Cuidado com o que você usa como chaveiro

Se você for fofocar sobre seu chefe, certifique-se de que estão em um local seguro e longe dele


As ruas de Aokigahara, os visitantes observaram, estavam bastante movimentadas. O comércio estava agitado e as pessoas circulavam enquanto conversavam e compravam animadamente. Eles se perguntavam se era sempre assim ou se havia alguma ocasião especial quando chegaram a um quarteirão imenso, cercado por um muro de pedra alto.

Depois de caminharem quase 5 minutos na calçada do mesmo quarteirão, com o Gintoki daquele universo à frente, chegaram ao grande portão de ferro marrom, ladeado por dois homens vestidos como os outros que os abordaram no dia anterior. A primeira coisa que os chamou atenção foi o fato dos dois sujeitos, ao terem visto o albino se aproximar e mesmo visivelmente curiosos com a cópia inusitada de seu comandante, terem se ajoelhado e abaixado a cabeça, num cumprimento que o mais velho recebeu com tanta naturalidade quanto o outro Gintoki recebia uma caixa de leite de morango pela manhã.

O Yorozuya mais velho não conseguia esconder o quanto estava incomodado com aqueles olhares o encarando. Sabia que isso era inevitável, afinal ele e sua contraparte tinham exatamente a mesma aparência — tirando as roupas diferentes e a diferença de idade, que se evidenciava em uma ou outra linha de expressão do Comandante da Shinikayou. Entretanto, não levou muito em conta que os homens fardados também prestavam atenção em seu andar despretensioso enquanto enfiava calmamente seu dedo mindinho no nariz para tirar uma incômoda catota, a qual jogara para longe num peteleco.

Shinpachi olhava para as duas versões de seu ex-chefe e ficava com vergonha alheia do faz-tudo, o que o fez ter a ideia de fingir que não estava percebendo seu amigo de cabelos prateados fazer a higiene auditiva após terminar sua higiene nasal. Aliás, se pudesse fingir que não o conhecia, seria ainda melhor.

O que mais chamava sua atenção, entretanto, não era o comportamento dos soldados do outro Gin-san. Foi inevitável para o Shimura ficar impressionado com aquele grande complexo de prédios. Perto dele, a sede da Shinsengumi era bem pequena, mas isso se justificava pelos números. Só ali eram mais de dois mil soldados, dentre os que estavam em treinamento e os já nomeados. A força policial que ele chefiava tinha um tamanho bem mais modesto, contando com cerca de duzentos homens — contingente que ficara ainda mais reduzido após as batalhas nas quais lutaram meses atrás... O que poderia ser revertido quando Kondou-san recrutasse parte dos alunos do Dojo Koudoukan e alguns jovens com potencial em Bushuu.

Pelos corredores ladrilhados, o grupo caminhava em frente, em direção ao Bloco 4, enquanto ouvia o Gintoki daquela dimensão descrevendo brevemente cada bloco daquele complexo. Ginmaru ainda tentava entender como era capaz que um cara que mal liderava a si mesmo e à Yorozuya Gin-chan (formada por eles e Sadaharu) parecesse tão bom em liderar duas mil pessoas. Suspirou, desistindo de queimar seus neurônios para tentar entender e tentou agir naturalmente, fingindo não se incomodar com os olhares que lhe eram dirigidos por causa da semelhança física com seu pai. Por mais que os soldados fossem discretos, não era difícil deduzir que seus olhares queimavam as costas do trio vindo de outra dimensão.

— E, por fim, este é o Bloco 4, onde ficam as salas de todos os capitães e as de investigação. No segundo piso é a ala hospitalar, onde tratamos ferimentos leves e mantemos os prisioneiros que precisam de cuidados médicos — Gintoki finalizou ao chegarem mais próximo do prédio principal.

— Você disse que ali ficam os dormitórios — Ginmaru se pronunciou, curioso, apontando para o bloco ao longe, à esquerda deles. — Os soldados vivem aqui? — questionou impressionado, pensando sobre o quantitativo relativamente alto.

— Apenas os que preferem ficar na sede e os que estão em treinamento. Cerca de 300, entre jovens, adultos e crianças — o comandante respondeu enquanto já adentrava o corredor externo, para então alcançar a entrada do prédio.

Já no prédio principal, o grupo seguiu rumo à sala de Gintoki. Na parte final do trajeto, passaram por dois novatos que cochichavam animadamente, de tal forma que mal conseguiam manter o volume baixo das vozes. O assunto? Os recém-chegados, principalmente os de permanente prateada.

— Você viu? — um deles cochichou. — Parece que o Comandante está se clonando.

