“E em seus braços, tudo ao redor, se torna diferente…”

Despertou, sentindo a cabeça doer.

Nem se lembrava como havia chegado em casa, mas aparentemente estava ali. Depois de alguns segundos, respirou fundo e se sentou na cama, e encarou o relógio na mesinha de cabeceira.

— Como assim… são três da tarde??? - resmungou.

Voltou a ficar quieto, notando que a casa estava em silêncio, e provavelmente Miyavi deveria estar dormindo também.

Se levantou a contra-gosto, e seguiu para fora do quarto, notando a porta do quarto do outro aberta. Seguiu até lá, vendo que estava vazio.

Preocupou-se, e seguiu para a sala, vendo que também estava vazia, e a cozinha, visivelmente também estava vazia.

— Onde ele foi? - resmungou, seguindo para o sofá, voltando a deitar. Estava preocupado, mas sua cabeça estava doendo demais para ir atrás dele.

Ficou quieto, tentando pensar onde o outro poderia ter ido, já estava quase adormecendo novamente quando ouviu a porta ser aberta.

Encarou a porta, vendo o outro, animado e trazendo consigo alguns papéis nas mãos.

— Boa tarde! - Miyavi disse em tom moderado, ao notar a feição cansada do outro. - Tinha correspondência na porta.

— Ah… deixa aí na mesinha mesmo… - disse. - Foi passear por aí ou só foi pegar as cartas?

— Eu… resolvi dar uma volta pelo bairro. Estava procurando algo para fazer… - seguiu até o sofá, sentando-se perto do mais velho.

— Está bem? Como chegamos em casa? - perguntou, fazendo Miyavi rir.

— Estou bem sim. Chegamos por volta das três e meia da manhã.

— Hum… não te incomodei nesse período, né? - soou preocupado.

— Não. Não se preocupe. - riu. - E você está bem?

— Com dor de cabeça, mas uma aspirina resolve. - sorriu brevemente.

Miyavi se levantou indo até o banheiro, onde sabia que estavam os remédios, rapidamente trazendo a aspirina para o mais velho.

— Obrigado por ser tão prestativo. - sorriu.

— Vou buscar um pouco de água - Miyavi seguiu para a cozinha. - Não comentei ontem, mas seu amigo é bem legal, gostei do passeio. - continuou falando, seguindo o caminho, e não demorando a voltar, entregando para o mais velho.

Toshiya tomou o remédio, e depois de uns segundos voltou a encarar o mais novo, o notando arrumado demais para uma volta casual no bairro, mas resolveu não comentar sobre.

— Kyo é uma pessoa legal, fico feliz que tenha gostado de passar um tempo com ele, e gostado do passeio. Embora eu tenha perdido a noção, bebi demais.

— Você só ficou mais agitado, nada ruim. - riu.

— Hum… vou acreditar em você… -

— Descanse mais para sua dor de cabeça passar. Eu vou deixar uma garrafa d'água para você se hidratar, e vou preparar alguma coisa pra gente comer. - Miyavi se afastou, seguindo para a cozinha.

Toshiya não respondeu, permaneceu quieto ali, fechando novamente os olhos, para descansar novamente.

Acabou adormecendo, sendo acordado um tempo depois, pelo outro que levemente tocou em seu ombro.

— Toshiya… hum, não acho bom ficar o dia inteiro sem se alimentar… - falou em tom baixo, vendo o outro o olhar ainda sonolento, e se sentar no sofá

— Obrigado por se preocupar… - sorriu, vendo o mais novo assentir. - Eu poderia passar facilmente o dia inteiro sem me lembrar de me alimentar.

— Pois agora eu vou te lembrar disso sempre que puder. - riu, estendendo a mão para ajudá-lo a se levantar.

seguiram para a cozinha, e Toshiya sorriu levemente, ao ver que o outro preparou muita coisa para um simples. Toshiya olhou para a janela, notando o início da noite.

—Dormi demais… já estamos quase na hora de jantar…

— Você precisava descansar. Não quis acordar você. - Miyavi se sentou à mesa, sendo imitado pelo mais velho.

— Não sei como agradecer você, Myv. - sorriu servindo-se.

— Não precisa, já disse… e vamos comer, estou com fome. - riu

[...]

Já era tarde da noite, Toshiya estava concentrado no filme que escolhera mais cedo com Miyavi, que não notou o mais novo dormindo tranquilamente ao seu lado. Virou-se para comentar sobre, só assim o vendo.

—ah… compreensível já que só eu descansei - sussurrou para si mesmo. Se levantou indo até o quarto e pegando um cobertor para cobrir o outro.

