“Trouxe a lua à beira do mar

moveu meu chão como ninguém mais…”

Despertou, sentindo o outro, com a pele gélida ao seu lado. Assustado, sentou-se na cama , tocando as costas do mais novo, tentando despertá-lo.

— Myv… - chamou, o virando, notando os seus lábios arroxeados. Se desesperou, e encostou o rosto em seu peito tentando ouvir seus batimentos cardíacos. - Myv por favor… - o ajeitou, e tentou fazer alguma massagem cardíaca.

Acordou apavorado.

— Um maldito pesadelo… - se sentou na cama, as lágrimas correndo em seu rosto. Sentia o coração acelerado pelo susto, a boca seca, e o corpo tremendo. Levou alguns minutos para erguer as mãos e secar as lágrimas, e só assim notando que o mais novo não estava ao seu lado.

Se levantou, percebendo que a casa estava silenciosa, ouvia o trânsito leve e distante, o barulho de chuva se iniciando, a sua própria respiração ainda alterada pelo pesadelo. Provavelmente o outro havia ido ajudar a Kawamoto-san.

Sentiu uma leve pontada próxima ao olho e lembrou-se do corte que fez na noite anterior.

— Hiroshi, filho da puta… - resmungou, saindo do quarto, seguindo até a sala, comprovando, mais uma vez, que Miyavi não estava em casa.

Respirou fundo, seguindo ao banheiro, encarando sua imagem no espelho, notando melhor o ferimento acima do olho, que estava deixando a região levemente inchada e começando a formar um hematoma de cor arroxeada.

— Um soco só. Que merda… - reclamou mais uma vez. - Espero que a cara dele também esteja roxa, pelo menos.

Seguiu para o banho, tomando uma ducha rápida, e logo ouvindo seu telefone tocar.

Se enrolou rapidamente na toalha, correndo até o quarto, atendendo o celular antes que a ligação caísse.

— Pronto.

— Ah.. Bom dia, sou eu, Kawamoto. Eh, Ishihara-kun está bem? Me preocupei de não encontrar ele aqui, ele não parecia bem ontem…

— Ele... não foi trabalhar? Mas, ele não está em casa?! - preocupou-se. - Vou procurar ele, obrigado por avisar, Kawamoto-san.

— Céus… Espero que o encontre logo, me avise assim que encontrá-lo. Se precisar de algo, pode me ligar.

— Obrigado mais uma vez. - Toshiya desligou sem esperar respostas da mulher.

Se vestiu rapidamente, ouvindo o som da chuva, que ficava cada vez mais forte.

Agora estava com uma sensação estranha de vazio, como se toda sua felicidade, adquirida com a convivência com Miyavi, saísse de si.

Respirou fundo tentando não perder o controle.

Miyavi poderia estar no caminho para o trabalho ou ter passado mal e parado sob alguma marquise dos prédios próximos. Se agasalhou, e lembrou-se de pegar um agasalho para o outro, colocou em uma mochila, já a colocando nas costas.

Saiu o mais rápido que podia, sentindo a chuva forte sobre si, colocou o capuz do casaco, mesmo que isso não adiantasse quase nada e acelerou os passos, tentando não se encharcar tão rápido.

Seguiu pelo caminho que o outro costumava passar, olhando por todos os pontos, procurando pela imagem esguia de Miyavi, a esperança estava se esvaindo dando lugar para o pânico crescente.

Parou sob uma marquise, ao chegar próximo a mercearia. Aquele aperto no peito crescia, tinha que se controlar, não podia perder o foco. Olhou para o céu, coberto por nuvens escuras e a chuva pesada parecendo piorar. Não conseguia sentir conforto no céu entristecido.

— Esse tempo está maluco. - murmurou para si mesmo.

Correu até o estabelecimento, sendo recebido com o olhar preocupado de Kawamoto-san, que espiava a rua vazia.

— Não o encontrou no caminho? - ela se aproximou dele, se mantendo ainda protegida da chuva; - O que houve com seu rosto?

— Não… Kawamoto-san, não se preocupe, foi um desentendimento com meu irmão… ele… Miyavi… comentou algo sobre a família dele?

— Não muito, meu jovem. Disse só que tinha um problema a resolver. Mas depois não comentou mais sobre… - se aproximou mais, tocando o rosto molhado de Toshiya, que encolheu os ombros, demonstrando sua preocupação e medo de que tivesse acontecido algo grave.

— Kawamoto-san, estou com medo dele ter ido embora. - confessou. - que foi forçado a ir...

— Não pense que ele foi sem lhe dizer nada, ele pode estar em outro lugar, precisou fazer algo urgente e não conseguiu o avisar… Já o procurou em outro lugar além daqui?

