Cronicas de Arcadia

A Aberração e o Ninguém - Parte 1


— Ozires? Ozires!

Alguém chacoalha um garoto atordoado que estava caído em meio a grama. Ele se levanta e leva a mão a uma das orelhas. Ozires sentiu algo viscoso e decidiu não olhar. O jovem olha fixamente para a pessoa que o segurava.

— Quem é você?... O quê...

O mundo começou a girar e ele sentiu as pernas fraquejar. A pessoa o segura.

— Está tudo bem – A voz era abafada. Como se Ozires estivesse de baixo d’água. – Vamos sair daqui.

— Não... Espera...

— Ozires, olha para mim.

Ela o segura deixando o rosto do jovem a alguns centímetros do dela. Só então Ozires percebe que era uma mulher.

— Quem é você? O quê sou eu?

— Ozires, você...?

O jovem desmaia.

***

Ozires despertar no meio da noite. Ele se senta e olha para frente. Na entrada, a mulher estava sentada abraçada a o que parecia ser uma espada. Só agora ele nota que estava em uma espécie de cabana improvisada que ficava escorada em uma grande árvore.

— Quem é você? – Ele pergunta.

A mulher suspira espantada e olha para trás. Quando o olhar dela encontra o dele, a mulher deita a arma no chão e engatinha até Ozires.

— Você salvou minha vida... – Ela diz abraçando fortemente o jovem. – Obrigada...

Relutante, Ozires retribui o abraço.

— O que está acontecendo? Por que você parece tão estranha e familiar?

A mulher desfaz o abraço.

— Meu nome é Valavë. Você não se lembra de nada?

Ozires faz uma careta de quem estava se esforçando para lembrar de algo. No fim, ele deixa os ombros rosto caírem e balança a cabeça.

— De nada até acordar com você me balançando.

Valavë senta-se de costas para a árvore.

— Você é... Meu escudeiro, Ozi. Fomos atacados por humanos hoje de manhã.

— Humanos...?

Vários flashes começam a passar pela mente do jovem. Humanos, Elfos, Anões, Ogros, Dragões e muitas outras criaturas. Ozires nota as orelhas pontudas de Valavë. Mais do que isso, os olhos quase prateados, o cabelo branco e liso, pele pálida e rosto pontudo. Ela era uma elfa.

Ele leva a mão às suas orelhas e sente o formato pontudo delas. Logo, ele também era um elfo.

— Entendi. Eu acabei de lembrar das outras raças...

— Que bom. Você era esquecido mas, nem tanto.

— O que aconteceu hoje de manhã, Valavë?

— Essa história pode ficar para outro dia. – A elfa pousa a mão na cabeça do escudeiro. - Você precisa descansar.

Ozires percebe que estava realmente cansado. Mas, a vontade de acabar com as dúvidas era maior do que o cansaço.

— Antes, me diga uma coisa. – Valavë senta em posição de lótus de frente para o garoto. – Como eu salvei sua vida? Quantos sobreviveram?

— Tivemos uma luta muito intensa. Eles atacaram de repente. Eu era... Uma das sentinelas da cidade. Era esse meu cargo e você era meu escudeiro. Lutamos lado a lado contra vários inimigos. Porém, no foi o bastante. Quando... Você aparentemente percebeu que não iríamos conseguir. Então, teletransportou a gente para longe.

— Eu sei usar magia!? – O jovem diz espantado olhando às próprias mãos. Então, uma pergunta se formou em sua mente: "O que é magia, exatamente?"

A guerreira faz uma de suas pausas analisando Ozires. Era muito estranho ele não se lembra de absolutamente nada.

— Sim, foram seus pais que lhe ensinaram. Mas, você nunca foi bom. Por isso, se tornou meu aprendiz.

— Ah... – O jovem diz meio decepcionado.

— Quanto aos sobreviventes, não sei ao certo.

Ozires passa a refletir por um tempo. Mas, dá de ombros e deita. A elfa vira-se e apanha sua arma.

— O que é um escudeiro?

— Amanhã, Ozires – Valavë fala num tom ríspido. Era evidente que ela tinha autoridade sobre ele.