Voltou à sala e colocou o cobertor sobre o outro, voltando a se sentar ao seu lado. O observou por longos minutos, sob a iluminação da tv. Observou seus traços joviais, adornados pelo cabelo escuro. Sua imagem transmitia, de certa maneira, paz. Toshiya sentia isso, e talvez estivesse criando sentimentos demais para alguém que conhecia a tão pouco tempo, mas isso deixava seu coração tranquilo, a paz que encontrava somente olhando para o céu. Sorriu com o pensamento, se ajeitando para terminar de assistir o filme.

Ainda sem sono, escolheu outro filme, mas acabou desviando a atenção para o celular. Checando suas mensagens e e-mails.

— Kyo… - riu ao ver a notificação, já abrindo a mensagem.

"E como terminou o passeio ontem com seu amigo? É ainda amigo ou você finalmente mandou a real pra ele?"

—Ah não… o que esse cara tá falando?... - riu sem graça e mudou de mensagem, e fechou a feição. A raiva subiu imediatamente. Desligou o celular e a televisão, iria tomar um banho pra não surtar de raiva, não queria despertar o outro com isso.

[...]

Miyavi despertou nas primeiras horas da manhã, notando ter adormecido no sofá. Espreguiçou-se, e se sentou, arrumando o cabelo. Se levantou indo até a cozinha, para ver as horas.

— Combinei aparecer às nove, tenho quinze minutos - passou pelo corredor, notando o quarto do mais velho aberto, notando que ele não estava lá. Provavelmente já havia saído para o estúdio.

Tomou um banho em tempo recorde, e sem pensar muito resolveu pegar emprestado alguma peça de roupa do mais velho, se pensasse muito ficaria envergonhado e não sairia de casa. Escolheu uma camiseta de manga longa, para ocultar as tatuagens do braço, não queria causar uma má impressão, já que não eram bem vistas.

Já arrumado, pegou tudo o que precisava e a chave extra saindo de casa apressado.

Não havia contado para Toshiya, mas tinha conseguido um emprego em uma pequena mercearia próxima dali. Queria ajudar e não ser só um gasto na vida do outro, e essa era a melhor forma que encontrou para resolver essa questão.

Chegou pontualmente no local, vendo a senhora já em frente a loja para abri-la.

— Bom dia, Kawamoto-san. - acenou se aproximando.

— Olá, bom dia garoto, você veio mesmo. Achei que seria como os adolescentes que vem aqui e pedem emprego, sumindo em seguida - a mulher sorriu.- Pode me ajudar com a porta, estou tentando há alguns minutos.

Miyavi se aproximou a ajudando finalmente a abrir a porta da loja.

— Muito obrigada… como é seu nome mesmo, garoto?

— Ishihara Takamasa. - respondeu.

— Muito obrigada, Ishihara-kun - a mulher sorriu mais uma vez, agora entrando na loja. - Como disse, preciso de ajuda com as prateleiras e algumas vezes com a limpeza. Nada muito pesado.

O rapaz assentiu, a vendo lhe entregar um colete com as cores da fachada da loja. E logo iniciou seu trabalho, começando a organizar os produtos nas pequenas prateleiras e depois limpar os corredores calmamente.

Assim levando a manhã e tarde toda, sem nem perceber. A loja tinha pouco movimento e isso rendia minutos de histórias contadas pela mulher, que parecia mais animada em ter companhia do que propriamente um funcionário.

— Ishihara-kun, mora aqui a pouco tempo? Não lembro de vê-lo por aqui antes.

— Ah, sim, fazem poucas semanas que moro aqui. Estou no apartamento de um amigo. - deixou a vassoura no canto, e sentou-se ao lado do balcão. - Vim em busca de um recomeço.

— Espero que goste da vizinhança. - sorriu a mulher.

— É bem amistosa… ainda não conheço todos os pontos do bairro, mas gostei do que conheci - Miyavi sorriu.

— Você realmente animou meu dia garoto, espero que você volte amanhã. - a mulher pareceu animada.

— Com certeza, Kawamoto-san… - assentiu.

— Bom, já irei fechar a loja, minha filha está vindo me buscar… Aqui está o seu pagamento do dia.. - a mulher pegou uma quantia de dinheiro entregando para o rapaz, que instantâneamente guardou no bolso do seu jeans. Ajudou a mulher a fechar o caixa, organizar o balcão e fechar a loja, e esperou com ela até que o carro que esperava chegasse.

— Até amanhã Ishihara-kun. - acenou entrando no carro.

— Até amanhã, Kawamoto-san! - acenou, esperando o carro virar a esquina para retornar ao apartamento.

Chegou em casa, notando que Toshiya ainda não havia retornado. Deixou as chaves no suporte, e seguiu para o quarto, colocando o dinheiro que recebera na gaveta de sua cômoda.