Instantâneamente, Toshiya se lembrou da clareira, não era plausível ele ir para lá no meio da chuva, apesar de já terem feito isto. Mas ainda sim, não achava que ele iria sozinho no meio da manhã, sem motivo algum.

— Kawamoto-san… eu vou procurar em outro lugar, se ele aparecer por aqui, não o deixe sair, eu volto o mais rápido possível. - falou exasperado, vendo a mulher assentir, se afastando dele.

Sem se despedir, saiu em disparada, ignorando a chuva que só piorava.

Os trovões ressoavam no céu, mas ele não se importava, só queria encontrar o mais novo. Ele precisava de Miyavi ao seu lado.

Depois de um longo tempo correndo, avistou a trilha enlameada. Seria difícil [e perigoso] passar por ali, sem cair.

Respirou fundo, estava tremendo até os ossos por causa da chuva fria, o casaco estava tão encharcado e pesado, que começava a atrapalhar sua movimentação. Mesmo com dificuldade escalou trilha acima, pedindo que não escorregasse e se ferisse nas pedras.

— Eu espero que esteja aqui, e bem... - murmurou para si mesmo. Os raios (e consequentemente os trovões) ainda cortavam o céu, e ele começava a pensar se tinha sido prudente seguir para a clareira naquele momento.

Depois de quase uma eternidade subindo, avistou o fim da trilha. Pausou por alguns segundos, estava quase engatinhando morro acima, cansado pelo esforço anormal, e tremendo mais do que quando chegou ali. Deu um novo impulso, e alcançou o topo.

Correu pelo pequeno trecho que separava do ponto em que observava o céu, acelerando ainda mais os passos ao avistar a figura no chão, não conseguia definir se era Miyavi, mas quem quer que fosse, não parecia estar bem.

Alcançou vendo que realmente era o mais novo. Pálido, completamente encharcado e sujo de lama, com os lábios quase roxos.

Como em seu pesadelo.

O maldito pesadelo era um sinal claro do que estava acontecendo.

Desesperado sem pensar muito, se ajoelhou, puxando o corpo imovel contra si, tentando acordá-lo de alguma forma.

— Myv…. Myv… por favor, está me assustando. - o lamúrio desesperado escapou por seus lábios, sacudindo o outro, tentando ouvir o seus batimentos. Mesmo que a chuva e trovões atrapalhasse. - Por favor… por favor… - o deitou no chão enlameado novamente.

Um raio cortou o céu, clareando tudo ao redor, e apavorando ainda mais Toshiya. Estavam ali no alto de um descampado, desprotegidos e com o outro desacordado.

Notou um mínimo movimento do outro, o que de certa forma aliviou sua aflição, mas ainda estavam em perigo, e não cogitaria a se esconder sob uma árvore, isso seria ainda mais perigoso.

Pegou a mochila, pegando o casaco, e o abrindo sobre a cabeça, tentando proteger o rosto do outro da chuva intensa

— Myv… está me ouvindo? - disse em tom alto, ouvindo mais um trovão, parecia tão próximo deles. Nem bem passou o barulho, logo uma nova claridade no céu, o raio bem próximo,ele podia dizer que sentiu a eletricidade no chão . Levantou novamente o corpo do outro o abraçando e cobrindo-se com o casaco, tentando proteger melhor Miyavi.

Estava cada vez mais apavorado, respirando descompassadamente, não conseguiria carregar o outro e descer a trilha. Não conseguia pensar em nenhuma solução.

Ouviu outro raio, o som do trovão logo em seguida a estática no chão. Abraçou o outro com todas as suas forças, até sentir o outro apertar seu pulso.

— Miyavi… - choramingou. - Pensei que tinha perdido você…

— Desculpa… - o mais novo murmurou, ainda com a voz baixa, quase ocultada pelo trovão que mais uma vez ressoou.

— O que… o que aconteceu? Por que veio aqui? - atropelou as palavras, não conseguia se controlar mais e começou a tremer.

Ele não o respondeu, apenas tentou se ajeitar nos braços do mais velho. Ficaram mais alguns minutos em silêncio. Toshiya ainda estava apavorado com a situação, enquanto o outro começava a tremer de frio, como se voltasse a sentir o próprio corpo.

A chuva, estranhamente, começou a diminuir bem rápido. Os trovões já soavam longe.

— Myv… precisamos ir ao hospital, ver se você está bem… tá? - a voz do mais velho soou mais autoritária do que ele queria.

O mais novo apertou novamente seu pulso.

—Eu… vou ficar bem… Totchi. - murmurou.

— Só quero ter certeza que nada disso vai acontecer de novo… desde aquele dia, que você não conseguia despertar… estou preocupado com a sua saúde.

— Totchi… - repetiu, ainda baixo, como se a fala fosse um esforço grande para o momento.

