"Jon! Jon Walker, não é hora de descansar, nós estamos quase acabando" Spencer grita da porta do apartamento, prestes a pegar uma das duas últimas caixas no chão.

Jon solta um gemido de relutância e continua subindo as escadas, avistando o menor já dentro do apartamento se abaixando para pegar outra caixa. "Nós podíamos pegar o resto com o Ryan e descer juntos! Que tal? Como uma família!" ele diz, rindo no fim da própria frase.

Spencer ri, colocando a caixa novamente no chão. "Tudo bem. Eu nem acredito que acabamos" ele olha para Jon. "Será que podemos... Entrar lá? Sei lá".

"Acho que sim, já faz meia hora que nós estamos ralando aqui e ele deve ter ficado de boa sentado naquele quarto".

"Jon!" o menor diz, mais baixo, como se Ryan fosse escutar.

"Ah, eu vou então. Espero que nosso jantar compense isso tudo, sério" ele anda até o corredor, todas as portas fechadas, e depois até a porta aberta do quarto.

Ryan estava sentado na cama, fechando a única caixa que tinha sido encarregado de arrumar. "Acabamos?" ele diz, se levantando da cama e levando as roupas consigo.

"Sim" Jon diz, analisando o comportamento estranho do amigo. "Podemos ir jantar agora? Eu preciso comer alguma coisa antes que eu devore vocês".

"Eu acho que vou pra casa, Jon, eu preciso dormir...".

"Nada disso. Jantar. Juntos. Comida. Pelo o amor de Deus".

"Eu-"

"Calado. Pega a caixa e vamos" ele vira e sai do quarto.

Ryan o segue, relutantemente, tendo o cuidado de fechar a porta do quarto, dando uma última olhada nele antes de finalmente seguir seus amigos.

"É isso" Spencer diz, a chave em mãos, quando todos já estavam do lado de fora.

Eles olham para o apartamento - agora totalmente vazio - uma última vez, e o menor gira a chave.

"Que negócio pesado, caralho" Jon diz e começa a descer as escadas na frente.

Ryan tinha certeza de o que mais pesava no momento era o conteúdo de dentro do bolso da sua jaqueta.

***

"E eu disse: 'se acalma, mulher, eu preciso de dinheiro pra comer!'" Jon diz, e todos riem da história.

Era bom ter ele por perto. Por mais que eu soubesse que ele sentia falta do Brendon, ele não se deixava abalar. Ele não perdia o senso de humor e muito menos a vontade de falar, e eu admirava isso nele. Ele era um daqueles amigos que eu nunca me distanciaria.

"Meu Deus, que negócio bom! Cara, como eu amo comida" Spencer aponta para seu prato de frutos do mar, e eu faço uma careta, logo após pegando mais um pouco da batata frita que vinha com o meu taco.

Eu adorava estar ali, mas eu queria ir pra casa. Eu precisava ficar sozinho. Precisava.

"Uma mulher me ligou ontem," Jon começa, limpando sua boca antes de continuar, "ela queria saber se eu tinha um abrigo para gatos ou algo do gênero"

"E você tem" eu digo depois de tomar um gole de cerveja.

"Cala a boca. A mulher é doida, maluca, biruta, mas... talvez eu pudesse ter um abrigo, sabe? Ajudar gatinhos. Eu não tenho nada pra fazer mesmo".

"Jon, você tem que imaginar pelo menos vinte gatos pela a sua casa, mijando e cagando e comendo e dormindo em você" Spencer diz.

"E existe alguma coisa que eu goste mais no mundo?" ele ri. "É que nós não estamos mais trabalhando, então eu pensei, por que não?"

Todos ficam em silêncio. Por mais que houvesse dinheiro guardado, nós precisávamos fazer alguma coisa da vida. Eu não me imaginava tocando de novo. Cantando. Isso era errado, não era?

"Nós poderíamos... Sabe, voltar a tocar" Jon diz, baixo e hesitante.

"Você acha que ia dar certo?" eu pergunto.

"Não sei. Não sei"

"Não custa tentar, não é?" Spencer diz, um sorriso esperançoso no rosto.

