Sabe uma coisa que ouço muito? "Você é linda, mas se emagrecer..." Praticamente todas as amigas da minha mãe dizem isso. "A Lizzy é linda, mas se emagrecer um pouco vai ficar um mulherão!" Nem preciso dizer que isso me irrita, né? Já começam a frase dizendo que sou linda, agora me responda: por que preciso emagrecer para ficar ainda mais bonita? Não posso mudar e me tornar ainda mais bonita estando com mesmo peso? Céus, acho que todo mundo já idealizou a ideia de que para ser bonita você precisa ser da finura de um palito.

Descobri que existem alguns países onde ser gorda é considerado extremamente feio. Até as crianças dizem que as pessoas gordas são, na verdade, monstros. Pais criticam filhos, amigos pegam no pé dos outros... ah, que vontade de gritar! Mas felizmente não consigo dizer coisas feias mesmo que queira. Só que a limitação do ser humano estava se tornando cada vez mais ridícula. Pessoas magras demais, ou negras também sofriam por suas aparências. A sociedade tentava socar suas preferências em nossa mente... me refiro a aparência, ok?

Havia lugares onde você só é aceito se for igual aos outros. O Brasil, sinceramente falando, é o único país onde sei que o mundo se mistura. Se sair na rua, encontrará asiáticos, ingleses, indígenas, pardos, figuras bizarras... e até aqui, onde se aceita todas as raças e estilos, há preconceito sobre certas coisas. Não estou julgando nada e nem a cultura de ninguém, só estou dizendo que todos somos iguais, independentemente de qualquer coisa, mas muitos não conseguem ver isso porque já acataram os padrões da sua própria sociedade. Será que todo mundo não podia aceitar que todos são seres humanos e pronto, acabou?

Para resumir tudo, sou linda, e a única forma de ficar mais linda é emagrecendo.

É incrível como consigo juntar um monte de pensamentos em questão de segundos.

Depois de conseguir fugir das amigas da minha mãe chamei Ester para ir no shopping. Ela já queria ir mesmo e eu precisava me distrair. Ao contrário do que muitos pensam, não são todos os shoppings que tem preços exorbitantes em tudo. Dependendo do shopping, até que você consegue encontrar lojas com preços razoáveis. De tanto ir lá, Ester e eu conhecíamos todas as lojas com preços bons. Me arrumei correndo e combinei de encontar Ester no terminal de ônibus.

Ao chegarmos no shopping, Ester foi direto para loja de cosméticos, que ficava ao lado da praça de alimentação. Por alguns momentos fiquei com medo de gastar tudo que tinha ali, mas me controlei ao máximo. Estou começando a ficar obsessiva por batons... mas prometo comprar só mais dois e depois esqueço de comprar batons por um tempo.

— Esse violeta é lindo! — Ester realmente se apaixonou por aquele batom que custava os olhos da cara. — Mas não combina comigo. Além do mais, é uma cor para festas e eu não gosto de festas. Você não tem essa cor?

— Tenho sim. Te empresto se quiser.

— Ótimo. É caro demais. — Ela o colocou no lugar e sussurou: — Também notou a garota nos olhando?

— Ah, notei sim.

Havia uma garota na loja que não parava de olhar em nossa em direção. Antes, estava na praça de alimentação e entrou um tempo depois. Ela estava fingido olhar alguns cremes, mas não desviava o olhar de nós duas. Ester realmente notava qualquer coisa, pois durante todo tempo pareceu não ligar para mais nada além de completar sua nova coleção de maquiagens. Não conhecíamos a garota, ela não era familiar em nada.

Era alta e loira, com cabelos cacheados e longos. Tinha olhos azuis e parecia ter uns 20 anos. Estava de vestido e com uma bolsa mostarda muito estilosa. Realmente, era bem curioso o que ela estava fazendo e também muito estranho. Quando olhei para ela, ela sorriu e acenou; acenei de volta, mas não entendi nada.

