Era noite chuvosa de sexta feira, qualquer dia da semana seria melhor que este. Eu havia pego um ônibus vazio e para melhorar estava completamente longe de casa. Geralmente a biblioteca em que eu ia, era necessário pegar dois ônibus. Trajeto cansativo.

Pegara um livro de contos de Edgar Allan Poe, O poço e o pêndulo, entre outras mais. Comecei pelo conto O gato preto, e então Silencio, A fábula.- É, o caminho para casa era realmente longo. O suficiente para duas leituras não muito extensas.

O segundo conto falava sobre a origem gótica, como a figura do demônio. Algo assustador, eu diria.

No momento mais... negro da história, o ônibus parou, e então o motorista olhou diretamente para mim e disse:

- Fim da linha, garoto.- Algo muito ruim mesmo. Havia perdido a parada. Morava a três quadras parcialmente grandes, e o fim da linha era praticamente o caminho da escola. Sendo que minha mãe levava-me de carro todas as manhãs, devido à considerável distância.

- Ah, obrigado!- exclamei, pondo minha jaqueta de couro, e guardando o livro na mochila.

Assim, que desci do ônibus, ele arrancou imediatamente. Olhei ao redor. Eu parecia estar só. Talvez um gato estivesse por perto, para me amedrontar, mas algo fútil naquela hora. Tudo escuro. Uma corrente de medo subiu minha espinha, dando-me uma seqüência de calafrios. Foi nesta hora que o pior veio à tona.

- Está perdido?- disse uma voz vinda de perto.

Olhei para trás, temendo o que veria. Imaginei um homem grande, com roupas rasgadas, querendo me assaltar. Mas pelo contrário, era um homem, digamos que bem arrumado. Alto e se não fosse soar estranho, bonito. Vestia um ‘sobre tudo’ preto, sapatos de couro preto e um chapéu, bloqueando a visão a seus olhos.

- Er, não! – exclamei, desviando o olhar.

- Eu moro na outra rua. - Ele disse, apontando para uma travessa escura, mal iluminada por causa das lâmpadas quebradas. - Posso te ajudar.

Ah, claro! Perfeito. Estava em uma rua praticamente sem iluminação. Com um estranho. Ops, ele não era estranho. Morava na outra rua como dissera.

- Hum, sabe... eu devo ir... está tarde... - Disse retirando-me em direção a rua mais longe possível da dele.

Eu estava com medo novamente. E naquele lugar angustiante, à noite, a sós com um desconhecido. Notei sua voz aveludada, e fria, penetrar minha mente. Imediatamente o homem, atravessou-se em minha frente, parou-me com a mão, grande e trêmula, e exclamou em tom baixo:

- Você precisará da minha ajuda! Você irá aonde eu disser!

Ele terminou de falar e eu sentia que não sairia daquela rua tão cedo quanto esperava. Olhei ao redor procurando ajuda, insistindo na idéia de que alguém por perto poderia me ajudar. Não havia ninguém, nem mesmo um gato preto. Estávamos completamente sós.

- O que você quer comigo?- Exclamei.

- Eu? Só sou um cidadão muito solidário, que quer ajudar um adolescente perdido. Sabe, quando eu era mais jovem, adorava me perder, se é que me entende. Enfim, não estamos falando de mim. Vamos?

Que o fazia pensar que eu iria?

- Bom, minha mãe está me ligando- exclamei, rapidamente apanhando o celular, para encenar, com o objetivo de enganá-lo.

Não foi suficiente. Ele foi mais rápido que eu, pegou meu celular. O reflexo dele me assustava.

- Mentir é feio, sabia?- O ar faltou. Quando vi, estava no chão. Foi tão... surreal. Ele me derrubara em questão de segundos.- E é melhor não dar uma de espertinho e tentar fugir.

- O que você quer? - repeti.

- Eu já disse só quero te ajudar.- Falou ele agora cauteloso.

- Onde você vai me levar? - Perguntei desesperado. Quando percebi que ele me puxava pra rua sem iluminação.

- Oh, que falta de educação de minha parte, me chamo Victtorio interrompeu-me antes que pudesse gritar socorro.

- Largue...O...Meu...Braço!- Falei exasperado.- Quer dinheiro? Não tenho. O que quer? Já está com meu celular, pode me soltar?

Que súbita coragem era esta?

No mesmo instante, violentamente jogou-me contra uma parede marcada por pichações e tijolos escuros. O que leva uma pessoa a agredir um desconhecido, que mal sabia o caminho de volta para casa? Uma coisa eu tinha certeza: ele não era um estuprador tarado. Nem um simples cidadão em um dia ruim. Havia algo mais. Algo além de meus olhos.

Parecia irritado agora, a ponto de... não sei bem o que ele faria, ou qual seria o meu destino, mas não era um campo florido na Inglaterra. Isto era obvio.

