Crônicas de nós dois

Preciso Dizer Que Te Amo


A noite já havia caído quando terminou o banho quente. A bengala batia contra o chão do apartamento, enquanto ele se dirigia até a sala. Os cabelos molhados e uma toalha felpuda enrolada em volta do quadril fino.

Era uma noite quente de domingo e Wilson parecia ter acabado de chegar do hospital, o corpo jogado contra o tecido do sofá, a gravata bonita, frouxa envolta do pescoço e os olhos pregados em um programa qualquer na tela da TV.

–Como foi com as crianças enfermas? – House sonorizou com a voz rouca, parando atrás do sofá.

–Cansativo, mas correu tudo bem. E não seja tão grosso – Wilson virou o pescoço para focalizar o grisalho. – Por que você está perambulando seminu pelo apartamento?

House sorriu ante os olhos castanhos que grudaram em sua pele úmida quase de imediato.

–Estou com calor, e a toalha é tão macia – disse em tom zombeteiro. – Por que, vai me dizer que está com vergonha? Desculpe, mas o que eu tenho aqui você conhece bem.

Wilson apenas rolou os olhos ante a frase despudorada do mais velho, voltando o olhar mais uma vez para a televisão ligada.

–Apenas tente não molhar o chão – retrucou sem olhá-lo.

–Claro, mamãe – House escarneceu.

O grisalho caminhou até o canto da sala onde o piano, que Wilson comprara especialmente para ele, jazia. Sentou-se ante ele e o fitou com os olhos muito claros. Acariciou as teclas frias do instrumento e sentiu o corpo sacudir levemente em um arrepio.

Dedilhou ali, tirando algumas poucas notas melodiosas, de forma distraída. A mente viajando para o moreno esparramado no sofá ali ao lado.

As coisas haviam mudado, pensou de forma vaga. Costumava odiar mudanças e fazer de tudo para que elas não ocorressem em sua vida, mas as coisas estavam indo bem, ao menos por enquanto.

Voltou os olhos azuis para a figura de Wilson e, ainda dedilhando as teclas de forma leve, pensou em quanto o amava. Ele era seu melhor amigo, seu amante, seu porto seguro e única certeza na vida. E isso ele faria de tudo para que nunca mudasse.

Fora aquele piano. O piano ao qual tocava agora, fora ele sua maior epifania.

Já estava morando com Wilson há algum tempo, mas nada era certo. Ainda eram apenas amigos e as coisas estavam indo mais devagar do que qualquer pessoa acharia necessário. Todas as suas coisas ainda estavam em seu velho apartamento e House costumava ficar horas fora apenas para tocar seu piano velho e adorado. Mas, então, Wilson comprara aquele piano, aquele mesmo que ele tocava agora. E ambos tiveram certeza de que House nunca mais precisaria ir embora.

Wilson dissera que o amava alguns dias depois, antes de fazerem sexo pela primeira vez. E talvez aquele “eu te amo” fosse apenas o começo de um discurso romântico sobre o tempo que haviam perdido enquanto se enganavam, talvez, mas House havia, deliberadamente, o calado com um beijo apaixonado. House se sentira aquecer, mesmo já sabendo, muito antes disso, que Wilson o amava.

O grisalho não respondera. Não dissera que o amava de volta. Para Wilson era fácil demonstrar o que sentia – ao menos era o que ele pensava. –, sempre fora o mais sensível, o que gostava de falar dos próprios sentimentos. Já House, ele tinha medo.

Ambos já haviam sofrido o suficiente por amor. Casamentos fracassados, amores perdidos e amores falsos. Wilson continuava sempre aberto para um novo amor, dava tudo de si para fazer a parceira feliz e até mesmo esquecia de si. House estava cansado de amar e tinha medo de tentar mais uma vez.

Mas era Wilson quem dizia que o amava, e isso apenas o deixava com mais medo.

Tinha medo que machucasse o moreno. E todos sabiam que era isso que normalmente fazia. House tinha aquela mania de quebrar tudo o que tocava, inclusive a si mesmo.

Mas por Wilson ainda valia apena tentar.

Mas o momento havia passado e ele não sabia mais como dizer. Não podia simplesmente soltar uma coisa dessa no ar, sem mais nem menos. Estava perdido nessas palavras e House não tinha ideia de como deixa-las sair.

Precisava dizer que o amava, mas como?

House tocava o piano sem ao menos se concentrar na música. Sem se dar conta da melodia doce que tirava do piano sob seus dedos ágeis e finos. A música envolvia o ambiente de forma leve e House teve um sobressalto ao sentir um par de braços envolver seus ombros de maneira carinhosa.

Os azuis fitaram os castanhos de forma surpresa, mas logo seus lábios foram tomados em um beijo doce.

–Obrigado – Wilson sussurrou contra os lábios do grisalho.

House o fitou confuso, sem se dar conta do que havia feito para que merecesse aquele afeto repentino, virando o corpo para que ficasse de frente para Wilson.

–De nada – disse com a voz rouca, num tom de falsa modéstia. – O que eu fiz mesmo?

–Você não se deu conta? – Wilson respondeu com a voz risonha. – Estava tocando aquela música. A primeira música que tocou nesse piano. A mesma música que me fez perceber que eu te amava.

O grisalho o fitou com surpresa nos olhos enquanto Wilson lhe sorria de forma calorosa. Foi tudo tão natural que House mal podia acreditar em como não havia feito isso anos atrás, ainda quando ele e Wilson haviam acabado de se conhecer.

–Eu te amo – disse apenas, os dedos se enrolando nos fios castanhos e a boca, de lábios finos, procurando a outra para mais um beijo. O primeiro de muitos para aquela noite.