***

Eu chego em casa ofegante, colocando as mãos dentro do bolso para tirar a pequena caixa dali. Ela era uma caixa pequena e ordinária de madeira, uma fechadura bem simples.

Viva os bolsos internos das jaquetas.

Eu sento na minha mesa da cozinha, abrindo a pequena caixa com cuidado. Dentro dela, eu encontro um caderninho, um cheque – que eu teria que rasgar, já que não tem utilidade - e um CD, dentro de um envelope. Eu primeiro pego o caderninho e relaxo um pouco na cadeira e olho para a janela, a lua iluminando um pedaço da sala. Eu respiro profundamente e me concentro.

O caderninho era, aparentemente, bem antigo e usado. As folhas estavam manchadas e amassadas, a tinta da caneta fraca. Eu passo os dedos pelo o papel antes de abrir em uma página aleatória e ler.

20 de abril de 2006

Hoje nós fizemos um show em Newcastle e eu tenho que dizer que eu me diverti muito. Quer dizer, eu ando tão feliz ultimamente que é quase insuportável, ou pelo menos foi o que o Spencer disse. Eu não sei, eu só estou começando a me sentir à vontade, eu acho.

Tirando a felicidade, eu tenho um problema. Espero que ninguém ache esse diário, se não eu estou fudido.

Bem, não passou. Aquela... Coisa. Eu não sei descrever, é só uma coisinha pequena, eu juro. É que hoje, no palco, eu não conseguia não olhar para ele, de novo. Eu tentei, mas ele fica tão bonito quando está tocando. Eu sei, eu SEI, isso é errado. Eu gosto de mulheres. Eu sou totalmente hétero.

Talvez se ele não parecesse tanto com uma menina, eu não sentiria isso. É tudo culpa do Ryan. Idiota.

Eu sei que vai passar. Eu só preciso pensar em outra coisa. Qualquer coisa.

Menos na bunda do Ryan.

Eu rio quando acabo de ler, sentindo a ingenuidade do Brendon passar pelo papel.

13 de agosto de 2006

Devo admitir que eu nunca teria esperado uma coisa assim dele. Eu era tão óbvio assim?

O que aconteceu foi, bem, surpreendente. Eu estava só conversando - eu juro - e ele começou a me olhar estranho. Ele continua olhando, e eu pergunto o motivo. Ele simplesmente diz que a minha boca é enorme. Do nada.

Bem, eu não preciso dizer que eu já estava vermelho pouco tempo depois. Eu não consegui formar uma frase concreta, eu só murmurei algumas coisas. Eu sou um idiota. Eu não consegui falar nada.

Então... Ele me beijou. DO NADA.

Eu resisti, devo dizer. Eu resisti no começo. Era errado.

Mas foda-se. Eu beijei de volta e quer saber? Foi o melhor beijo que eu já tive.

Ele foi gentil no começo e selvagem no final. Como eu gosto, eu acho? Eu não sei! Eu. Não. Sei.

Eu só sei que o Jon entrou bem quando nós tínhamos nos separado, por sorte. Mas eu ainda estou sentindo minha cabeça girar.

Droga, Brendon. De novo.

Eu sorrio e abro a última página, curioso. Eu estava esperando 2010, mas encontrei outra coisa.

02 de maio de 2008

Eu sou um idiota. Eu não acredito que eu fui tão ingênuo a ponto de acreditar que poderia dar certo. Claro, eu sempre fui otimista, mas eu acho que eu não notei que a realidade estava batendo na minha cabeça, pedindo, por favor, você pode me dar atenção agora. E eu ignorei. Eu, cego de AMOR (lê-se riscado, a parte do papel rasgada pela força) não notei o quão fútil isso tudo era. Impressionante.

Ele disse que não ia dar certo. Só depois de duas semanas de ele agindo estranho e me ignorando, e só depois de eu insistir muito, ele me diz que queria acabar o que quer que fosse que nós dois tínhamos. E simplesmente sorriu e achou que tudo estava bem.

Eu juro, que se não fosse pelo o bem dessa banda, eu não teria hesitado em meter meu punho naquela garganta. O que eu não esperava de mim mesmo era engolir todos aqueles sentimentos e decepções, e concordar com ele. EU CONCORDEI.