Senti meu telefone vibrar alto, com um toque mais alto ainda. Mensagem de texto.

Victtorio, ainda calmo, puxou um iPhone do bolso.-Ops, telefone errado. O meu era um simples quebra galho, preto e com a tela rachada. Eu não tinha uma boa relação com eletrônicos. Eles... me deixam confuso e estressado. Então sacou o meu telefone, e reproduziu a mensagem: -MATHEW, ESTOU NA CASA DE PAUL (Paul era o namorado da mãmae) JÁ CHEGOU EM CASA? TALVEZ, EU DURMA AQUI. CUIDE-SE, ESTOU DE OLHO EM VOCÊ. TE AMO, FILHO.

Imaginei minha mãe rindo na parte do \"ESTOU DE OLHO EM VOCÊ\". Pena que não cumpriria a parte de cuidar-me.

- Então... tem família e uma mãe preocupada? - Ele falou, como se fosse consigo mesmo. Gesticulou para segui-lo, então viramos a esquina, chegando à rua onde supostamente esse homem mora.

- Onde estamos?- Oscilei, já não tão com medo, e ignorando totalmente o comentário sobre minha mãe.

- Esta é Mashptton Clound, uma antiga casa, onde eram feitos contatos com espíritos.

- E?

- Certa noite em contato com seres ocultos. Os anitogs moradores foram amaldiçoados pelos atos sobrenaturais.- Disse em tom sombrio, mas sério.

-Por quem?

-Deus.

-Você me trouxe aqui para isto? Eu fui agredido por uma velha história banal, de pessoas mortas, que contatavam mortos?- Questionei incrédulo.

Me ignorou.

Ele me puxou, pondo as mãos em meu ombro. Agora já estávamos caminhando. Ele parecia com pressa e a resposta que ele fez questão de não me responder estava me deixando com medo novamente. Normal.

Estávamos indo em direção a casa. Esta sem grades, ou sequer um portão de madeira. Era alta, construída com imensas pedras, e telhado vermelho. Janelas da frente quebradas, e a porta aparentando decadência. Não tinha gramado, apenas algumas estatuas de gárgulas e pedras.

O que seria possível? O que eu teria haver com aquele lugar? Ridículo. Em todo o caminho eu me contorcia, tentando tirar suas mãos pesadas do meu ombro e meu braço. Sem sucesso.

-Não se preocupe rapaz, não vou te matar.- Colocou-me de pé em sua frente- Ao não ser que...

Pela primeira vez torci para que ele completasse a frase. O que diria agora? Ao não ser que... você peça, pensei.

Pensamento idiota. Na euforia, e medo, eu diria qualquer coisa para tentar sobreviver. Mas afinal o que ele queria? Pôr-me medo? Já havia conseguido. Agredir-me? Também. Ou... Não, nem pensar!

-Tá, o que vamos fazer agora? Tomar um capuccino comendo pães de queijo?- Não, espere... tive uma idéia: Quem sabe ir no McDonalds?, pensei.

Ficou em silêncio.

-Já conseguiu me assustar, agora posso ir?

-Vamos entrar- falou. Incrivelmente parecia estar falando sério.

-O que? Ai... Sério...já chega! - disse virando as costas para o cenário mórbito atrás de mim.

-Falo sério.- Havia perdido a postura irônica de algum tempo atrás.

Então me deu um breve empurrão, que me direcionou a imensa fechadura. Abri.

Quando entrei na casa, me senti num seriado. Só que eu não estava num sofá confortável vendo tudo acontecer, e já tendo ideia do que ocorreria, pela visão dos outros personagens. Eu estava no mundo real.

Com os olhos semicerrados, avistei uma escada de madeira. Madeira velha. Entrei na casa.

Uma mistura de loucura, incompreensão, e euforia, tomaram minha face. Logo, estava suando frio, e chorando. Chorando muito.

-Suba as escadas.- Ordenou.

Obedeci.

-O que vamos fazer?- perguntei quase que automaticamente.

Caminhei lentamente em direção a porta, e por curiosidade virei bruscamente para trás a procura de Victtorio. Não havia nada. Então pensei rapidamente em fugir.

-Nem pense, em fugir.- Ameaçou.

Puxei o zíper da mochila, e peguei rapidamente uma garrafa d’água. Abri a porta, e não fiz nada além de lentamente, jogar-me ao chão. Tomei a água. Desabei.

- Ei... rapaz!- disse ele em tom parcialmente baixo. Ele estava ao meu lado, sentado.

Quando dei conta havia desmaiado. Olhei o relógio, 03:07 apontou. Passaram-se sete horas, desde que saí da biblioteca.

E agora?, reproduzi meu pensamento em voz alta.