— Por que você não vai dormir?

— Deixa de ser criança.

— Tudo bem.

***

Algumas horas se passaram deis de que Ozires adormeceu. Valavë estava sentada sobre os calcanhares, com sua espada repousada a sua frente. Ela aparentava estar dormindo ou até mesmo rezando. Mas, a guerreira estava com todos os sentidos afiados. Ela escutava o movimento das árvores, a correnteza calma de um rio, pássaros despertando alguns minutos antes do amanhecer, o cheiro de algum animal e de suas fezes. Este último tirou a concentração dela.

Valavë levanta-se e caminha em direção ao rio que estava há uma breve caminhada de distância. Ela agacha em sua margem e retira da cintura, em baixo de sua vestimenta, um recipiente em formato de copo, feito de bambu. Ela o enche e bebe a água do rio. Só uma criatura com os sentidos tão apurados quantos ao de um elfo teria escutado o som produzido por algo se arrastando pela grama. E só um guerreiro bem treinado iria reprimir os instintos de se virar em direção ao som. Valavë era mais do que os dois.

A elfa enche seu copo, tampa e o amarra novamente na cintura. Em seguida, começa a lavar o rosto. Dessa vez ela escuta pequenos estalados e o conhecido som de uma corda sendo tencionada.

"São pelo menos três" A guerreira conclui.

Num único movimento, Valavë agacha, apanha sua arma, e desvia-se da flecha que passa a centímetros de sua nuca, entre seus cabelos. Ela se levanta girando e correndo em zigue-zague desviando de novas flechas enquanto aparentava dançar. A elfa corre para atrás de uma arvore, protegendo-se do arqueiro e ficando de frente para um novo agressor. O inimigo encapuzado vinha correndo empunhando dois sabres. Antes que o agressor pudesse realizar o primeiro ataque, Valavë desfere um golpe lateral, pegando o inimigo de surpresa. Ele utiliza às duas lâminas para se defender, exatamente o que a guerreira queria. Sua arma, que ela chamava de Isil, ainda era desconhecida por outras pessoas. Descrevendo de forma simples, ela começava reta nos primeiros cinco centímetros e tomava o formato de um grande anzol. Tal formato era ideal para "fisgar" ás armas da mão dos inimigos.

O agressor estava surpreso com a velocidade que tudo aconteceu. Num instante, ele estava com suas armas na mão. No outro, a arma de formato estranho estava cortando seu pescoço. Após decapitar a primeiro inimigo, Valavë fica de frente para o segundo enquanto o terceiro vinha pelas suas costas.

O inimigo da frente vinha correndo girando uma espécie de lança. Ele desfere uma sequência de estocadas veloz seguida de golpes laterais pela esquerda e direita. A guerreira os rebatia girando sua arma pelo corpo e desferindo golpes em formato de arco. Arma e guerreira pareciam um só.

Enquanto a elfa girava o corpo, ela desviava dos golpes de espada do inimigo que tentava atingi-la pelas costas. Quase que em sincronia, os dois inimigos se afastam dela e param de atacar. Analisando-a ofegantes.

Valavë não aparentava cansaço. Ela respirava regularmente e observava seus oponentes com um sorriso no rosto.

— Aberração... - Um dos encapuzados diz.

O sorriso da guerreira se desfaz em fúria. Ela corre na direção dele e realiza um golpe de sua lâmina com um salto, de cima para baixo. O agressor que empunhava a lança da alguns passos para o lado saindo da trajetória da espada.

Valavë já imaginava que seu inimigo iria desviar desse ataque. Ela pousa sobre a perna esquerda flexionada e gira o corpo com a perna direita estendida. Emendando o ataque que vinha de cima em um golpe lateral no inimigo que veio por trás. A Isil cortou lateralmente a barriga do guerreiro de trás que caiu num grito engasgado.

