"Tom, eu não sei o que fazer"

"Continua sedando!"

"O que eles vão falar? Eu, tipo, atirei na perna dele"

"Só… arg, cala a boca!"

Eu tento falar alguma coisa, mas minha língua parecia enrolada, e eu não enxergava nada mais do que um clarão. Em uma tentativa inútil de me mexer, eu realizo que não sinto meus braços e pernas.

"Leva ele pro hospital!"

"E falar o quê? Que nós atiramos em um paciente? Isso é totalmente contra o protocolo!"

"Mas ele tá morrendo, porra! Olha o tanto de sangue! Merda-, a pressão tá caindo! O que eu faço?"

"Eu não sei!" o homem grita do banco da frente.

Silêncio.

"Eu também não" o outro homem sussurra.

***

Um latido familiar me desperta, e eu me sinto aparado por uma superfície macia. Eu tento respirar calmamente, mas tudo o que eu consigo é tossir por alguns instantes. Só então eu me lembro de abrir os olhos. Eu não sabia o que esperar ao abri-los. Talvez outro hospital, talvez a St. Andrews, talvez eu estivesse finalmente no inferno, no meio do local flamejante e desesperador. Eu poderia estar em qualquer lugar.

Somente depois de ponderar todas as opções, eu abro os olhos, e o que eu enxergo é mais surpreendente do que qualquer coisa que eu pudesse ter cogitado.

Eu estava em casa.

Eu me sento rapidamente na cama, colocando as mãos na minha perna, procurando uma ferida, curativos, até mesmo uma amputação, que seja. Ela estava intacta, no entanto. Nenhum sinal de bala ou de acidente de carro ou um simples arranhão. Eu sinto os calos nos meus dedos, calos de guitarra.
Eu corro até o banheiro, tropeçando mais de uma vez. Ao encontrar o espelho, eu acendo a luz e me deparo com outra surpresa, tendo que me apoiar na parede, as pernas bambas.
Eu passo os dedos pela a minha face. O mesmo corte de tigela, um pouco desarrumado; o mesmo rosto, apenas com suor escorrendo em alguns pontos. Eu preciso piscar algumas vezes antes de recuperar a força nas pernas e passar um pouco de água no rosto. Aquilo ainda era impressionante e desesperador, de certo modo. Era o meu rosto.

Na cozinha, a Hobo estava me esperando, o rabo inquieto, os olhos brilhantes. Eu a acaricio rapidamente, a saudade tomando lugar dentro de mim.


Antes que eu me dê conta, eu pego o meu celular e checo o horário e a data.
Era dia 28 de junho de 2008, 5h30min.


Eu me sento na poltrona, procurando o ar que não existia nos meus pulmões. Eu me belisco e sinto a dor. Não era um sonho. Eu toco no meu rosto novamente, e eu era sólido.


Eu corro e ligo a televisão, o canal de notícias conferindo a data. A mulher avisa o clima chuvoso para o dia com um sorriso no rosto, uma roupa amarela e uma clara insatisfação nos olhos.


Eu levanto e coloco a primeira combinação de roupas que eu encontro, me preocupando em olhar para a janela e observar a chuva. Meu coração, surpreendentemente, consegue acelerar mais ainda quando eu coloco minha mão na maçaneta. Se tudo isso era o que eu estava imaginando, eu tinha uma coisa a fazer.

***

Eu permaneço hesitante do lado de fora da casa, no meio da chuva gelada. Eu estava tentando me convencer de fazer isso, de que eu precisava ser corajoso. Toda vez que eu tentava encostar na porta, eu sentia arrepios. Em uma súbita onda de realização, eu toco a campainha, mas logo depois me arrependo. Agora eu não poderia ir embora.
Eu espero, prendendo a respiração, e não escuto nenhum barulho vindo da casa.

Quando eu penso em desistir, eu ouço passos. Eu consigo escutar meu coração implorando por misericórdia, logo quando ele parecia estar para sair da minha boca.

Ele abre a porta, e é exatamente como eu me lembrava. Ele estava apenas com uma calça de pijama, esfregando um dos olhos com os dedos. Ele boceja e coça um pouco a parte de trás da sua cabeça.

