Brasil não estava muito certa se queria se juntar à América nessa guerra.

Ainda que tivesse uma paixão platônica pela nação norte-americana, a admirasse e tentasse a todo momento chamar sua atenção, Luciana achava que entrar na guerra europeia era besteira. Seu chefe, Seu Vargas, inicialmente nem negou nem foi de acordo com a ideia; ficou, para variar, em cima do muro[1], deixando um suspense no ar com o chefe estadunidense, como o Pai dos pobres[2] gostava.

Ao decidir não tomar um partido no começo, América ficou sem opções senão ir embora com a promessa de voltar para saber qual seria o posicionamento de Luciana. As duas conversaram, América sempre foi gentil e falou macio com Brasil, mas a jovem de cabelos cacheados não conseguiu deixar de notar nem o grande porrete que a loura carregava nas mãos, nem o tom impaciente e imponente na voz da ex-colônia britânica. Luciana sabia: América queria seu posicionamento, e queria o mais rápido possível. Mais que isso, queria seu posicionamento ao seu lado, inevitavelmente.

Seu chefe tinha consciência disso tudo, mas, claro, não tomou o posicionamento que a senhorita Jones queria logo de cara; também não se aliou ao Senhor Ludwig, já que por mais que flertasse um pouco com o nazismo, não era tão radical, nem tão maluco a ponto de contrariar tão rapidamente a jovem nação estadunidense, sua aliada há tempos.

Vargas e Brasil não tiveram pressa para se decidirem. Na verdade, seu chefe enrolou o quanto foi possível, dando piscadelas para o regime nazifascista e, em seguida, para as leis trabalhistas e para a esquerda. Enquanto isso, América e seu chefe apertavam Luciana, espremendo-a, exigindo que a nação sul-americana se posicionasse favoravelmente à “liberdade e democracia”.

E, por esse motivo, a jovem mulata de longos cabelos ondulados caminhava em direção à sala de acordos, a fim de negociar com América seu posicionamento. Sim, negociar, porque evidentemente as coisas na política nem sempre são feitas pelos ideais, na verdade, na maioria das vezes, eram feitas pelo interesse; e a ideologia ou religião tendia sempre a ser uma cortina para cobrir os verdadeiros interesses. Brasil tinha a completa consciência disso, ainda que fosse vista pelo mundo como uma nação pacífica, submissa e inocente. Claro que ela não era assim. Não era forte o suficiente para se impor com o uso da força, mas também estava longe de ser ingênua quando se tratava de negociar. Longos anos de corrupção, advindos desde a época que se conhecia como país trituraram sua ingenuidade, de forma que, quanto mais vivia como Federação Brasileira, mais aprendia truques de negociação.

Suspirou, entrou na sala e viu seu chefe se dirigir a outra sala para falar à sós com o presidente dos EUA. Sentou-se na cadeira, encarando a jovem loira à sua frente, que a esperava com um sorriso no rosto.

—Olá, Brasil. Estava te esperando. –Disse ela, sorridente. Vestia shorts jeans curtinhos, botas de cowgirl de couro, top cobrindo os seios com bandeira estadunidense, e a jaqueta de aviadora por cima –ainda que fosse Dumont o pai da aviação. Luciana notou que América estava tensa assim que observou a linguagem corporal da loira (ombros rígidos, pernas balançando) e estava, dessa vez, sem seu imenso porrete nas mãos. –Precisamos conversar sobre algumas... coisas.

Ela engoliu em seco e sentou-se na poltrona em frente à estadunidense.

—Eu sei. –Replicou ela, gentil, porém confiantemente ao mesmo tempo.

—Então... –América parecia tentar encontrar a forma mais sutil de abordar o assunto, mexendo os dedos e encarando o chão, meio sem-graça. Gastou somente alguns poucos instantes pensando em uma maneira e, quando não encontrou, falou da forma nada sutil mesmo –Queremos saber qual o seu lado nisso tudo.

Brasil suspirou. Encarou os olhos azuis da estadunidense.

–Tem certeza de que a guerra foi a melhor saída para isso tudo? Não haveria outra forma de os europeus entrarem num acordo? –Ela indagou, puxando para trás uma mecha ondulada de seu cabelo castanho –A primeira guerra não foi sangrenta o suficiente? Entrar em uma segunda me parece imprudente; eles vão se destruir, e nos destruir também. –Ela afirmou, com preocupação e seriedade incomuns em seu olhar.