Estava feliz. Seguiu para fazer as tarefas diárias da casa, terminando isso antes que escurecesse totalmente. Notou, pela janela, que o tempo começava a mudar, provavelmente mais tarde choveria. A brisa parecia trazer uma aura melancólica e solitária para o apartamento silencioso.

Miyavi parou por uns segundos, preocupado.

— Espero que ele chegue antes da chuva. - murmurou para si mesmo, ajeitando o cabelo com as pontas dos dedos.Seguiu para o banheiro, tomando um banho demorado. Estava cansado, mas de certo modo, feliz.

Assim que terminou de se vestir, ouviu a chuva começar, e sua preocupação aumentou. Voltou à janela para observar a rua, esperando vê-lo correndo por ali evitando se molhar.

Ficou longos minutos parado, com seus próprios pensamentos. Queria que a chuva parasse para que o outro chegasse seguro. A chuva aumentou ainda mais e de certa forma, sentia que isso era um mau sinal. Mas simplesmente não podia sair por aí procurando por Toshiya sem direção, e não tinha nem como se comunicar com alguém. Sentou-se na cama, ainda encarando a janela.

Acabou adormecendo, mesmo contra a vontade. Despertou ouvindo o som da porta sendo aberta de forma bruta em meio ao silêncio da casa. E mergulhado na escuridão, levantou para se certificar se era mesmo o mais velho e se ele estava bem. Ficou mais tranquilo ao reconhecer os passos pesados de Toshiya, com certeza, havia ficado trabalhando até esse horário.

Permaneceu quieto, mas não ouviu os passos seguirem para o corredor. Provavelmente ele ainda estava no sofá.

Depois de longos minutos em silêncio, o som de algo batendo na parede com força assustou Miyavi, que se encostou mais a porta, tentando ouvir mais da movimentação do outro, mas apenas percebeu um murmúrio baixo.

Abriu a porta com cuidado, evitando fazer muito barulho, iluminando o corredor escuro parcialmente com a luz do seu quarto. Pensou se deveria mesmo ir ver onde o outro estava, mas não queria ser tão invasivo.

Respirou fundo, e finalmente seguiu para fora do quarto, parando ao fim do corredor, observando a sala escura, e a claridade do celular do outro sendo o único ponto de luz ali, jogado no chão.

— Toshiya?... – disse em tom baixo, não obtendo respostas. Seguiu até próximo ao sofá, vendo o outro sentado no chão, encostado na parede, encolhido.

Ainda incerto, se aproximou mais, vendo o outro erguer o rosto ao notá-lo.

— Desculpa... Te assustei... – Toshiya disse em tom baixo, um tanto arrastado, deixando claro que havia bebido muito – Pode ficar aqui comigo? Não quero ficar sozinho...

Ainda em silêncio, Miyavi se sentou ao lado do outro, sentido ele apoiar o rosto em seu ombro. Depois de uns segundos, pode ouvir os soluços contidos de um choro.

O mais velho estava encharcado pela chuva, e podia sentir ele tremendo de frio, e provavelmente pelo choro.

Sua preocupação aumentou, mas manteve o silêncio. Deixaria Toshiya chorar suas mágoas, sem questionamentos, sabia que este não era o momento para enchê-lo de perguntas.

Ouviu a chuva começar a bater contra a janela. Seria uma noite melancólica.

Depois de alguns minutos, Toshiya se afastou, e notavelmente, mesmo no escuro, podia ver sua movimentação limpando o próprio rosto.

— Desculpa, te devo explicações por isso... - manteve o tom baixo. - Mas não tô conseguindo pensar direito.

— Não precisa me explicar nada, não se preocupe. Acho melhor você tomar um banho quente, e descansar em seu quarto... - disse de modo doce, fazendo com que o outro assentisse.

Toshiya se levantou, e lhe estendeu a mão para ajudá-lo a levantar. Miyavi levou alguns segundos para aceitar a ajuda.

Ficaram um tempo parados, de mãos dadas, a chuva ainda parecia forte lá fora.

Miyavi olhou para a imagem do outro a sua frente, mesmo que a iluminação não deixasse vê-lo completamente, podia notar o quão cansado Toshiya parecia.

Não era um cansaço por trabalhar tanto, mas cansado de sentir o que quer que fosse. Não pensou muito mais, soltou sua mão, e o abraçou mesmo que ele estivesse molhado pela chuva, o surpreendendo.

Por alguns segundos, temeu que o mais velho o afastasse, mas logo sentiu as mãos em seus ombros, apertando o abraço.