— Vamos pagar? — Ester foi em direção ao caixa e colocou algumas em sua cesta no caminho. — Não sei o que significa, mas não gosto de ser observada. — Pagamos (muito mais do que esperávamos, aliás) e fomos para saída da loja. — Sapatos? Quero um saltinho.

— Caramba, o Erick é um provocador de milagres...

— Calada! Me deixa, por favor! Não pense que não vou comprar um tênis ou calças de moletom, porque eu vou!

— Ei, esperem! — Já estávamos fora da loja quando a garota de antes nos chamou. Em defesa dela, havia comprado alguma coisa na loja. — Oi. Sei que perceberam que eu estava olhando. Desculpa, foi estranho.

— Oi, foi estranho sim. — Ester sorriu. Dei uma cotovelada nela. — O quê? Foi estranho.

— Tudo bem. Eu não sabia como chegar em vocês, então... Meu nome é Jéssica Hemmel. — Ela estendeu a mão e nós a cumprimentamos. — Vamos tomar um café? Quer dizer, não sei se tomam, mas... sei lá, um suco. Eu pago.

Apenas concordamos e fomos até uma loja que vendia café e cappuccinos. Eu pedi um café, assim como Jéssica e Ester pediu um cappuccino extra grande. E claro que não deixamos ela pagar nada; nem conhecíamos a garota. Fomos em uma das mesinhas que ficavam do lado de fora da loja e nos sentamos. Jéssica ainda não tinha parado de sorrir.

— Bom, como eu começo. Não é a primeira vez que faz isso... — Ela sussurou para si mesma. — Bem, eu sou fotógrafa. Talvez não profissional, já que ainda não peguei um grande trabalho que possa me dar algum crédito. Mas terminei a faculdade, fiz alguns cursos... e acabei de me inscrever em um concurso de uma linha de cosméticos. Palace Nature, conhecem? Aquela linha que fabrica todo tipo de maquiagem e cremes, loções e perfumes... veganos ou normais.

— Conhecemos. Metade do meu dinheiro foi para eles. — Ester se mantia impassível. E é como ficaria até que Jéssica falasse o que realmente queria.

— Sei bem como é. Eles são ótimos. — Continuou Jéssica. — Acontece que eles só vão me fornecer maquiagens... e as modelos vão ficar por minha conta. Preciso de dez.

— Dez modelos? — Ester e eu dissemos juntas.

— Sim. A campanha é para promover uma nova linha, que mostra que tipo de beleza é válida. Preciso de várias modelos com características diferentes, tirar duas fotos de cada e mandar. As fotos vencedoras vão promover a campanha e tem um prêmio em dinheiro, que pretendo dividir, claro. Já tenho algumas modelos, e ainda faltam três. E... acho que as duas se enquadram no perfil que preciso. — Ester e eu trocamos olhares. — Claro, vou precisar da autorização de seus pais, vocês são menores de idade, não é?

— Opa, espera aí. Acha mesmo que temos jeito para modelos fotográficas? — Ester perguntou, cética.

Jéssica sorriu.

— Não preciso de modelos. Preciso de garotas normais para mostrar que qualquer beleza é válida.

— Não sei, não. Não sou fotogenica. Nunca fui! O que acha, Lizzy?

— Eu não sei. Nunca se passou pela minha cabeça essa coisa de modelo. Eu... nem tiro fotos normalmente. — Dei os ombros. — E como vai ser isso?

— Bom, vocês terão de usar suas próprias roupas. Vão precisar de dois tipos de roupas: um estilo despojado e outro mais romântico. Quero tirar fotos ao ar livre, para dar mais um aspecto natural. Seria no parque ambiental; meu primo trabalha lá e iria reservar uma área especial. Chegaríamos mais cedo para arrumar tudo e faríamos as fotos, eu as mandaria para o site e uma semana depois vamos ver o resultado. Sem pressão, meninas. A pressão estaria sobre mim.

— Olha, eu não sei... — Tomei um gole de café. — Acha que tem chance de ganhar?

