Cêpan

Capítulo Único.


Em minha cela, conjunto à falta de atividades, eu tinha muitas memórias de minha adolescência. Hoje em particular, minha mente se fixou em uma, e repassava-a como um filme enquanto eu fazia meus exercícios diários.

Era um daqueles dias, Sandor entrou pela porta da frente com uma garota em seu encalço, ambos rindo e exalando cheiro de bebida alcoólica. Eu não desvio meu olhar da tela onde jogo meu videogame de luta livre. Dou um slam no adversário e faço o pinfall enquanto eles se dirigem ao corredor que levará ao quarto dele. Sinto um incomodo grande, associando-o ao fato de não confiar nas mulheres e achar desnecessário que Sandor as traga em casa. E se alguma delas estivesse trabalhando para os Mogs? Não tínhamos como saber o tipo de contato que eles possuem com os humanos.

Rio com a ironia daquele pensamento. Foi isso que te ferrou, não foi, Nove? Idiota.

A ouvi dizer algo como “não disse que tinha um filho”, e ele responder “é meu sobrinho, só ignore-o”. E aquilo me irritou ainda mais, me fez desligar o videogame e ir para meu quarto. Coloquei os fones de ouvido no máximo volume, rodando o cd Back in Black do AC/DC inteiro. Imagino que devo ter dormido com os fones, porque acordei com eles bagunçados ao meu lado na cama. Desliguei o aparelho e tomei uma ducha, vestindo calças de treino e uma camiseta apertada, destacando meus músculos. Falhei em arrumar os fios pretos de meu cabelo longo até o pescoço com os dedos, deixando-os mais bagunçados ainda, e então perdendo a paciência.

Sinto meus fios incomodarem perto do começo das costas e penso em como gostaria de ter uma tesoura para apara-los. E em como logo estariam formando dreads naturais, com tanto tempo sem um shampoo ou uma escova.

Passo desodorante e saio do quarto, sem arrumar minha cama. Estou na cozinha comendo meus ovos pochê matinais quando Sandor entra, coçando a nuca sob o cabelo perfeitamente penteado e com a típica cara de ressaca de Sandor. Ele trajava uma calça jeans escura e camisa social com manga curta quadriculada, parecendo um caipira. Seus olhos verdes apagados e contornados por olheiras fundas estavam destacados pelas sobrancelhas perfeitamente desenhadas, a pele branca contrastando com as cores azul escura e vermelhas de sua camisa perfeitamente passada, passou os dedos nos cabelos perfeitamente penteados. Mal posso ver seus lábios entre o bigode e a barba bem feitos e cumpridos. Me pergunto se é costume em Lorien ser tão arrumado ou se Sandor tinha algum desvio de personalidade, ou algum TOC. Algo que sempre tive curiosidade em saber, mas nunca perguntei.

Não lhe cumprimento e ele só fala comigo após dois copos de suco de laranja.

- Vaca – ele murmura – roubou minha carteira antes de sair. Sorte que nunca carrego dinheiro e só tinha cem dólares lá.

- Bem feito – sussurro, sem olhá-lo.

Ele parece desconcertado com a resposta, se perguntando o motivo daquilo. Eu também me pergunto.

- O que houve? Acordou de tpm hoje?

- Sabe que não gosto quando trás mulheres pra casa. É nosso esconderijo.

— Tanto faz – ele deu de ombros – achei que entendesse que eu preciso relaxar com todo o trabalho que você me dá.

- É claro que eu entendo. Mas você caga dinheiro. Podia leva-las a um motel, sei lá. E se estiverem trabalhando para os mogs? Já pensou nisso?

- Claro que não! Humanos não trabalham para os mogs.

- Que nós saibamos. Tem certeza disso?

Ele pareceu incomodado, ponderando a possibilidade. Mas então os olhos dele iluminaram, e ele sorriu de lado. Sua expressão quando conseguia uma zoeira nova para me fazer ficar sem graça. Me levantei e fui até a pia, deixando o prato ali.

— Está com ciúme, Nove?

— Ciúme de que? – o encarei com deboche.

Ele se aproximou, rindo.

- Sabe que se quiser uns beijos meus, é só pedir – ele assume uma postura teatral bem séria, passando as mãos em meus ombros.

Em um movimento rápido, pego sua mão em meu ombro direito e passo por baixo de seu braço, aplicando-lhe uma chave. Pressiono contra suas costas, puxando até vê-lo fazer uma careta de dor, então relaxo, mas não o solto. Ele me da uma cotovelada com o braço esquerdo no pescoço, me deixando tonto por dois segundos. Dois segundos suficientes para ele me dar uma rasteira e subir em cima de mim no chão, prendendo minhas mãos acima da cabeça. Jogo meus pés por cima, aplicando-lhe uma tesoura e revertendo a posição. Ele ri e eu o solto, me levanto e estou me afastando quando ele pula em minhas costas. Essa foi boa, me pegou de surpresa. Mas me recomponho rápido. Me jogo de costas com ele no sofá, e ele desliza os braços por minhas costelas, me fazendo cócegas. Faço uma força sobrenatural para virar, planejando minha vingança. Sinto sua respiração perto da minha, o cheiro misturado de pasta de dentes, laranja e seu creme barbeador. Ele põe a mão em minha nuca, por um segundo acho que ele vai puxar meu cabelo como alguma brincadeira, mas ele puxa meu rosto mais para perto, selando nossos lábios.

Eu não queria me afastar, em nenhum momento pensei nisso. Seus lábios eram chocantemente macios, ficando áspero onde tinha barba, mas não pinicava, por ser grande e bem cuidada. Invadi sua boca com minha língua, virando-nos de lado. Ele arranhava minha nuca levemente e eu apertava seu colete na altura da cintura, puxando-o mais para perto. Sua língua brincou com a minha, eu sentia minha respiração ofegante, em conjunto à sua. Sua mão em minha nuca e os dentes nos meus lábios criaram um arrepio que subiu minha espinha inteira, me fazendo estremecer. Senti-o rir entre o beijo. Paramos apenas pela necessidade de oxigênio.

Então ele se levantou e saiu, como se nada tivesse acontecido.

E foi assim que tratamos aquele momento para sempre. Nunca mais voltou a acontecer, e nunca comentamos.

Hoje eu daria tudo para voltar àquele momento. Não por nutrir sentimentos por Sandor – assim como sabia que ele não nutria por mim –, mas para estar com ele. Brincar como brincávamos, sem preocupações. Suspirei fundo, olhando o teto de minha cela, me perguntando se algum dia voltaria a vê-lo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.