Mais uma vez, mantiveram o silêncio, que só se dispersava com os murmúrios quase inaudíveis de Toshiya.

[...]

Não dormira. Permaneceu sentado na beira da cama, observando o outro. Toshiya pediu que ficasse ali, fazendo companhia.

Talvez devesse realmente perguntar o que havia ocorrido, mas também não queria forçar o outro a continuar remoendo o que quer que fosse.

O dia amanhecia ainda chuvoso, e silenciosamente, Miyavi se levantou e seguiu calmamente para fora do quarto.

Preparou o café da manhã, já estava se acostumando com a rotina recém-adquirida. Não demorou para terminar, e seguiu novamente para o quarto. Toshiya ainda estava dormindo, mas parecia ter algum tipo de pesadelo. Tocou seu ombro, e o fez despertar.

— Desculpe, mas você estava tendo um sono agitado, fiquei preocupado. – disse, vendo o mais velho o encarar por alguns segundos, ainda atordoado pelo acordar recente.

— Não... Não precisa se desculpar, eu só... Estava tendo um pesadelo. - sussurrou. - Minha cabeça dói...

— Quer algum remédio? - disse, se sentando ao lado do outro.

— Não, por enquanto... Preciso lidar com minha própria culpa por beber demais... - Toshiya se sentou passando as mãos pelo rosto. - Ainda bem que hoje não vou precisar ir para o estúdio... Não teria como me concentrar...

— Quer companhia? - Miyavi sussurrou;

— Não quero incomodar você de novo. E você precisa descansar… - continuou

— Não precisa se preocupar. Só vou avisar a Kawamoto-san e já volto. - se levantou. - Já preparei o café da manhã, se quiser... - sorriu;

— Quem?

— Ah… eu comecei a trabalhar numa lojinha, estava ajudando lá o dia todo. - disse, parecendo envergonhado por não ter contado antes sobre.

Toshiya levou alguns segundos, mas assentiu.

— Não quero atrapalhar você, começou agora, não deveria faltar… - Toshiya manteve o tom baixo.

— Não atrapalha… Já volto! - Miyavi sorriu mais abertamente, se afastando do outro.

— Obrigado por ser assim, tão atencioso. – Toshiya o observou por alguns segundos, e sorriu levemente.

O mais novo sorriu, saindo do quarto. Sendo observado calmamente pelo outro, que parecia ainda muito incomodado com o sonho, se ajeitou na cama, respirou fundo.

Não lembrava muito bem da noite anterior, não lembrava como chegou em casa, e nem ao menos se lembrava do que aconteceu depois de ter ajuda de Miyavi;

Não sabia se tinha contado sobre o que tinha acontecido para estar naquela situação, ou se permaneceu em silêncio;

Após alguns minutos, longos demais para Toshiya, Miyavi voltou para o quarto, trazendo consigo alguns salgadinhos e doces

— Kawamoto-san nos deu isso aqui. – mostrou os doces. – Disse que é bom para animar um pouco.

Toshiya assentiu.

— Sobre ontem... Desculpa... Eu...

— Você não precisa se desculpar... Não fez nada errado. – Miyavi respondeu rapidamente. – Só parecia triste... Eu não perguntei nada, mas… fiquei preocupado.

— Te devo explicações...

— Não... Não se preocupe se não sentir-se confortável, não precisa contar.

— É a minha ‘família’... - murmurou -Eles sempre encontram um jeito de me atormentar. Eu achei que me afastando e me isolando, iria me trazer paz... Mas cada vez eles me encontram, e o inferno de cobranças e acusações recomeçam; - os olhos do mais velho se encheram de lágrimas, mas ele os esfregou evitando que elas corressem pelo seu rosto - Eu nunca fui o suficiente para eles... Não importava o que eu fizesse. - respirou fundo, mas sua voz embargou ainda mais. - Ai com esse ciclo, tudo de ruim que já vivi volta e volta... Aquele dia... – parou, remoer aquela lembrança era tão ruim, doía tanto em si ter aquela memória. Respirou fundo novamente, como se tentasse afastar a imagem que se formava em sua mente - E sinto que nunca vou superar, nunca vou ir pra frente sem relembrar esse tormento todos os dias. Eu só quero esquecer tudo. Passar todos os dias entorpecido.

Miyavi o interrompeu, segurando sua mão.

— Não... Não precisa passar os dias entorpecido... Não precisa se isolar. – disse o olhando nos olhos. – Eu estou com você... – o abraçou, sentindo o se encolher imediatamente no abraço. – Eu posso não ter as melhores frases para consolar, mas posso ficar ao seu lado.

Ficaram em silêncio, e podiam ouvir a chuva recomeçar.

O dia seria longo…