— Pelo jeito, aquele de yukata branco foi uma experiência que deu errado... O outro deve ser a experiência que deu certo, e...

A conversa foi bruscamente interrompida por um pigarro. Ambos sentiram suas espinhas gelarem quando olharam para trás e viram Gintoki, com a expressão impassiva, embora a calma aparente não enganasse aos jovens.

— Posso saber o que as comadres estavam fofocando?

A dupla se virou e, como robôs enferrujados, fez a reverência de costume, para depois tentarem responder ao mesmo tempo à pergunta de seu superior. O albino sentiu o vaso sanguíneo em sua testa sobressaltar-se e por isso mesmo os interrompeu com impaciência.

— Parem de cacarejar, não precisam explicar nada!

Os dois respiraram aliviados, mas por pouco tempo. Viram Gintoki levando a mão esquerda à bainha da katana, com o polegar fazendo a espada deslizar o bastante para mostrar uma pequena parte da lâmina. Os rapazes engoliram em seco.

— Acredito que devem ter mais o que fazer do que debaterem quantos clones eu consegui fazer — ironizou, carregado de sarcasmo.

Os soldados acenaram positivamente de maneira frenética, não demorando a responderem em uníssono.

— Sim, senhor!

— Então o que ainda estão fazendo na minha frente?

Foi o bastante para os dois jovens reverenciarem rapidamente e saírem da presença do comandante, correndo em direção à saída do prédio.

— Olha, Gin-san — Shinpachi disse após ver o ocorrido. — Você deveria aprender com seu outro eu a ter esse autocontrole, e...

— Não fala besteira, seu par de óculos ambulante! — O Yorozuya deu um cascudo no Shimura.

Quando o antigo otaku ia protestar aos berros, Ginmaru interrompeu, estando alguns passos à frente:

— Vocês dois vão mesmo ficar aí discutindo como dois tiozões imaturos?

— Seu filho de 18 anos consegue ser mais maduro que você — comentou o outro Gintoki com deboche.

— Leitores da Jump serão sempre jovens de coração! — retrucou indignado. — Você se tornou um velhote ranzinza por ter abandonado a sacralidade da Jump semanal — acusou exageradamente pesaroso.

O comandante sentiu a testa latejar mais uma vez, enquanto caminhavam até o fim do corredor, naquele momento vazio, onde ficava sua sala.

— Quem você está chamando de velhote, seu vagabundo de meia idade?!

— Quem você acha? — o faz-tudo lhe dirigiu um olhar bem sugestivo e debochado, enquanto uma veia estufava em sua fronte. — Estou olhando para a cara enrugada dele neste exato momento!

Adentraram a sala.

— Não fique se achando apenas porque ficou mergulhado em formol nos últimos 10 anos, seu maldito! — devolveu agora definitivamente gritando. — Você pode parecer mais novo, mas continua um velhote de meia-idade que não é capaz de comprar quantos fardos de leite de morango quiser!

O Yorozuya agora sentia seu sangue ferver como nunca, e não deixaria barato esse último insulto. Nada disso, ele não iria ficar por baixo, mesmo que fosse para desmoralizar completamente seu alter ego!

— Ah, é?! Então não fique você se achando só porque é ricaço, casado e com uma renca de filhos! — ele rebateu apontando-lhe o dedo. — Nada disso adianta se você falha na hora H com a sua mulher, seu velhote de merda!

— VOCÊ NÃO TEM COMO SABER DISSO, SEU DESGRAÇADO DE PERMANENTE NATURAL. — Finalmente o mísero autocontrole que lhe restava foi perdido. — MEU NEO ARMSTRONG CYCLONE JET ARMSTRONG CANNON JAMAIS FALHOU.

— E agora todos no prédio sabemos que Mayah é uma mulher muito sortuda. — A voz de Miyuki ecoou da porta, carregada em deboche.

No entanto, os dois estavam tão envolvidos na discussão descabeçada, que sequer prestaram atenção a esse fato.

Gintoki voltou ironizar com sua contraparte de Edo.

— Agora você, é melhor tomar cuidado com o diabetes, senão a coitada da Tsukuyou pode acabar com péssimos resultados.

— Falou o cara que esconde a torta de morango da própria mulher pra comer sozinho às escondidas!

— Você faria o mesmo, senão pior, se fosse obrigado a ficar sem açúcar por uma semana inteira! E ainda roubou minha torta essa noite! — acusou indignado ao lembrar-se que na madrugada foi procurar seu precioso e suado pedaço de torta, e encontrou seu alter ego lambuzando-se com ele no balcão da cozinha.

O Yorozuya iria prontamente retrucar de volta, no entanto, a voz altiva e revoltada de Sayuri, que acabava de chegar à sala do pai, o interrompeu antes.