"Ryan? São seis da ma-"

Eu entro na casa rapidamente e o abraço, meus braços gelados esmagando o seu corpo quente. Eu sentia o seu cheiro, eu sentia, e eu não pude deixar de sorrir enquanto afundava meu rosto no seu ombro. "Meu deus. É você"

"Sim" ele diz, e só então retribui o abraço timidamente. "E você está molhado"

Eu aperto mais meus braços ao seu redor, e eu achava impossível de soltá-lo. Eu retiro minha cabeça, relutantemente, para olhar em seus olhos castanhos e sonolentos. "Eu-" eu começo, sem saber muito bem como continuar, analisando o seu rosto. "Eu senti a sua falta". Eu sorrio, e eu estava muito perto.

Ele sorri também, em deboche. "Claro, ok, Ryan" ele diz e tenta se soltar, mas eu não deixo.

"Eu pensei que eu tinha te perdido, eu-. Eu não sei-, meu deus"

Ele me analisa, o olhar desconfiado. "Você cheirou de novo, não foi?"

"Não!”

Ele me fita mais um pouco. "Ryan, só faz duas semanas desde que nós nos falamos"

"Um ano"

"O quê? Ryan eu-"

Quando eu me dou conta, eu já estou pressionando meus lábios nos dele, e minhas mãos sobem para segurar o seu rosto. O seus lábios eram macios ao toque dos meus, e eu conseguia sentir o seu coração batendo disparadamente. Ele reluta, interrompendo o beijo para me encarar. Nada sai da sua boca, mas ele me empurra, seu cenho franzido. “Não”

“Não?” eu digo, seu calor já me fazendo falta.

“Eu não quero mais ser o seu objeto, eu cansei”. Ele cruza os braços e encara o chão.

Eu tinha me esquecido dessa parte. Não ia ser tão fácil como eu queria. “Eu não quero mais um objeto, eu quero você. Eu sinto muito pelo o que aconteceu, Bren, e eu sei que eu fui um idiota... Mas agora eu vejo”

“Vê? E como eu posso acreditar em você?” ele eleva o tom de voz, e em algum lugar dentro de mim, eu sentia tudo se quebrar.

Meus olhos já lacrimejavam, uma mistura de emoções dentro de mim. “Eu não quero me distanciar de você. Eu não quero-, droga”. Eu passo as mãos pelas as minhas bochechas, limpando as lágrimas.

Ele me fita, analisando o que parecia ser um idiota chorando na sua frente. “Ei” ele fecha, finalmente, a porta atrás de mim.

Eu olho pra ele, a visão borrada. “Eu sinto muito. Eu não quero mais brigar. Eu não quero mais que tudo seja tão complicado. Eu quero você” eu pauso, olhando nos seus olhos. “Eu te amo, Brendon”

Seus olhos se abrem, a surpresa clara como água. Ele abre a boca novamente, e nada sai. Ele permanece imóvel olhando para mim. “Você... o quê?"

“Você escutou. Eu fui um idiota em não ter admitido isso antes. Eu vivi tanta coisa nesses últimos tempos, eu acho que foi um sonho, sei lá, eu vi como tudo poderia se tornar e eu nunca mais quero que você se sinta desse jeito como-“

Subitamente ele se aproxima e me puxa para mais perto, e então eu sinto nossas línguas se tocando, o calor do seu corpo junto ao meu. Ele passa as mãos pelo o meu pescoço, e eu sinto minhas mãos segurando a sua cintura. Era tão automático, mas era tão mágico. Eu podia sentir meus pés tremendo, já pensando que eu poderia desmaiar bem ali. Seu hálito quente parecia me acariciar, e eu não posso não sorrir.

Ele me puxa, me dirigindo até o sofá da sua sala. Ele me deita, sem interromper por um segundo o nosso contato. Ele coloca as mãos no meu rosto, ainda molhado da chuva, mas eu percebo que isso não importa.