O problema é que eu não quero me distanciar. Eu não quero perdê-lo. E dói.

A pior coisa é quando você, claramente, gosta muito mais de uma pessoa do que ela de você. Eu consegui sentir toda a minha felicidade saindo pelos meus poros, e eu só assenti e sorri.

Um sorriso quebrado e desesperado. Um daqueles que ninguém consegue notar. Aqueles que passam despercebidos, quando tudo que você realmente quer é que alguém pergunte se você está bem.

Eu não posso remoer isso tudo, por mais que eu queira. Eu tenho uma banda e ela depende de mim.

Eu definitivamente não preciso de ninguém.

As últimas páginas estavam arrancadas, e eu finalmente fecho o caderninho. Eu me sentia culpado. Não apenas por todo o ocorrido. Quer dizer, eu era um idiota que só pensava em como não demonstrar minha sexualidade. Ha-ha. Olha o que eu acabei fazendo.

Mas não só por isso. Eu senti como se tivesse ido longe demais dentro da privacidade do Brendon. Isso devia parar.

Eu aperto a contracapa, sentindo uma textura que não deveria estar ali. Eu abro novamente e encontro um rasgo na parte de trás. Tocando mais um pouco, eu finalmente começo a procurar o que fosse que estivesse ali.

Era uma chave, eu noto quando a puxo para fora. Era pequena e tinha um adesivo em cima, H29, Vegas. Depois de raciocinar um pouco, eu me convenço de que era algum tipo de armário ou cofre. Eu não podia ficar com isso.

Eu pego o telefone e procuro um número antigo, esperando que ele estivesse em uso.

"Senhora Urie? Aqui é o Ryan? Ryan Ross?"

***

A estrada estava deserta, o escuro sendo descoberto pelas luzes do meu carro. Eu quase nunca dirijo; em LA, eu consigo ficar irritado por qualquer coisa. Um esquilo, uma idosa, uma bola de uma criança, um motociclista, enfim, uma lista interminável de coisas que me deixavam estressado. Por isso eu gosto de táxis. Eles dirigem para mim e eu tenho o meu tempo para pensar.

Agora, nessa estrada reta e deserta, eu me sentia em paz. O meu pé quase descansava no acelerador, e a lua estava incrivelmente bonita, me seguindo. As árvores balançavam com o vento, fazendo um barulho tranquilizante. Eu estava aproveitando o silêncio, até que me lembro do CD que estava na caixinha no banco do passageiro.

Eu pego o CD, um simples número 1 desenhado no canto com caneta azul. Eu coloco no rádio e espero o seu começo.

Havia somente uma faixa no disco, meu rádio me informa antes de barulhos começarem a sair das caixas de som.

Eram barulhos de gravação, eu os conhecia bem. Pegando o gravador, colocando na mesa, pegando o violão e se preparando.

Deveria ser um demo que ele iria mostrar para o Spencer ou para a gravadora. A sua voz estava rouca, desconexa, mas era a voz dele. Eu perco um pouco de ar quando finalmente me dou conta disso, e começo a prestar atenção no que ela dizia.

"If I ever leave, I can learn to miss you, but sentimental boy is my non de plume;

Let me save you, hold this rope;

I feel marooned in this body

Deserted my organs can go on without me"

(Se algum dia eu for embora, eu posso aprender a sentir sua falta, mas garoto sentimental é meu pseudônimo; deixe-me te salvar, segure essa corda; eu me sinto abandonado neste corpo, desisti de meus órgãos, podem ir sem mim)

Eu engulo saliva e me pergunto, pateticamente, se é sobre mim. Provavelmente não era, eu penso e me endireito no banco do carro. Não, absolutamente não era sobre mim, eu penso, não pensando em como os acordes da música eram perfeitamente combinados. Eu estava triste, só isso.

Um barulho abafado impede a música, e eu consigo escutar um grunhido e algumas palavras de ódio no fundo.

Há um silêncio vindo da minha caixa de som, e então eu consigo ouvir somente a sua respiração.