— Sinceramente, não faço ideia. É uma marca conhecida e provavelmente muitos fotógrafos experientes vão se inscrever, então... não custa tentar. Conseguir entrar entre os dez finalistas, com outros tipos de fotos, eu consegui. Então... — Jéssica juntou as mãos na frente do rosto. — Sei que parece estranho, ainda mais vindo de uma desconhecida, mas por favor. Me ajudem. Isso ajudaria muito com minha profissão. É muito complicado para um fotógrafo iniciante conseguir trabalhos, e se eu chegar aos três finalistas...

— As outras modelos também são desconhecidas para você? — Perguntou Ester.

Jéssica pensou um pouco.

— Na verdade, são sim. Só uma delas é de fato minha amiga. Conheci umas delas na fila de um banheiro... mas detalhes a parte, vocês me ajudam? — Ela deu um sorrisinho esperançoso.

Ester e eu trocamos olhares. Anos de amizade e acabamos desenvolvendo uma espécie de leitura pelo olhar. Sabíamos o que a outra estava pensando em quase todos momentos e naquela hora eu sabia que estávamos pensando a mesma coisa. "Tudo bem, acho que pode ser divertido!"

[...]

— Então você vai ser modelo? — Perguntou Nicolas. Estávamos andando no parque perto da minha casa. Ele com o braço em meus ombros e eu com meu em sua cintura. Já estava acostumada com a ideia de ser namorada dele e com seu jeito tão zeloso de cuidar de mim; era muito fofo, para falar a verdade. — Que coisa interessante.

Concordamos com a proposta da Jéssica. Ela nos passou seu número e mandou tudo o que precisávamos ver para acreditar que era mesmo um concurso e que ela estava entre os dez finalistas. Eu não tinha e-mail, então passei o do meu irmão e ela o lotou de mensagens. Passou, inclusive, o contato das outras garotas e avisou que tinha encontrado a última modelo. Tiraríamos as fotos em duas semanas e ela estava pra lá de animada. Me ligou seis vezes no últimos dias para ter certeza de que eu não desistiria. Para Ester também. E desconfio que para as outras garotas também... bom, mas já estava feito: seríamos, oficialmente, modelos.

Que hilário.

— A Jéssica tem uma animação. — Dei uma risadinha. — Conversamos tanto nos últimos dias que acho que já podemos ser melhores amigas.

— Ah, não deixe a Ester saber disso. — Nicolas estava lindo, como sempre. Não que ele precisasse de muito para ser bonito. Só não entendia como alguém podia ser tão descolado usando calça e blusa de moletom. Eis o mistério. — Quer comer alguma coisa? Churros, talvez?

— Não gosto de churros.

— Não está com vergonha de comer perto de mim, né?

— Comi três fatias de pizza na sua frente ontem. Ainda acha que tenho vergonha?

— Você não gosta de churros, de carne de porco, strogonoff, não curte muito lasanha, feijão, peixes, algodão doce, chocolate só se for amargo... o que você come, exatamente?

Paramos para sentar na grama. Ele segurou minha mão e continuou me olhando, esperando uma resposta. Finalmente, depois de tanto tempo, comi uma pizza vegetariana. Nicolas era muito legal e me deixou pedir uma na noite anterior, na pizzaria. Ele detestou — ainda bem que pedimos a outra metade de outro sabor — mas pelo menos se esforçou para comer um pedaço.

— Gosto de vegetais e churrasco. Pure de batatas também. E... não sei. — A verdade é que sou bem chata para comida mesmo. — Pizza. Ah, sei lá. Isso não é importante.

— Na verdade, é sim. No fundo não sei muito sobre você. Seria mais fácil se você tivesse uma daquelas redes sociais onde se faz um resumo sobre si mesmo. Você realmente não tem rede social nenhuma?

— Instagram. Mas já faz muuuito tempo que não entro. Nem lembro mais qual era meu login. Isso não é importante. — Repeti.

— Seu pai não gostava, não é? Que você tivesse essas coisas.

Confirmei com um gesto de cabeça.