-Vou lhe contar uma velha história.- Disse com voz abafada.-

“Jullian MacGregorr, era um jovem aparentemente calmo.”- Fez uma pequena pausa. Tossiu.- “ Vivia em barzinhos e bordeis, depois da morte dos pais. Quando estava em casa, violentava a empregada, única pessoa na casa, além de si mesmo. E a ameaçava, caso sumisse, ou se revelase o que acontecia dentro daquela casa. E o que a obrigava a continuar nessas péssimas condições de vida, era o teto para morar, e o medo das punições da época, 1769.

Certa vez, chegara completamente bêbado de uma de suas orgias, e então encontrou Lanna, a empregada, banhando-se no quarto de seus pais, onde guardava todas recordações de seu passado oculto.

- O que faz aqui?- exclamou furioso.

- Eu? Ah, me desculpe senh...- Na tentativa de desculpa, foi surpreendida por um murro na face pálida. Caiu.

- Vadia!-Chutou-a. E deu uma seqüência de socos no crânio.

- Eu...- Mais um chute.- Pareee!

Obedeceu. Não com dó ou caridade. Planejava nova tentativa de tortura.

Pegou-a pelos longos cabelos loiros, e a jogou ainda nua, no corredor. Em seguida, puxou seus cabelos novamente, arremeçando-a num quarto escuro e sem janelas. Com apenas uma porta de madeira, e pendões enferrujados ao lado.

Voltou ao quarto, algum tempo depois. Desta vez com uma faca, um livro, grandes velas brancas, e uma espécie de pó branco.

- Perdoe-me, senhor! – Chorando a empregada, implorou com a mão na cabeça, tentando, sem sucesso, amenizar a dor.

- Cale-se. - Disse friamente.

- O que está fazendo? – Questionou observando os círculos que fazia, um dentro do outro. Pareciam círculos comuns. Até finalizar com uma imensa estrela. Então apanhou as velas, e acendeu. O cenário era algo horrendo. Simulava um filme de terror.

Com o ambiente pronto. Abriu o livro, ainda em mãos.

- Ó Deus, peço-te que purifique esta alma pecadora.

- O que está fazendo? – Repetiu.

- Pecadora foi. Pecadora é. E assim deixarás de ser. Peço-te que dei-me as forças para assim, executá-la.- Ignorou.

- Pare. Senhor, peço-te perdão. Pare. Aaaaaaaaaaaah!

- O grito, o pó branco do Fitrocarpium Negro, a maior estrela, Santanela, o Cirlórium Fettali, o sangue...

Em seguida levantou a faca, e golpeou-a. Cortando o seio. Jorrava sangue.

Jogou a faca com o sangue, no círculo, junto com Lanna, quem puxou o cotovelo.

- Ó Pai, ofereço-lhe o corpo do ser pecador. Levaio para o Vale das Sombras. De onde não deverá sair até o fim de seus dias.

O grito estava empacado. Não saia. Mal sabia que ela estava grávida.

Então o corpo de Lanna, remexia-se no círculo. Saindo do chão.

- Ó Pai, assim finalizo, o sacrifício.

Porém, o corpo ainda continuava em conflito, levando os baldes a voarem, a porta bater com força descomunal, e os pendões caírem ao chão. O barulho era enlouquecedor e surgiam vozes agudas em sua cabeça. Jullian voltou a apanhar a faca, e observou o corpo flutuar.

Já sem o livro, proferiu as palavras:

- Dei-me forças para conter o Demônio.

Lanna, caiu. A porta parou, os baldes caíram e o som de gritos internos cessou. Então sentiu uma movimentação estranha no abdômen de Lanna. Era uma coisa forte, mesmo pequeno. Veio-lhe a cabeça: está grávida... De mim.

Caiu e começou a chorar excessivamente.

O corpo nu de Lanna, estava sujo e tomado por hematomas. Ao lado, Jullian olhou seus olhos agora sem expressão, e notou que estava viva. E aquela coisa... também.

-Nnão podde me enlooqueccer. Nnãããoooo poodde! Vá para o inferno demônio.

Socou o chão, e sentiu uma pressão no punho. Plact. Quebrara. Mesmo quebrado, puxou a faca e levantou-a.

-Nãããão!- Enterrou-a na barriga de Lanna, agora morta. A coisa mexeu. E então Jullian foi arremeçado a parede de pedras imensas, que tampava a visão de Lanna, ao mundo lá fora.

- O que está acontencendo!? Pareee Demônio.

Jullian agora sentia tanto o punho fraturado, quanto a costela agora quebrada, e o sangue escorrendo até os pés.

- Entrego-me a morte, mas deixo um pedaço de mim... na terra.

- Fim! – anunciou Vittorio.

Eu estava sem palavras.

- E o que isso me envolve?- Tentei manter a ironia. Impossível.