"Eu não consigo. Eu jurei para o Spencer que eu ia tentar salvar essa banda, mas não deu certo. É peso demais nos meus ombros, eles estão me impedindo de seguir em frente. A verdade... É que eu não me importo. Não me importo com a banda, comigo mesmo, com a minha família, com a minha saúde. Droga, eu não me importo com mais nada" há mais alguns barulhos, e agora eu já não conseguia prestar mais atenção na estrada. "Pra que continuar vivendo desse jeito se eu não quero mais viver? Por que eu estou tão alienado a minha volta, de modo que eu nem sabia do aniversário da minha própria mãe? Eu não vejo motivos pra seguir em frente, nenhum. Eu nem... Me reconheci quando me olhei no espelho hoje de manhã. Eu pareço um fantasma, vagando por essa casa vazia, sem esperança nenhuma." ele suspira e eu consigo sentir minha garganta se fechando. "Eu acho que eu posso falar isso nessa gravação, então eu vou. Eu sinto falta do Ryan. Eu nunca deixei de sentir. Ele foi um idiota, ele destruiu minha vida, praticamente, mas eu... Nunca deixei de amá-lo. Eu sou um idiota, não? Ele não merece, ele deve estar provavelmente pulando de alegria agora. Ele não se importa, nunca se importou, e provavelmente nunca irá. E eu aqui, às duas da manhã, falando com um gravador sobre o quanto eu sinto a sua falta. Eu sou um idiota". Eu sinto minhas mãos se apertarem no volante, um fio de esperança pendendo dentro de mim. Eu também te amo, eu quero dizer, eu quero você mais do que eu quero a minha vida. Então a esperança se quebra em mil pedaços quando eu me lembro de que ele se fora, provavelmente por minha causa, e meus olhos se enchem de água, minhas mãos começam a tremer. "Agora acabou" a voz me lembra, num tom baixo e sem vida, "agora tudo passa de uma lembrança, e eu não tenho coragem de lembrar. Eu estou vazio. A parte que quer seguir em frente não está mais aguentando. Veja," ele ri, um riso abafado e rápido, "eu tenho uma luta dentro da minha cabeça. Tem esse homem magrinho, baixinho no centro do ringue, e um homem alto e forte, aqueles carecas que tem o braço inteiro tatuado e tal. Ele é a parte feia dentro de mim, a parte que quer desistir. Ele acabou de tomar um redbull e está mais forte do que nunca. O outro, a parte esperançosa, porém, já está com algumas costelas quebradas, um olho roxo e um nariz deslocado. Ele não vai resistir," ele diz e funga, tendo um tempo para o que eu imagino que seja para limpar as lágrimas, "mas aqui estou eu, na plateia, com uma pipoca salgada demais e sem nada para tomar, esperando ansiosamente o fim, em silêncio" ele para de falar, e eu sinto que meu coração vai sair pela boca. Não, Brendon, por favor, não faça isso, eu penso, mas de novo: já era tarde demais. "Eu não quero continuar," ele diz, baixo, "mas eu não quero decepcionar quem se importa, se é que alguém ainda se importa". Lágrimas escorriam pelo meu rosto, meus olhos fitando o rádio.

Eu ouvia soluços do outro lado do rádio, sua voz murmurando coisas que não consegui entender. Eu deveria saber disso tudo, eu deveria ser um bom amigo, principalmente. "Eu não preciso mais continuar fingindo, preciso?" ele diz, finalmente, para si, e eu ouvia o que parecia ser um frasco de remédios. "Eu sempre faço as piores escolhas, mas essa eu não vou me arrepender. Adeus, seja lá para quem eu esteja falando disso"

Eu avanço para o rádio, passando para a próxima faixa, e para a próxima. "Vamos lá," eu digo para o rádio, apertando vários botões ao mesmo tempo, a visão borrada, "por favor não me diga que acab-"

Subitamente eu vejo um clarão vindo em minha direção, e tento mover meus braços rapidamente de volta para o volante, mas era tarde demais. Tudo era uma confusão agora. Eu estava rodando, sem controle, uma confusão de luzes e sons na minha volta. Eu não me dou conta do que está acontecendo, nem mesmo ao sentir o gosto de sangue na minha boca, e depois tudo fica escuro.

"Adeus, seja lá para quem eu esteja falando isso," eu consigo ouvir o rádio repetir antes de perder a consciência.