O guerreiro da lança hesita por alguns segundos. Um erro fatal. Valavë levanta-se e desfere uma sequência de golpes de cima para baixo girando sua lâmina da direita para esquerda de seu corpo. O homem encapuzado rebate cada golpe soltando arfadas pesadas deixando evidente seu pânico. Em um momento de vacilo, a lâmina da Elfa corta os dedos que segurava a lança. O guerreiro larga a arma e ergue o braço num sinal de rendição. Antes que ele pudesse pronunciar qualquer coisa, a lâmina de Valavë desce sobre a cabeça dele rachando seu crânio.

Ela retira a espada da cabeça de seu inimigo e a limpa. Permitindo relaxar um pouco. Em meio ao silêncio, a elfa escuta alguém correndo. Ela olha em direção a cabana e vê mais um encapuzado se aproximando.

— Ozires...!

Ela começa a correr, mas logo percebe que não iria dar tempo. A elfa para e concentra-se no inimigo. Linhas brilhantes surgem de suas mãos e vão até os olhos. Era possível notar o mesmo brilho vindo por de baixo de sua roupa. Num instante, Valavë estava de frente para o inimigo.

Antes que o guerreiro pudesse pensar em algo, a Elfa o segura pelo pescoço erguendo ele do chão com apenas uma mão. Ele segura o braço de Valavë e começa se debater tentando gritar e se soltar.

Aberração!!!

A pressão no pescoço do guerreiro aumenta e ele para de lutar. Por fim, um estalo podia ser ouvido por quem estava próximo o suficiente. A elfa pousa o corpo do guerreiro no chão. Ela senta-se ofegante segurando sua mão.

Aberração

Valavë não precisava confirmar. Mas, queria ter certeza de quem era seus agressores. Ela retira o capuz do cadáver e vê às orelhas pontudas e o rosto da elfa que ela acabou de matar. Todos os inimigos eram menores do que a guerreira, magros, rápidos e ágeis, porém, não o suficiente.

Todos eram elfos.

Ainda é cedo...

***

Os primeiros raios de sol começaram a surgir e a iluminar o bosque. Ozires desperta olhando os arredores ainda meio confuso. Ele se senta e vê a elfa encostada na arvore, aparentemente dormindo.

— Valavë...?

A elfa abre os olhos e vira a cabeça em direção ao jovem. Ela sorri levemente.

— Pode me chamar de "Val", se quiser.

— Tá... Val, o que faremos agora?

Ozires estava sem rumo. Completamente a mercê da guerreira. Mas, isso não era ruim. De alguma forma, era bom estar ao lado dela.

— Eu tenho um plano. Vamos, temos que ir andando.

— Para onde?

Valavë não responde. Assim que Ozires sai da cabana, ela derruba os galhos e os espalha pelo chão. Em seguida, ela começa a andar. Ozires começa a seguir.

— Toma... - A guerreira empurra sua espada para o jovem. - Você queria saber o que era um escudeiro? Vamos ver se você se lembra.

Ozires para de andar e segura arma percebendo o quanto ela era grande e pesada. Era quase um palmo maior do que ele. O escudeiro olha para a elfa e percebe o quão alta ela era. Pelo menos, vinte centímetros maior.

"Ou será que eu sou pequeno?"

— Algum problema? - Ela pergunta.

— Não, eu só estou com cede. - A elfa apanha o copo de sua Cintura e retira a tampa, oferecendo para o jovem. - Você tem um plano? - Ele diz bebendo a água.

— Sim...

— Para onde estamos indo?

— Não sei...

— Sabe onde estamos?

— Oz, se continuar perguntando, eu faço você carregar umas pedras!

Eles caminham sem silencio por vários metros.

— Sabe de uma coisa Val. - Ele espera até que ela olhe para ele. O que não acontece. - Eu não lembro como é meu rosto.

Isso fez Valavë parar de andar. Ela olha para Ozires e ele olha para ela.

— O que foi? - Ele diz.

— Tem... um rio a nossa esquerda. Passamos lá daqui a pouco e você vê seu reflexo nele. Pode ser?

— Pode...

Eles continuam a andar reto. Quanto mais tempo demorasse para ir até o rio, mais tempo Valavë teria para falar sobre Ozires quando ele fosse ver seu próprio reflexo.