— Ele não gostava dessa tecnologia toda, e consequentemente acabamos não gostando também. Ele não nos privava dela, mas nos limitava ao máximo. Sabe, enquanto várias crianças estavam na frente da televisão, eu e meu irmão estávamos brincando na rua. Enquanto todos ganhavam celulares, nós ganhávamos vários brinquedos de verdade; mal ligávamos a televisão! Só para ver desenhos de manhã e depois das oito da noite não podíamos ligá-la. Meu irmão só ganhou o primeiro celular aos dezoito, e eu aos quinze, depois que meu pai morreu. Meu irmão só ganhou um notebook quando entrou para faculdade e o usa muito pouco.

"Meu pai acreditava que precisávamos viver de verdade. Fazer jogos de verdade ao invés de ficar com a cara na tela de um smartphone; pesquisar trabalhos em livros de verdade; conversar por telefone, ouvindo a voz da outra pessoa, ao invés de ficar escrevendo mensagens. Escrever só se fosse cartas de verdade! Ah... gostei muito do jeito que fui criada. Tive uma infância de verdade e não essa coisa de hoje em dia... quando tiver filhos, quero criá-los igualzinho meu pai nos criou."

— Bem, meus pais nunca me proibiram de ter, e eu tive no passado, mas acabei deixando de lado. Desativei tudo. — Ele deu um sorriso. — Acha que ele iria gostar da ideia de você ser modelo? — Perguntou, divertido.

— Muito pouco provável. Ele não gostava de nos expor.

— Ele devia ser bem rígido...

Não, ele não era. Podia parecer, mas na verdade era liberal até demais. Sempre tivemos tudo o queríamos e ainda sim não crescemos mimados. Ele nos ensinou a viver bem com o que tínhamos, e sermos gratos por tudo. Meu pai sempre foi meu herói. Graças a ele, me tornei o que sou hoje e todos os ensinamentos dele vou levar para toda a vida.

— Talvez um pouco. — Dei os ombros. — Mas ainda sim faz falta.

Ficamos quietos por um tempo.

— Acha que ele teria gostado de mim? — Nicolas ainda segurava minha mão, que era minúscula perto da mão dele.

— Você gosta de futebol?

— Sim.

— Pesca?

— Adoro. Sempre vou pescar com meu pai.

— Esportes radicais?

— Radical é o meu nome do meio.

— Agricultura?

— Na verdade, nunca tentei, mas acho que seria legal.

Ponderei as respostas dele.

— Tem gostos em comum. Mas ele não ia gostar de você. Te aceitaria, mas gostar já são outros quinhentos.

— O que eu faço de errado?

— Está namorando a princesinha dele.

— Ah, sim. Ele era ciumento. — Nicolas riu. — Tenho outra pergunta.

— Manda. — Cruzei as pernas que antes estavam esticadas.

— Você já namorou antes? — Quase engasguei com minha própria saliva. — Ester me disse que não, mas ao que tudo indica parece que sim. Sei que teve um cara que te magoou...

— Não. E não quero falar sobre isso. — Talvez tenha soado um pouco grossa demais. Mas não suporto esse assunto. Felizmente, ele não se abalou. — Isso sim não é importante.

— Ok, ainda não confia em mim...

— Não é isso. Olha, vamos mudar de assunto. Um dia eu te conto.

— Um dia? — Ele me olhou, cético.

— Melhor do que nunca. Devia esquecer o passado e viver o presente. Olha só, você tem uma namorada que vai ser modelo. Quem diria, nunca pensei que isso fosse ser possível.

Nicolas riu e começou a falar algo que não consegui prestar muita atenção. Por hora eu tinha escapado desse assunto, outra vez. Ok, eu mesma não gostava de encarar o assunto. Algumas pessoas dizem que não se arrependem de nada e que se pudessem voltar no tempo, não mudariam nada... bom, eu sei que mudaria muita coisa. E a primeira delas seria ter evitado tanto sofrimento com meu primeiro "não" namorado. Eu só queria curtir o momento e aproveitar junto com Nicolas; o passado tinha de ficar exatamente no lugar que estava.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.