Crônicas de Ester

Victória nem viva nem morta


Estava ali, perante a porta da casa humilde em que Lucas havia passado a tarde descansando, uma linda mulher de madeixas castanhas e de pele clara, vestida de ceda branca e folgada. O vento desembaraçava os seus cabelos e sua roupa branca ao mesmo tempo em que seus pés descalços tocavam aquela areia. Lucas estranhou:


_ Victória, não é?


A mulher fez uma reverência. Lucas continuou:


_ Você não está morta?


Victória deu de ombros:


_ Não sei mais! As vezes estou, outras vezes não! Não entendo o que me aconteceu!


_ Mas como pode alguém não saber se morreu?


_ Eu senti toda a dor de uma morte! Mas não sei se morri de verdade...


_ Bem, você me parece ótima agora! Sua mãe vai ficar muito feliz em vê-la!


Victória correu ao encontro de Lucas:


_ Você não pode contar a ela! – Colocou a mão nos lábios do falso soldado – Eu não sei se estou viva! Se eu não estiver, já imaginou a tristeza de minha mãe? Ela terá a filha por algum tempo, até que descubra que eu estou morta! Ficará cheia de esperança e depois perderá toda ela de uma vez! Sua dor será imensa!


_ Isso é bem verdade!


_ Pois então! Prefiro continuar morta, para todos os efeitos! Só eu sei o quanto minha mão sofreu na oportunidade que o soldado que está estirado aí no chão, me atingiu no abdômen com seu disparo.


_ Então você está vingada, se isso lhe serve de consolo!


Victória sorriu. Tinha um sorriso muito bonito por causa dos dentes brancos e os lábios carnudos. Seus olhos amarelados fitaram as medalhas de Lucas antes da sua pergunta:


_ É um soldado de alta patente, não é mesmo?


_ Que nada! Peguei do defunto ali! Na verdade, não sou nem soldado! Estou procurando uma pessoa!


Victória não deu muita atenção:


_ Leve-me contigo! Quero descobrir se estou viva para então poder voltar á minha casa e para minha mãe!


Lucas olhou para os lados:


_ Mas e sua mãe? Ela dará falta do seu corpo, não acha?


_ Tenho uma idéia, escute! Eu vou voltar para a cama e fingir que estou morta. Quando minha mãe dormir, partiremos!


_ Está bem!


Victória voltou para dentro de sua casa enquanto sua mãe e outros moradores aliviados deixavam as dependências da igreja. Aproximaram-se de Lucas e o cumprimentaram pela vitória. Depois de explicar como conseguira vencer os inimigos, Lucas se retirou juntamente com a mãe de Victória. Quando entraram em casa, a senhora entristeceu:


_ Lembrei que minha filha está morta! Que amanhã terei de sepultá-la. – Abraçou Lucas e chorou.


Por um momento, Lucas pensou que estivesse alucinando Victória viva; que provavelmente, ela nunca havia falado com ele. Cheio de dúvidas, retirou-se para dormir. A mãe da moça ora morta, ora viva dormiria em seu quarto, enquanto o militar falso, na sala. O corpo de Victória estava repousando em seu próprio quarto.


Mas Lucas não conseguiu tirar da cabeça o plano de partir dali com Victória. Tanto que não pregou o olho durante a madrugada e em dado momento, constatando que a mãe de Victória dormia profundamente, levantou-se e foi até o quarto da defunta:


_ Victória! – Chamou baixinho – Vamos embora?


Mas não houve resposta. Ainda que estivesse escuro, Lucas conseguiu se aproximar e colocar seu ouvido no peito da falecida. Antes mesmo de perceber que o coração não batia, ele soube que Victória estava morta por causa da temperatura gelada de seu corpo:


_ Mas que diabos! Eu devo estar ficando maluco! – Ele gesticulou um não com a cabeça – Desde que resolvi procurar por Iara, muitas coisas estranhas estão me acontecendo... Mas não posso perder de vista meu objetivo! Victória, morta ou não, amanhã bem cedo você será sepultada! – Deu meia volta para retornar à sua cama improvisada.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.