—A guerra já foi declarada, Luciana. –América sentenciou, parecendo ligeiramente irritada por suas ações e posicionamento serem questionados –Se eu não interferir, eles vão se destruir. Alemanha vai tentar matar França e Inglaterra, e os dois vão tentar matar Alemanha, Itália e Japão. –A loura pareceu subitamente cansada. Realmente parecia necessitar da ajuda da brasileira –Se deixarmos, vão devastar a Europa inteira, de Leste a Oeste. A Polônia foi só o começo. Hitler não vai parar. Precisamos salvar eles, Luciana, você não entende?

—Então... você pretende intermediar os dois lados? –Perguntou Brasil com escárnio; ela sabia que não, mas queria ouvir da boca de América, para que fosse possível conduzir seu raciocínio.

—Claro que não, a parte diplomática desse conflito foi ‘pro buraco há eras, quando Hitler se recusou a sair da Polônia. Vamos ter que entrar na briga mesmo.

—Então... você me diz que quer salvar os Europeus. –Luciana indagou ao erguer uma sobrancelha de forma cética.

—Sim, claro! Eu sou a heroína. –Ela falou, segura de si. Colocou a mão fechada no peito, como se jurasse algo.

—Mas... Você vai destruir a Alemanha.

—O Alemanha invadiu o Polônia! Ele está fora de controle e precisa ser detido! –Replicou. –Ele vai destruir os outros enquanto destrói a si mesmo! Precisamos impedi-lo.

—Mas você pretende então salvar o Alemanha da destruição destruindo ele? –Ela ergueu a outra sobrancelha, se divertindo internamente enquanto confundia a norte-americana.

América pareceu desconcentrada por breves instantes, provavelmente surpresa com o fato de Brasil estar questionando tanto suas ações. Ela encarou o nada com confusão no olhar. Acabou então irritando-se levemente; balançou a cabeça para interromper o raciocínio, enquanto punha a mão na testa.

—Silva, você está ou não comigo? Fala sério, você sempre esteve ao meu lado, vai me deixar na mão agora? Você é muito importante para isso tudo! –Ela assegurou, encarando os olhos verdes brasileiros com suas órbes azuis e fechando o punho, como quem pede com muito afinco alguma coisa –O Alemanha enlouqueceu com esse negócio de raça superior e caça aos judeus! –Do jeito que América falava, parecia que Brasil tinha um exército superpoderoso e essencial aos Aliados, coisa que Luciana sabia ser uma mentira completa. Por alguns instantes, entretanto, a fala de América deu à brasileira a expectativa de ser importante para os EUA. Fez com que ela se sentisse especial, ainda que ouvisse uma voz abafada em sua mente dizer “Ela está te manipulando!” sem parar.

Brasil pareceu considerar um pouco... e se América estivesse certa? Afinal, o país do samba realmente estivera sempre ao seu lado. E a estadunidense sempre vencia. Sempre. Então talvez fosse sábio continuar ao seu lado.

—E mais! –Continuou ela, como se lesse amente de Luciana –Você sempre esteve ao meu lado! Me diga, quantas vezes eu deixei de alcançar meus objetivos? –Ela deu alguns segundos para que Luciana pensasse, não muitos –Viu? Nenhuma vez.

—Certo... –Falou a menina de olhos esmeraldinos, encarando com cautela a norte-americana –Então quer mesmo que eu entre nessa. –Indagou lentamente, como se precisasse convencer a si mesma que aquela era uma boa ideia.

—Claro! –Ela se ergueu de repente, puxando Luciana para seus braços, e passando sua mão atrás da latina, segurando-a pelo ombro –Você é minha amiga desde sempre, e sempre será... –O tom de voz de EUA mudou. –Não é mesmo, Brasil? Você sempre estará comigo, não é? –Ela apertou Luciana contra si com força, a encarando agora com um olhar semicerrado perigoso e dissimulado.

—S-sim, América –Luciana sorriu, sentindo-se, de repente, ameaçada pela estadunidense. Era como se aquele olhar divertido e bondoso de repente tivesse se tornado letal. No entanto, ao receber essa resposta, América pareceu relaxar, tornando o aperto mais amigável –Mas... eu vou precisar de um auxílio.

América pareceu ligeiramente surpresa –não muito.