— Aonde vocês pensam que estão?! — Entrou pisando pesado, fechando a porta após passar. — Pai, o que diabos o senhor pensa que está fazendo? — dirigiu-se ao mais velho, ainda abismada com a cena.

O comandante então finalmente percebeu a presença das mulheres em sua sala, o que o levou a lembrar-se de onde estavam.

— Droga — xingou a si mesmo e interiormente ao seu outro eu, levando a mão ao rosto.

Fazia alguns bons anos desde que alguém além de sua família e seus antigos companheiros de Edo conseguira o fazer perder o controle àquela maneira. Mas não deveria se surpreender, afinal de contas, estava lidando com o mestre em tirar as pessoas do sério: ele mesmo, algumas décadas atrás.

— De qualquer maneira, — Sayuri aproximou-se, cortando de vez a discussão, de forma séria. — nós encontramos isso na Avenida F. — Entregou o documento que tinha consigo nas mãos de Ginmaru. — Pelo que parece, no meio da confusão, o ladrão deixou cair.

Bastou o jovem bater o olho para reconhecer o próprio documento de identificação e sua foto 3 x 4 com o olhar de peixe morto de quem acordara antes do despertador. Desde que fizera aquele documento, nunca mais achava que era exagero dizerem que fotos 3 x 4 na maioria das vezes eram verdadeiras tragédias fotográficas. Achava a sua um verdadeiro desastre, e não sabia qual era a pior: a sua, ou a da habilitação de seu pai... Ou, ainda, se dava empate, visto que os dois eram muito parecidos.

— Sayuri-san — Shinpachi questionou, tirando Ginmaru de sua breve abstração. — Já conseguiram descobrir então onde está aquele ladrão?

— Nós fizemos algumas perguntas pelo bairro onde encontramos a identidade e alguns moradores disseram vê-lo sair por ali guiado por um membro conhecido, de uma facção a qual estamos perseguindo. Fomos atrás de mais informações e não conseguimos muita coisa, porque eles sabem se esconder muito bem, mas tenho uma boa ideia de onde eles estão agora. — Entregou nas mãos deles um segundo documento, o qual seu pai observou por cima dos ombros de seu alter ego. — Estava junto com o de Ginmaru.

— Aoshi? — questionou num misto de surpresa e leve indignação. — Esse é o cara que furtou vocês? — perguntou aos três.

— Foi esse cara, sim — Ginmaru respondeu e percebeu a expressão da contraparte de seu pai. — Impressão minha ou você o conhece?

— Ele tentou me roubar a carteira uma vez, mas não conseguiu.

— Deixa eu ver se estou certo... — O outro Gintoki coçou o queixo pensativo. — Você reagiu e quebrou os dentes do cara com a bokutou?

— Sim, e o larguei num beco qualquer de Kabukicho — concordou dando pouca importância ao fato. — Eu estava de ressaca, só queria conseguir chegar em casa sem largar minhas tripas pela rua — completou, dando de ombros.

Ginmaru piscou os olhos, enxergando exatamente seu pai no Comandante da Shinikayou. Era difícil de acreditar que em alguma dimensão aquele faz-tudo destrambelhado e estourado seria aquele homem todo alinhado e com um grande domínio próprio. Trocou olhares com Shinpachi, que também compartilhava impressões semelhantes.

Como uma mesma pessoa poderia ser tão diferente?

— Ah, eu te entendo perfeitamente — completou seu pai, com um jeito muito solene. — Eu o larguei lá e quase fiquei largado junto. Mas Sadaharu me carregou pra casa.

— Sim, aquela fábrica de cocô com patas servia pra alguma coisa de vez em quando — concordou acenando com a cabeça, saudoso.

Seu alter ego imitando o gesto e a expressão. Nem parecia que ambos estavam quase se matando poucos instantes antes.

— Papai, nos poupe de seu passado regresso vergonhoso — Sayuri pediu rolando os olhos.

Miyuki riu, mas logo completou a informação da pista encontrada.

— O fato é que nós identificamos que o Aoshi do nosso universo comprou duas passagens de trem para Edo, ontem à noite.

— E se o nosso Aoshi está a caminho de Edo. — O comandante da Shinikayou coçou o queixo pensativo. — O de vocês também deve ter ido.

— E o nosso Aoshi está com o gerador de portais — O faz-tudo também coçava o queixo pensativo e lançou um olhar ao filho, como se o culpasse por toda aquela bagunça. — que o Ginmaru usou como chaveiro, então ele deve ter ido apenas a um lugar...

— A oficina do velho Gengai! — os dois exclamaram em uníssono.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.