— Sem protestos… eu… quero cuidar de você, e isso é o mínimo que posso fazer…

— Totchi me escuta… - se afastou minimamente, esperando conseguir ver o rosto do outro.

— Vai me contar porque veio aqui? - murmurou, tirando o casaco de cima de ambos, deixando a fraca claridade do dia nublado mostrar as feições assustadas dos dois.

— Precisava voltar… pra casa - disse, vendo a feição de Toshiya ficar cheia de dúvidas.

— O caminho é por aqui? Porque não me avisou, eu poderia ir com você.

— Não Totchi, não poderia… - respondeu apontando para cima.

Toshiya olhou para o céu, agora com a chuva fraca, e alguns pontos onde já poderia ver o azul claro.

— Que? Miyavi, você está bem? - tocou o rosto do mais novo, procurando algum ferimento, apenas sentindo frio, por ainda estar molhado.

— Estou. - se ajeitou em seus braços. - Estou… - respirou fundo, ainda trêmulo. Não sabia como explicar, não queria que o outro achasse que estava mentindo ou delirando.

Observou novamente o rosto do mais velho, os fios do cabelo grudando no rosto, as bochechas vermelhas, claramente pelo choro que se misturava com as gotas que escorriam do seu cabelo.

Toshiya parecia uma criança assustada, e o mais novo sabia que isso era sua culpa. Já havia visto aquela expressão.

— Eu sempre soube de você. Sempre quis alcançá-lo. E na primeira oportunidade tentei me aproximar. Eu tinha um tempo. Um tempo pra fazer isso e depois eu precisaria voltar. Mas eu não queria, eu… não achava que ia ser tão forte. Que eu precisaria estar com você em cada segundo… que eu não suportaria a distância de novo.

—Co-mo assim… sempre soube? - Toshiya não sabia o que ele queria dizer com aquilo, soava vago, mas ao mesmo tempo, era uma sutil declaração.

— Você sempre amou… Na verdade eu sou apenas um fragmento do que você tanto ama. Eu… só queria retribuir isso…

Toshiya arregalou os olhos por alguns segundos. Tudo ainda soava confuso, mas na sua mente a sua própria voz ainda na infância gritava: "Eu te amo céu"

— Eu lembro, você sob aquela árvore… dizendo que amava o céu. Que queria poder abraçar o céu e todo dia, você ia até lá segurando algo que havia feito ou ganhado, mostrando pro céu. Todos os seus tesouros.

A voz de Miyavi soa a embargada, e Toshiya apenas o apertou nos braços.

Nunca havia contado aquilo para ele. Não havia como ele saber dessa sua lembrança tão remota. Às vezes, até ele mesmo, esquecia desses aspectos da sua infância.

Estava assustado e surpreso, e não conseguia vocalizar nada.

"Miyavi… céu?" A voz infantil em sua cabeça continuava relembrando momentos.

— Naquele dia… Você chorando, pelo que tinha sofrido… escondido no meio do nada, tentando se ocultar o máximo possível para que ele não o encontrasse e voltasse a lhe fazer mal… Eu queria tanto poder te abraçar…. Mas não podia, não sabia como fazer… desculpa ter levado tanto tempo. - o mais novo continuou, e a cada palavra, a expressão de Toshiya se enchia ainda mais de dúvidas, estava começando a achar que estava tendo outro sonho, que havia voltado a dormir.

— Miyavi… como… como sabe disso? - perguntou depois de alguns segundos em silêncio.

— Você sabe… - apontou novamente para o céu, agora só com uma fina garoa.

Toshiya olhou novamente para o céu.

"Quero poder te abraçar, céu"

A imagem do seu eu criança, de braços abertos, girando no quintal enquanto olhava para o céu azul, veio em sua mente. As vezes que jurou que o céu chorava junto consigo.

Ás vezes que quase desistiu, mas o céu o consolou exibindo algum belo fenômeno.

Miyavi era o seu céu.

Por mais absurdo que soasse.

Ele era a encarnação do que sempre amou.

Começou a tremer, pelo choro que começava e pelo frio. Miyavi o abraçou sem jeito, sentindo o puxar mais contra si.

— Porque precisou voltar aqui? Porque precisava ir embora? - sussurrou depois de alguns minutos chorando.

— Eu… acabei vindo sem pensar, não aguentava mais cogitar ficar longe… mas esse corpo estava enfraquecendo, eu não conseguia me manter aqui, tentei relutar… mas estava me chamando - apontou para o céu mais uma vez.

Toshiya assentiu, ainda tentando assimilar toda a informação.

— Esse…esse corpo… o que iria acontecer se você…. Não voltasse? - murmurou. - Você não precisa voltar mais?

— Iria desaparecer. - respondeu. - Acho que agora não preciso voltar mais. - Miyavi encarou as próprias mãos. - Eu voltei… porque você me chamou… Por que você me queria ao seu lado.

...