Eu não consigo inibir o sorriso estampado no meu rosto, minha felicidade quase insípida. Eu o tinha para mim, depois de tanto tempo sem ao menos falar com ele, sem ao menos ter a esperança de vê-lo novamente. Eu o puxo para mais perto ao lembrar de toda a tristeza, de toda a inquietação e todos os problemas. Eu nunca imaginei poder ser tão feliz quanto eu estou agora.

Como eu sentia falta disso.

Ele interrompe o beijo e se senta em cima das suas pernas, no meio das minhas. "Você vai ficar resfriado" ele levanta, e eu estico a minha mão, soltando um grunhido de reprovação. "Eu já venho! Não é como se eu vá morrer no meio do caminho"

Eu sinto arrepios só de pensar no assunto. "Brendon"

Ele corre para o banheiro, voltando com um roupão e uma toalha. Eu tiro meus jeans e coloco o roupão enquanto ele tenta, em vão, secar meu cabelo com a toalha.

"O que foi isso tudo?" ele pergunta, me aconchegando em seus braços, o calor me fazendo suspirar. "Você nem falava comigo direito"
Eu me enrolo em seus braços, tentando afastar as memórias. "Eu tive um sonho muito, muito ruim"

"E por isso você decidiu vir para a minha casa às seis da manhã e me violentar?"

Eu rio. "Sim"
Ele ri, mais alto do que eu, e o que parecia o peso em seus ombros tinha acabado de cair. "Eu também senti a sua falta, sabe"

"Eu sei"


"Mas então," ele me vira para poder olhar nos meus olhos, "que sonho foi esse que fez a vossa majestade vir resgatar a princesa solitária desse lugar horrível, terrível?"


Eu olho em seus olhos e não posso reprimir um sorriso. "Não importa" eu me aproximo e beijo o seu pescoço, sentindo o seu cheiro. "O que importa é que eu vi aonde algumas coisas poderiam ir"
“E aonde elas poderiam ir?”

“Por favor, isso não é relevante agora” eu me acomodo mais entre os braços que me enrolavam.

“Hm. E por que eu devo acreditar em você dessa vez?”

Eu viro a minha cabeça no seu colo, o olhando de baixo. “Porque eu nunca fui tão honesto na minha vida”. Seu olhar ainda não parecia convencido, e eu o entendia. “Eu não quero mais ser incerto. Eu quero que seja só eu e você, sem culpas e sem pressão. Eu quero você só pra mim, e eu quero poder me sentir egoísta. Eu quero morar junto, eu quero fazer todas as coisas que eu sempre quis, mas sempre tive medo de fazer. Eu quero que haja um nós.Eu nunca quero te perder de novo”

Ele sorri, e eu consigo ver a felicidade em seus olhos. “Ryan Ross,” ele diz e beija o topo da minha testa, “não me importa o sonho que você teve, mas eu agradeço por ele em tantos níveis”. Ele beija a ponta do meu nariz, e eu faço uma careta com o gesto.

“Eu te amo” eu digo, os olhos fechados.

Ele ri, e nossa, como eu senti falta da sua risada. Eu me enrolo mais em seus braços, a minha vontade de tocá-lo nunca parecendo ser suficiente. Eu também duvidava que fosse passar.

“Eu também te amo. Porra, eu te amo” eu via lágrimas escorrerem por seus olhos, e eu deixo as minhas caírem também. Ele pressiona os seus lábios nos meus novamente, e eu conseguia escutar o seu batimento cardíaco, assim como o meu. Seus lábios macios me fazem ficar sem fôlego mais uma vez. Ele parecia tão distante de mim há um tempo, e agora ele estava ali, só pra mim. Eu jurava que via estrelas na minha volta.

Ele se acomoda no sofá, e eu nele. Nós permanecemos em silêncio, escutando a respiração alheia, agora calma e constante. Quando eu me dou conta, ele adormece nos meus braços, e eu nos dele.

Em algum lugar, eu conseguia escutar um barulho diferente, quase como se fosse movimentos e vozes, ou algo como um respirador de hospital. Essas coisas, porém, não me impediram de cair no sono nos braços da pessoa de quem eu mais amava.

Nada poderia estragar esse momento, de jeito algum.

***

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.