- A partir daí o espírito do filho do Demônio, executou setecentas e setenta e sete reencarnações.

A-I-M-E-U-D-E-U-S. Eu odiava números iguais. Ainda mais com essa história de Demônio, reencarnação, morte.

- Isso quer dizer que...?- falei- Espera aí, como você sabe de disso?

- Sou a Setecentésima Septuagésima Sétima reencarnação, de Drakkos. Eu sou o filho do Demônio.

Fim de história... Pra mim.

Neste momento já nem pensava em fugir.

- Ah, saquei! Você quer ajuda pra passar o creminho antirugas... ? – Brinquei. Sem humor. Voltei a seriedade.- O que aconteceu com a casa depois disso afinal?

- Os anjos de Deus, viram levar a alma de Jullian. Meu pai. Então a casa foi destruída por uma guerra travada entre os anjos e os demônios. – Exclamou- Mas não se preocupe, a guerra já havia duzentos bilhões de anos.

- E é essa a casa?

- Você é um rapaz muito inteligente. Estou começando a gostar deste corpo...

- Hey, como assim?!

- Inteligente, e em certos pontos tão ingênuo. - Revirou os olhos.- Não se preocupe, não vai doer nada.

Eu estava frio, com olhos arregalados e mãos tremendo. Sentia. Não aparentava vida ou esperança.

- Seja rápido!- gritei.

- Claro!- Respondeu calmamente.

- Vamos lá, cadê o livro, pó da arvorezinha, estrela, círculo...- Minha voz falhou- faca, sangue...?

- A tecnologia melhorou muita coisa. Sabia?- De novo a tecnologia. Tenho mais motivos para odiá-la...- Brincadeirinha. Se eu sou o filho do Demônio, porque precisaria disso, ou de qualquer pedido a Deus?

Fazia sentido.

-Mas porque eu?- Insisti pela milésima vez, sem ninguém para me socorrer, sem para onde fugir, não estava mais gritando, o medo se misturou a falta de esperança... não sairia dali.

-De novo essa pergunta, rapaz? Estou começando a desistir de você- Isso!- Mas, fique calmo, não desisti, ainda.

Ainda tinha chances?

-Não se encha de esperanças, rapaz. Você foi o escolhido. Nasceu no ano de Chágaz, o Demônio da Morte.

-Acho que isso não é bom...

-Pense pelo lado positivo. Quem vai possuir seu corpo? Moi. Fique calmo.

-O que está faltando?- Perguntei por fim.

-De mim nada. Mas só são 3:30 da madrugada. E o processo começa... Qual a sua idade mesmo?

- 15- Menti.

- O.k. 17. Vejamos, começará as 97:53.

- 97:53?- Questionei.

- Esqueci, estamos na terra. Começa agora.

Ah, legal.

-Vamos, vamos. Você não quer perder, quer? Não, não! Não responda! – Interrompeu meus pensamentos nem formados.

-Então... Né? Prometeu ser rápido.

Quando vi, já estava entregue. Não tinha esperanças. Eu sabia que ia morrer.

- Drakkos Fellizartum Belzebooz Caiéd FinatroClariuntto. Este é seu novo nome.

Então visou sua mão grande. Estranhamente círculos e estrelas pela metade começaram a surgir e aglomeraram-se rapidamente. De repente, sua mão estava totalmente tomada por um pentagrama no centro. Agora seus olhos já não eram castanhos, mas sim, negros. Completamente. Assim as tais órbitas negras saltaram para fora, e voltei-me para as mãos dele, de onde saíram imensas unhas, também escuras.

Ao observar o corpo, vi uma imagem inesquecível. Nada boa. A pior que poderia existir. Os olhos saltados, as mãos agora eram só veias, ainda com as marcas, os pés saltaram para fora dos sapatos de couro, e das costas surgiram imensas... não sei bem o que eram. Pareciam asas. Quebradas, e pontudas. Uma em cada vértebra.

E o pior. A boca deixara uma linha delicada e calma. Agora havia dentes pontudos e gosmentos, no lugar dos dentes devidamente alinhados. E a carne do lábio inchara, tornando-se algo anexo aos olhos. E não havia nariz.

Eu me tornaria aquilo? Mas Victtorio/Drakko era aquela figura sombria que causaria medo até no Rambo.

Estávamos em pé, frente a frente. Agora.

Ele tocou-me com a mão. Tentei esquivar. Fracassado. Senti a morte.

- Bathsboolxftars.- Urrou de forma assustadoramente alta, mas abafada.

Eu entendi. Diga: Bem vindo!, disse Drakko. Ou sei lá, quem fosse. Naquela hora não sabia nem meu nome.

Voou em mim, derrubando-me. Rasgou meu braço, quebrou as pernas, e afundou o crânio. Virou-se abriu a boca e...