—Claro, tem toda a questão humanitária, eu adoraria ajudar nisso, mas sabe que não sou exatamente a melhor na arte da guerra (ao menos não na guerra de porrada). Eu precisaria de uma ajudinha, sabe? –A confiança da menina de pele morena voltou, e Luciana, respirando fundo, lembrou-se de que tinha de negociar e encontrar algo para beneficiar-se com sua entrada na guerra –E de alguns incentivos, porque meu país anda precisando se industrializar mais, melhorar a infraestrutura e tudo mais... –Brasil a encarou com um diminuto sorriso nos lábios carnudos e vermelhos, encarando a estadunidense de soslaio.

—Você quer incentivos, hã? –América olhou para ela de canto dos olhos. Seus órbes pareceram cheios de malícia. A menina de cabelos louros encarou a morena por alguns instantes, e Luciana não virou o olhar uma só vez, mostrando-se indisposta a entrar na guerra sem algum lucro. Ambas sustentaram o olhar uma da outra, América pensando se ajudaria a brasileira de boa vontade ou arruinaria sua economia de alguma forma, e a sul-americana desafiando a estadunidense a se recusar a ajudá-la. Se encararam até que Luciana viu um pequeno e lascivo sorriso brotar nos lábios rosados da garota de pele clara.

Estados Unidos da América aproximou-se da rapariga de pele de mogno, tomando com as mãos o rosto da brasileira e aproximando seus rostos até que a distância entre eles fosse praticamente zero. As testas se encostaram; os narizes também. Um lábio roçou no outro quando América falou:

—Eu lhe dou incentivos, então, para ficar ao meu lado. –Encarou-a intensamente, olho no olho, e beijou-a. Luciana sentiu os lábios de América colarem-se nos seus com vontade, prensando-os, sugando-os repetidas vezes até que ela lhe enfiasse a língua dentro da boca de Brasil. A menina sentiu os cabelos compridos serem agarrados com força pelas mãos claras, puxados, os dedos norte-americanos acariciando sua nuca e pescoço num misto de suavidade e urgência.

A sul-americana não demorou a passar os braços pela cintura da menina de olhos azuis-claros, apertando-a contra si. América empurrou a latina para a poltrona onde estava antes sentada, prensando-a contra o assento e sentando-se em seu colo. A brasileira só não corou violentamente porque sua pele era mais escura, de forma que a estadunidense só pôde perceber um leve rubor em sua face.

Luciana, envergonhada pelo rumo que as coisas estavam tomando, tentou afastar a loira de seu colo. Estamos numa sala de reuniões! Pensava. E se alguém entrar aqui?? Que vergonha! Não que não quisesse há tempos um beijo de América. Queria. Queria muito. Mas... tinha que ser ali, naquela hora? Estados Unidos pareceu não ligar se sua amiga estava ou não envergonhada, e recusou-se a sair de cima de Luciana.

—O que foi? –Perguntou, impedindo Brasil de sair daquela posição, ao mesmo tempo que aproximava sua boca da orelha da morena –Não queria incentivos, Luci? –Sussurrou de forma vagarosa.

—N-n-não era b-bem esse tipo de incentivo que eu esper –Ela foi cortada descaradamente por um outro beijo demorado e provocante, seguido de mordidas em seu pescoço.

—A-América, s-sério, estamos numa sala de re-reuniões... –A loira continuava a prender a menina de olhos verdes brilhantes na poltrona, sentada em seu colo, as mãos claras não mais enluvadas sendo passadas pelos cachos brasileiros lentamente, de forma a arrepiarem totalmente os pelos da nuca de Luciana.

—E daí? Não está gostando de me beijar? –O tom dela parecia estar entre malandro e magoado –Porque... se não estiver, eu paro –Falou de lentamente, com os lábios colados nos de Luciana. Os olhos se decifravam, os de América, confiantes, poderosos; Os de Brasil, nervosos e animados ao mesmo tempo. Luciana estava gostando daquilo. Mas não achava que aquele local era o melhor de todos para aquilo. Não respondeu nada –Viu? –Disse alegremente a loira, fechando os olhos e sorrindo, abrindo-os em seguida –Você gosta, gosta. Só não quer admitir. Mas tudo bem! –Ela se ajeitou de forma sensual em cima de Brasil, que então agradecia por ter nascido com pele mulata. Uma das mãos claras estava acariciando os cabelos castanhos da jovem, a outra, subia pela barriga –Eu vou continuar assim mesmo, porque sei que está gostando. –Deu uma piscadela para a mais nova.

Mas que convencida, heim!, pensou, bufando, e estremecendo em seguida pelos beijos que recebia no pescoço, na orelha esquerda, nas clavículas... América acariciou as bochechas mulatas de Brasil, lambendo sua garganta e então beijando-a provocantemente, colando o corpo no de Luciana. A morena não teve escolha a não ser se render às carícias, que se tornavam cada vez mais ousadas, e suspirar abraçando América.

