tarde toda ali e saímos perto da hora do jantar. Nesse ultimo mês, todos pareceram mudar um pouco: o shishou estava mais responsável e também trabalhava (ás vezes eu o forçava, devido a algumas fugas esporádicas dele); aprendi um pouco mais sobre o trabalho de um assistente com o Swan; O Yan ás vezes treinava com a gente, dependendo do tipo de desafio proposto pela general do 9º esquadrão.

Todos os esquadrões estavam se esforçando para o combate com os príncipes que aconteceria em pouco menos de cinco meses.

Cerca de uma semana depois de Pan ter acordado, o shishou me chamou até a sala dele:

- Shion, quero que você se prepare. Você e o Swan vão para uma missão.

- Eu e ele? Mas nem somos do mesmo esquadrão...

- Isso não é um problema. A missão é simples, pode ser facilmente feita por dois assistentes. Como vocês já vem treinando juntos, achei que seria bom. O ideal seria que você fosse com Pandora, mas sei que ela ainda não saiu do hospital.

- Qual é a missão?

- Vocês dois vão invadir o território de Zardmaru, o BARON de gelo, e roubar a Rosa da Eternidade dele.

- Rosa da Eternidade? Nunca ouvi falar em algo assim.

- É uma rosa esculpida em um raro tipo de cristal. A partir dele, é possível criar várias substâncias perigosas, inclusive venenos terríveis. Existem várias coisas esculpidas nesse tipo de cristal, mas é muito difícil encontrá-las.

- Você já encontrou algo assim shishou?

- Logo quando eu me tornei general, eu tive que ir atrás de algo assim. Voltei vitorioso, com o Abacaxi Torturante da Eternidade em mãos.

- Torturante? - Era só o que me faltava, como se minha vida já não fosse ruim o suficiente...

- Ele tinha uns espinhos, que eram realmente dolorosos. Era uma tortura segurar aquele abacaxi. Bem Shion, amanhã cedo eu lhe entrego um papel com todas as instruções pra essa missão, está bem?

- Certo!

No dia seguinte, quando cheguei ao escritório do shishou, encontrei o Swan e a assistente do Blackgate:

- Shion, essa é Anelise, assistente do general da área oito. Ficou decidido que ela não poderia ir à missão porque ela estava muito ocupada. Mas o problema já foi resolvido e ela irá com vocês. Desejos a vocês boa sorte e bom trabalho! Estão dispensados.

Pegamos o primeiro trem que nos levaria diretamente para Cannonville, território do BARON de gelo.