A sensação naquele momento era tão inebriante que se a loira mandasse Luciana se atirar de um penhasco, Brasil achava que provavelmente a teria obedecido. A loira estava praticamente no controle da jovem de olhos verdes; nunca se sentiu mais a mercê de América do que naquele momento. Os movimentos provocantes que a jovem de órbes azuis fazia, os carinhos, suas mãos escuras acariciando de forma envergonhada a cintura pálida da estadunidense, todos os pensamentos fundiam-se e separavam-se, criando uma confusão mental tremenda em Luciana. América, ainda animada, distribuía beijos em Brasil, ora na boca, ora no queixo, ora na garganta, pescoço, ombros, sem parar. As vezes brandos, outras vezes, ferozes, América era de enlouquecer qualquer um.

Pararam de repente para tomar mais ar. Tanto a latina quanto a anglo-saxônica estavam ofegantes e suando. O peito de Luciana subia e descia rapidamente, enquanto a brasileira expelia o ar. América encarou Brasil com divertimento no olhar, semicerrando os olhos claros. Olhou-a rapidamente, seu rosto perto do de Luciana, os narizes colados, olhos vidrados, corpos ofegantes. Paralisaram. O único ruído no ambiente era o de seus pulmões clamando por ar, mais ar. América soltou um riso de repente.

—Bem, eu disse que daria incentivos. –Ela riu, olhando maliciosamente para Brasil e erguendo-se, rápida, de seu colo. Pôs-se de pé, mãos na cintura, imponente. –Gostou? –Lambeu os lábios, sensual.

—Hã, er... com certeza –Brasil corou novamente, desviando o olhar. Mal conseguia encarar América nos olhos, de tanta vergonha! Ainda que tivesse a fama de ter belas mulheres e homens divinos, praias fabulosas e ser o país do samba, alegria e amor, a forma humana da República Federativa do Brasil ainda era jovem. Muito embora aquele não fosse seu primeiro beijo, fora o mais provocante, avassalador; principalmente por ter sido dado pela sua paixão platônica, EUA. Ela ofegou e suspirou, finalmente olhando América. A coragem voltou. –Bom, eu realmente gostei disso tudo, acho que deu pra perceber... Mas não posso, realmente, participar de uma guerra sem que minha população não ganhe nada. Mais que isso, meu país realmente precisa de melhorias industriais e na infraestrutura. Eu...

—Já entendi, Luciana –América cortou-a, parecendo, ao mesmo tempo, irritada com a persistência da latina e se divertindo com seu constrangimento. Luciana da Silva só pôde pensar que a loira já sabia que ela iria pedir isso, porque tirou, de repente, bolos de dinheiro de sua bolsa a seu lado –Aqui está. Um incentivo mais... prático para seu país: Verdinhas. Com isso você vai conseguir modernizar o país, industrializá-lo e tudo mais. –Brasil já ia agradecer, mas ela a cortou –E farei mais que isso, minha preciosa amiga, porque sou uma heroína e jamais deixaria você entrar nessa guerra sem os recursos necessários! Vou te emprestar dinheiro para que monte e treine uma aeronáutica decente e aviões. Vai treinar seu exército e marinha, deixá-los preparados para o que terão que enfrentar. Na verdade, vai treinar comigo também, antes de ir.

—O-obrigada, América. –Ela agradeceu, ainda meio em choque por ter conseguido o beijo e o dinheiro que seu chefe disse que precisava.

—Não há de quê. –Respondeu a loira, rápida –Agora, eu te dei as verdinhas e tals, mas em troca, terá que me deixar instalar uma base militar em seu país. Em Fernando de Noronha, para ser mais exata, porque essa localização me interessa muito. Pode ficar com elas quando a guerra terminar, assim como os aviões e as outras coisas. Mas terá que se comprometer a fornecer-nos apoio, lutar ao lado de meu exército e enviar mantimentos, médicos e pessoal especializado para auxiliar os aliados. Além disso, quero a permissão para meus aviões pousarem em seu território durante esse tempo. –Falou ela, encarando Brasil com seriedade.

—Eu me comprometo a ajudar vocês dessas formas. Podemos assinar os papéis agora mesmo, se assim quiser. –Luciana disse, solícita.

—Que moça prática –Comentou América, divertida –Se está disposta a me ajudar, vamos assinar, então.